EM QUALQUER LUGAR

Bom dia!

Como podem ver, vou fazendo algumas modificações nos contos e passando alguns para os outros blog que fazem parte desse.
Esperem que gostem das mudanças e continuem a ler, assim como vocês adoro ler.

Boa Leitura!

Bjs

EM QUALQUER LUGAR POR CAROLINA BIVARD -
http://www.livrearbitrio.net/la/contos/carolina_bivard/emqualquerlugar.html
Captilulo 01


[14/07/12]



Capitulo I – Quem sou eu

Dizem que as mulheres gostam de flores. Isso é verdade. Pelo menos para mim isso é verdade. Sempre gostei das flores, da natureza e do outono. Gosto do outono e não da primavera, apesar de gostar de flores. O outono por ter dias claros, o céu luminoso, a brisa agradável, o calor brando e não ter demasiado pólen, porque tenho rinite alérgica e sempre me ataca na primavera. Não conheço nenhuma mulher que não aprecie ser presenteada com flores. Bom, até agora não conheci e sinceramente espero não conhecer, pois me decepcionaria se encontrasse alguma que não gostasse, a não ser que ela tivesse alguma doença que não pudesse ter um buquê de flores perto dela. Meu nome é Paula e tenho 28 anos e essa é minha história, na realidade esse é meu começo. Ah! Tenho um terrível defeito, pelo menos hoje chamam de defeito, pois na época do glamour do cinema, era charme. Eu fumo.

Fico pensando que quando acendo um cigarro hoje na rua, me olham como se eu fosse um estuprador. Isso mesmo, um fumante está tão fora de moda que um estuprador leva mais créditos do que eu. É bem capaz de ser parada por um senhor supostamente distinto, mas que quando quer “comer” menininhas, me desculpem o palavreado, vai a algum lugar de raros prazeres, paga por uma bem novinha achando isso normal e ainda tem a audácia de me recriminar. Bem isso não vem ao caso, pois fumar faz mal a saúde. Não quero me justificar, mas já justificando.

Na realidade minha história não tem nada de mais, aliás, minha vida não tem nada de mais. Mas ela é muito importante para mim e aí eu resolvi contar. Sou da classe mais comum de gente que existe. A classe média. Aquela que pensa que tem alguma coisa, que almeja mais do que tem, pois conhece o que é bom, mas nunca chega a realmente desfrutar, pois nunca alcança. Nunca consegue eleger os políticos que vota. É uma classe que sempre fala e nunca é ouvida, pois não elege os políticos que vota. Filosofa nos bares, tem papos cabeça com os amigos, gosta de churrasco com a galera, se rebela contra a economia, mas nunca elege os políticos que vota. Que adora falar criticamente das notícias que saíram no jornal, adora uma boa piada enviada para seu email e nada muda, pois nunca elege os políticos que vota.

Não sou uma reacionária, anarquista, revolucionária que acha a vida uma droga, mas invariavelmente faço parte dessa massa que faz, trabalha, paga muito imposto, realiza coisas incríveis e nunca elege os políticos que vota, enfim sou normal, em termos é claro. Minha vida tudo é normal. Assim eu achava...

Vocês estão pensando que eu era hetero e de repente descobri que não era e minha vida virou de cabeça para baixo. Não. Eu nunca fui hetero, apesar de ter entendido o que eu era só na adolescência. Por sinal, acho que é por isso que antigamente nós nos chamávamos de entendidos... Muito interessante... Nunca tinha pensado por esse lado... rsrsr

Acontece que eu estava na minha, trabalhando no setor público, concursada e tendo o meu dinheirinho, mas um saco! Meu trabalho é um saco? Não! Mas o sistema público é um saco para quem quer trabalhar e depende da política vigente. Na realidade sou pesquisadora e se pensam que pesquisador nesse país é alguma coisa demais, também estão pensando errado. Se for servidor público, é classe média e ganha só para sustentar a vida de classe média. Não tem carrão, é C3 mesmo. Meus colegas de trabalho têm palio, sandero, um comprou uma TR4 usada e não pode financiar mais nada, pois comprometeu boa parte de sua renda. Bem, era o sonho dele e ele não é casado, mora com os pais. Acho justo, pois quando quiser morar sozinho ele vai ter que fazer escolhas e provavelmente não vai querer escolher comprar o carro que sonha e sim mobiliar a casa, pagar as contas e poupar uma grana para comprar uma casa própria.

Pesquisador é uma raça boba mesmo, acha que estudando muito vai chegar o dia que vai descobrir algo que vai mudar toda a humanidade. Mentira! Isso hoje é uma mentira, pois tudo que você estuda e você faz é apenas uma pequena parte de algo maior, não é “o algo”. Não é mais como a descoberta da roda, do telefone, da célula ou do que gera a combustão. Isso foi lá no início. Hoje você tem pesquisas em todas as áreas e compartimentadas. Então, em todas as áreas tem pesquisadores e eles fazem parte de uma engrenagem onde cada um descobre um pouco de cada coisa. Existem grandes descobertas? Sim existem, mas provavelmente só em lugares onde se subsidia grandes pesquisas sem prazo de validade. Isso definitivamente não é aqui. Pode acontecer? Pode. Mas só com um empurrão bem forte do destino.

Mas onde eu estava mesmo? Ah! Sou Paula, pesquisadora e servidora pública.

-- Bom dia Paula! Vai fazer um cafezinho pra gente?

Meu sono me atormentava por ficar no computador noite adentro sem sono e quando chego ao trabalho o cara de pau ainda me pergunta se vou fazer o café! Era para ele ter feito há muito tempo.

-- Gustavo me poupa! O secretario de ciência vem hoje visitar o laboratório?

-- Mais uma vez, como sempre com cara de paisagem, às duas horas da tarde.

-- Hoje não tô com saco.

-- É. Mas a gente tem que abrir as apresentações dos trabalhos nos computadores e tem que mostrar o que fizemos nos últimos tempos porque o chefe quer ver se descola uma grana para o projeto da comunicação por vibração.

-- Vai esperando... Vou me trocar e... Gustavo?

-- Oi.

-- Vê se pelo menos hoje você faz o café.

-- Rebordosa de sono?

-- É.

Fui para o vestiário colocar o jaleco. Isso deixa a gente esquisita e gorda, mas fazer o quê, né?! No nosso laboratório o chefe exigia que a gente usasse mesmo que não fosse laboratório químico. Nosso laboratório era de engenharia para desenvolvimento de novos produtos. Isso quer dizer que no nosso laboratório tinha de tudo, desde engenheiros eletrônicos, mecatrônicos, mecânicos, desenhistas industriais, técnicos de oficina, analista de sistemas e até gente da área de saúde para auxiliar na interação dos produtos com o ser humano. Pois é, eu era uma dessas da área de saúde. Imagina o que eu não passava na mão deles, ainda mais que eu era formada em educação física, especialista em biomecânica e apesar de ter mestrado em neuro eu nunca seria a médica neuro que eles desejavam. Não mandei eles colocarem o perfil do concurso como: “Área de saúde, especialista em biomecânica e neuro”. Acho que eles achavam que só médico teria a capacidade de fazer a prova. Ledo engano e grande imbecilidade. Vocês acham que um médico neuro também faria especialidade em biomecânica? Neuro era neuro. Nunca vi um neuro que quisesse fazer especialidade em biomecânica, aliás essa é uma especialidade muito comum na educação física por se tratar do estudo do movimento humano e quando algum médico fazia, normalmente era ortopedista e não neuro. Acho que eles queriam fazer um concurso dois em um. Tinham apenas uma vaga e queriam dois especialistas. Sorte a minha! Concorri comigo e... Comigo. Mas não achem que foi fácil, pois tinha que fazer a pontuação mínima em todas as fases que era de 70% e ainda tive uma banca para apresentar uma aula que se quisesse me detonar eu estava ferrada! Na realidade quase me ferrei, eles tentaram mesmo me detonar, mas no final pensaram melhor e se me detonassem, perderiam a vaga e Deus sabe lá quando teria concurso novamente.

Apesar de às vezes eles titubearem nas opiniões que eu dava no fundo a galera era legal. Quando eu dava bola dentro era “OOHH!!” Quando eu dava bola fora era uma cara de “tá vendo?” Coisa que não acontece com os marmanjos da engenharia e olha que têm muitos que dão bola fora direto! Mas tudo bem, eu sou lésbica e depois que eu escancarei para todo mundo ficou um pouquinho... Pior! Mas pelo menos quando alguém vinha de gracinha falando alguma coisa do tipo: “Aí Paula, não sei o que vocês pensam! Vocês nunca vão fazer como um homem de verdade faz com uma mulher”! Eu respondia: “Graças a Deus e amém”! Eu acho que eles nunca entendiam...

Voltei para o laboratório, sentei na frente do meu computador e o liguei. Cacá sentou ao meu lado e queria mostrar o que ele tinha evoluído no sistema que estava desenvolvendo junto comigo. Cacá é analista de sistemas e como nós estávamos sem demanda de projeto resolvemos “brincar de pesquisar” o que quiséssemos e estivéssemos com vontade.

Cacá não é gay. Por sinal um grande defeito seu, pois ele é um cara muito legal. Não que eu ache que uma lésbica tenha que andar sempre com um grande amigo gay a tiracolo, Mas... É que na realidade, já tive um grande amigo hetero e andávamos muito juntos. Com o tempo, seus amigos heteros começaram a encher a cabeça dele no sentido de não entender a nossa amizade. Diziam que; ou ele queria me comer, ou que ele deveria me comer, ou que ele era gay enrustido. Ele não aguentou a pressão e acabou se afastando, pois sabia que uma hora ou outra acabaria cedendo e dando em cima de mim. Seria muito pior porque eu iria me decepcionar muito.

Se vocês acham que eu me acho linda, maravilhosa e irresistível... É verdade. Brincadeirinha! Rsrsrs. Não vou dizer para vocês que eu sou feia, pois isso eu não acho. Vejam bem, se eu não fosse eu e passasse por mim na rua, eu até me paquerava. Mas também não sou irresistível, pois se assim fosse, eu estava namorando e não sozinha. Acho que sou chata porque sou teimosa e acho que no dia a dia sou tímida também. Nunca consegui cantar ninguém de cara limpa, ou eu tomava umas e ficava soltinha ou era cantada. Acabei ficando com umas peças raras que só me trouxeram dor de cabeça, mas pelo menos o sexo valia a pena.

Voltando ao tema minha aparência, eu tenho 1,63 de altura, ou seja sou baixa. Tenho os cabelos louros e curtos, andar leve, pois pratico Tai chi chuan todos os dias. Já fiz judô e kung fu, mas não gosto de apanhar nem de bater e quando me machucava, odiava sentir dor. Optei por algo mais sereno, ligado às artes marciais mesmo, mas não machucava ninguém e ninguém me machucava. Isso me trouxe suavidade nos movimentos, não sou do tipo “bofinho” apesar de ter o corpo delineado pela prática de atividade física. Tenho os olhos verdes e meu rosto aparenta ser mais jovem do que sou realmente, poderia dizer que isso é uma característica boa se não fosse o fato de atrapalhar no meu trabalho. Todos acham que eu tenho um rosto de menina e acabam projetando isso não dando muita credibilidade ao que eu faço.

Eu tenho uma teoria de que a maioria dos gays são muito bons no que fazem, pois tem sempre que se superar para provar a sua competência. Vocês imaginem agora uma mulher que é homossexual, pesquisadora e que sua formação primeira é a educação física, no meio de um monte de homens mais velhos e engenheiros e ainda por cima com rosto de menina? Somem isso ao fato de eu até ser bonitinha. Acabo no final do dia achando que matei um leão no grito.

Eles podem entender em como se constrói um equipamento, um robô, um sistema, mas no final sempre recorrem a mim para saber como dar fluidez ao movimento do brinquedinho deles, como fazê-lo interagir com o ambiente e com o mais importante, como interagir conosco, seres humanos.

O Cacá é diferente, pois ele entrou depois de mim e é mais novo do que eu dois anos. Apesar de ser homem e analista de sistemas, ele é mais novo do que todo mundo, o mais novo também no emprego e não é engenheiro, ou seja, ele é a bola da vez. Comigo ele é legal e nos damos muito bem. Só ocorreu um fato no início e que ele ficou constrangido comigo. Tudo por culpa do babaca do Gustavo. Quando ele chegou estava meio deslocado e eu sabia bem como era aquilo. Fui simpática com ele e apresentei como as coisas ocorriam no laboratório. Já tínhamos tido bolsistas analistas de sistemas e sabíamos exatamente o que buscar do conhecimento dele. Começamos a interagir e acabamos nos dando muito bem, mas acho que nesse meio tempo ele interpretou mal a minha simpatia e começou a se interessar por mim. Tentei me afastar um pouco para não dar mais corda e um dia quando cheguei mais cedo no trabalho, peguei o Gustavo falando para ele que eu era “sapata”. Palavras do Gustavo. Foi mais ou menos assim:

-- Cara, cai fora dessa. Você não viu que ela é sapata?

-- O que?!

-- É isso mesmo ô retardado de fraldas, ela é sapatão. Gosta de mulher, tá perdendo seu tempo.

-- Olha Gustavo, eu não sabia disso, mas não quero que ela escute você falando assim dela, nem que ela pense que eu falei qualquer coisa desse jeito dela. Gosto da Paula e ela é uma garota legal, sempre me tratou legal e é muito inteligente, a gente trabalha muito bem junto. O fato dela ser gay, pra mim não muda nada.

Acho que o mais legal foi ter escutado o Cacá me defendendo e dizendo que eu era gay e não falado “sapata”, “sapatão” “fanchona” ou algo do tipo. Mas voltando...

-- Iiiii! Ficou irritadinho é? Só quis te alertar, ô garoto!

-- Recado dado, mas fica por aqui. Não quero mais escutar alguém falar dela do jeito que você falou.

Cacá saiu irritado da copa voltando para o laboratório e eu me esquivei para ele não ver. Entrei na copa olhando grave para o Gustavo. Não queria me estressar com ele, apesar dele ser fofoqueiro e intrometido ele também era puxa saco de quem estivesse por cima, coordenadores, chefes e diretores... O problema é que o idiota sempre caia na graça de alguém. Mas dessa vez eu não aguentei.

-- Tá satisfeito, Gustavo?

Ele me olhou com uma cara lavada e disse:

-- Satisfeito de que? Eu não fiz nada! Só o alertei para não gostar de você, você não gosta de homem mesmo! Ou mudou de ideia?

Riu um sorriso cínico e eu fiquei vermelha de raiva. Controlei-me para não esbofetear o idiota e ele acabar abrindo uma ocorrência contra mim por agressão dentro de órgão público. Inspirei fundo enquanto ele ainda me olhava rindo.

-- Na realidade você tá com a razão.

-- Estou? – Ele me olhou desconfiado.

-- Está. Pois se um idiota como você sabe de minha condição sexual, por que um cara legal como o Cacá não deveria saber, né?

Não dei chance dele retrucar. Saí da copa como um furacão em direção ao laboratório, pois não queria mais olhar para a cara do imbecil e queria conversar com o Cacá.

Quando eu cheguei ao laboratório o Cacá estava com a cara enfiada no computador dele, percebeu minha presença, mas fingiu que não me viu entrar. Cheguei perto dele por trás e coloquei a mão no seu ombro, ele levantou o olhar com certa tristeza e eu percebi que o menino estava gostando de mim mesmo.

-- Quer conversar? -- Eu perguntei.

-- Você ouviu a minha conversa com o Gustavo?

-- Ouvi. Estava chegando naquela hora.

Eu estava nervosa e ao mesmo tempo triste, pois comecei a achar que realmente não tinha sido honesta com o Cacá.

-- Vamos lá fora? Preciso fumar um cigarro...

Falei com um tom de súplica e acho que ele percebeu a minha angustia, pois seu semblante se suavizou e ele levantou me acompanhando.

Quando chegamos lá fora fomos direto sentar no banco embaixo da árvore que tinha no jardim. Tirei meu cigarro do bolso do jaleco e comecei a acendê-lo nervosa. Apesar te ter escutado o Cacá me defender, eu sabia que ele estava magoado.

-- Por que você não me contou Paula? Eu pensei que você confiava em mim?

-- E confio, mas não achava relevante. Que relevância tem a minha condição sexual para a nossa amizade?

-- Para a nossa amizade não. Mas acabou que comecei a gostar de você e para isso acho que é relevante não?

Nossa! Que bagunça! Eu pensei. Que droga também, por que toda a vez que uma mulher é atenciosa e gosta da convivência de um cara acaba sempre em confusão? Tem tanta mulher por aí, por que essa galera cisma de gostar de quem nunca vai gostar deles?

-- Olha Cacá, não foi por nada. Apenas não achei que pudesse acontecer algo assim e depois o que você queria que eu falasse? Você chegou tem três meses! Você queria que eu me apresentasse como? “Prazer, meu nome é Paula e eu sou lésbica”?! Você se apresentaria “meu nome é Carlos Eduardo e eu sou hetero”?!

Eu olhei para ele e ele começou a gargalhar da forma como eu falei.

-- Você realmente é demais Paula!

Ele continuou a rir eu ri também, mas aliviada do que outra coisa.

-- Não, acho que não.

Ele suspirou e eu coloquei a mão sobre o ombro dele.

-- É... Cacá. Acho que esse babaca acabou nos fazendo um favor. Pelo menos as coisas ficam mais claras. Só não gostaria de perder sua amizade, não gostaria que você se afastasse de mim.

-- Ei, Paulinha! Eu não sou preconceituoso, só que eu estava começando a gostar de você mais do que eu devia, também quem mandou? Se você fosse uma lésbica feia eu te garanto que isso não ia acontecer.

Ele falou já se protegendo, pois sabia que eu ia cair com uma chuva de tapas no braço dele. Esse ritual já fazia parte de nossas brincadeiras.

-- Quer dizer que você só se interessou por me achar bonita, se eu fosse só inteligente, simpática e divertida não ia servir? Que coisa feia de se falar, Cacá!

O repreendi com falsa indignação e ele continuou a rir. As coisas voltaram para o normal, acho que ele me esqueceu como mulher, isso já faz seis meses. Hoje em dia saímos juntos para beber, ele fica tentando arrumar uma garota para mim e eu fico tomando conta dele, pois sempre acaba caindo bêbado no meu sofá da sala. Sempre não, às vezes. Falando desse jeito, parece até que o cara é bebum. Só bebe assim uma vez por semana, normalmente sábado e ainda pergunta por que eu não arrumo ninguém! Às vezes dá vontade de esganar ele.









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Capitulo 2

[18/07/12]



Capitulo II – Meu pequeno projeto

Mas enfim, onde eu estava? Ah sim! No Cacá, no nosso sistema e no dia da visita do Secretário de Ciência e Tecnologia. Não sei se eu falei, mas nós podemos ter subsídios para projeto de diversas formas, até do setor privado, mas normalmente esse não acontece, pois o setor privado não acredita em investimentos em pesquisa e tecnologia no país. Os burros acabam sempre preferindo importar algo já pronto, mas que no fundo é uma enorme caixa preta, acabam sempre tendo que comprar aditivos para o que foi comprado e acabam gastando mais no final. Outra forma é quando o próprio governo investe, seja na esfera federal, estadual ou municipal. No caso de hoje, nosso chefe estava tentando vender o nosso peixe para o secretário municipal. Eu havia pensado que era o secretário estadual de ciência e tecnologia. Esse já tinha ido diversas vezes lá e nada.

Como eu disse, Cacá estava ao meu lado tentando mostrar o que ele tinha evoluído do nosso brinquedinho quando nosso chefe entrou nervoso no laboratório dizendo que a visita tinha sido adiantada para a parte da manhã. Nunca entendi por que eles ficam tão nervosos, basta eles mostrarem o que fazemos todos os dias. Todo mundo já sabe falar sobre cada projeto de cor e salteado, o cara olha, finge que está prestando atenção, depois cumprimenta e parabeniza a todos pelo belo trabalho, vai embora e o dinheiro para a pesquisa não vem. Sempre é o mesmo que acontece.

O chefe mandou o Gustavo abrir as apresentações dos projetos já realizados e as dos projetos que estavam sendo propostos. -- Aliás, tenho que apresentar o meu chefe a vocês, O nome dele é Roberto. Mais tarde falo mais dele. – Mandou chamar todo mundo, disse para o Serqueira trazer o H9 que é um robô que conduz embarcações em locais com muitos recifes de forma mais segura através de sonar, pediu para o Garrido trazer uma nova cadeira de rodas com sensores para condução através da boca e o acessório dela que é uma viseira com sensores para a percepção do olhar do condutor, facilitando o giro da cadeira para onde o condutor está olhando. Pediu para os outros se postarem próximo aos computadores em que havia apresentações de projetos mais antigos, olhou para mim e pro Cacá e disse:

-- Vocês podem... continuar a fazer o que estavam fazendo. Não se preocupem que nós apresentamos o laboratório.

Eu e o Cacá nos olhamos e vislumbrei um sorrisinho sarcástico nos lábios do Gustavo. Demos de ombro e voltamos a nos sentar lado a lado de frente para os nossos computadores. Nossos postos de trabalho ficam no fundo do laboratório em diagonal, de modo que, dependendo de onde se esteja, dá para ver as telas. O Cacá abriu o sistema e me mostrou que já conseguia rastrear as marcas anatômicas. Ah! O sistema que estávamos tentando desenvolver, não é inovador. Na realidade já existe, mas é muito caro. Vocês viram o filme Avatar? Pois é, eles usaram um sistema para capturar os movimentos da face dos atores para poder inserir na face dos avatares que foram criados a partir de computação gráfica. Para que nós queríamos fazer um sistema como esse? Bem, na realidade para nós seria para estudar expressões faciais e a partir daí veríamos o que nós iríamos fazer. Estávamos sem projeto e um dia conversando com o Cacá lá em casa, eu disse que gostaria de ter uma fechadura dessas que abre por comando de voz para não precisar deixar ele sentado no chão do meu corredor bêbado enquanto abria a porta. Ele disse que por voz não saberia se conseguiria fazer, pois precisaríamos de alguns equipamentos que não tínhamos, mas quem sabe por reconhecimento facial. Aí eu falei para ele que apesar de fazer o reconhecimento facial, ainda precisaria dar comando e ele disse que talvez através das expressões faciais pudesse conseguir e aí tudo começou.

Sentimos um burburinho em direção à porta e me virei para observar. Nosso chefe estava estendendo a sua mão para um sujeito bem alinhado e atrás dele tinham mais algumas pessoas que estavam na porta, só que eu ainda não podia divisar. Voltei a olhar para tela e o nosso sisteminha e o Cacá me disse que ele não conseguira fazer com que o sistema rastreasse todas as marcas que usamos para o experimento. No entanto, eu já conseguia identificar algumas de minhas próprias expressões nas marquinhas que foram capturadas. Pois é, eu tinha sido a cobaia e eu mesma coloquei as marcas anatômicas no meu rosto de frente para um espelho e depois o Cacá capturou meu movimento facial com três câmeras. Foi quando eu vi o Cacá olhando para a porta e o escutei falando baixinho.

-- Que gata!

Olhei para a porta também e acho que se Cacá não tivesse me cutucado eu morreria sem ar, porque nesse exato momento eu parei de respirar.

-- Meu Deus! Que gata!

O Cacá me olhou como se eu fosse um fantasma, pois nunca tinha me expressado assim na frente dele e depois se voltou para o nosso computador começando a rir.

-- Para Cacá! O Roberto vai trucidar a gente. -- Sussurrei para ele e ele colocou a mão na boca para abafar o riso.

-- Desculpa, mas não aguentei. É a primeira vez que te vejo com o queixo caído por causa de mulher. Já estava achando que aquela história de gay era só para eu não dar em cima de você. Hihihihih!

-- Para Cacá. Fica quieto. -- Ele virou para ver novamente a mulher e eu congelei os olhos em um bonequinho redondo com a minha cara que saltava no canto da tela do computador. Esse avatarzinho minúsculo o Cacá havia feito para me sacanear e pulava toda vez que o sistema dava um erro.

-- Pode me chamar de medroso ou boiola, mas essa mulher eu não encarava não. -- Ele sussurrou e eu olhei para ele sem entender. -- Além dela ser maior que eu, ela é muita carne para o meu churrasco.

Continuei olhando para ele desacreditada. Cacá era o tipo do cara que não tinha medo de chegar junto. Na noitada quando ele via uma mulher que gostasse ele chegava. Dizia que não tinha nada a perder e se levasse um toco ele saía fora e partia para outra.

-- Já viu a mulher toda direito?! Já viu o jeito dela?! É aquele jeito de “se te pego te destruo em quinze minutos”. Não dá para arriscar a reputação de anos assim.

Dessa vez quem riu fui eu. Não dava para acreditar naquele garoto falando uma bobagem dessas.

-- Shiiii! Tá maluca! Fica quieta que o Roberto mata a gen...

Quando eu vi o olhar do Cacá subindo acima dos meus ombros, eu gelei.

-- É um sistema de captura de movimento? Interessante...

A voz era um pouco grave e ligeiramente rouca. Um perfume floral-amadeirado atingiu meu olfato e eu quase perdi meus sentidos. Levantei devagar para dar passagem ao olhar perscrutador da mulher que tentava ver direito o nosso sistema ainda capenga e com um avatarzinho redondo ridículo pulando na tela com a minha face estilizada. Acho que eu fiquei da cor de um catchup de tão vermelha. Depois que esse povo todo fosse embora, eu ia cometer um assassinato naquele laboratório. O Cacá ia me pagar! Ah se ia...

Minha garganta estava seca, meus olhos não conseguiam parar quietos e minha timidez não permitia que eu olhasse de perto aquela mulher linda. Podem falar! Sou uma boba, idiota e um bicho do mato.

-- Quem está desenvolvendo esse sistema? -- Ela perguntou e o Cacá se adiantou estendendo sua mão para cumprimenta-la sabendo que eu tinha travado. -- Nós dois, meu nome é Carlos Eduardo e essa aqui é a Paula. -- Ele apontou para mim e ela estendeu a mão em minha direção. Eu só consegui dizer um ridículo “oi” abafado e segurei sua mão. Meu coração acelerou tanto que eu achei que, ou eu teria um enfarto, ou meus pés começariam involuntariamente a sambar por meu coração parecer bateria de uma escola de samba. A mão dela queimava na minha e eu sentia um frio correr pela minha coluna. Que mão linda! Alongada, macia, mas o aperto firme. O Cacá estava certo. Essa mulher era capaz de acabar com quem quer que fosse, em apenas quinze minutos. Na realidade ao contrário dele eu não me importaria nem um pouco que ela acabasse comigo em quinze minutos. Não tinha nenhuma reputação a perder e estava já sem transar a um tempão. Por sinal ela poderia acabar comigo no tempo que quisesse, eu não faria nenhuma objeção.

-- Meu nome é Aghata e sou a Subsecretária de ciência e tecnologia. Na realidade sou mesmo é médica neurologista.

“Ai, meu deus”! Foi a única coisa que eu consegui pensar naquele momento.

Meu chefe se aproximou com o secretário de ciência e tecnologia e ele se dirigiu a Subsecretária.

-- Aghata! O que você pescou por aqui. Te conheço e normalmente tem um bom faro.

-- Esses dois pesquisadores estão desenvolvendo um sistema de captura de movimentos faciais. É bem interessante para diversas áreas, por exemplo; área de reconhecimento facial e gestual na segurança pública, interações sociais, aprendizagem para pacientes neurológicos. Já estava mais que na hora de termos um nacionalizado.

Ela se voltou para nós nos perguntando.

-- Qual a formação de vocês?

Eu pensei de novo. “Ai meu deus!” O Cacá se adiantou novamente.

-- Eu sou analista de sistemas e design gráfico.

-- Eu sou professora de educação física. -- Antes de explicar qual a razão de eu estar ali, ela se adiantou.

-- Então foi você?

-- Ããã?

-- Ah! Desculpe. Deixe-me explicar. Quando saiu o concurso para cá, eu quase me inscrevi. Só não o fiz porque o André na época tinha sido escolhido para a secretaria de ciência e tecnologia e nós já trabalhávamos juntos. Ele me convenceu a aceitar ser sua Subsecretária. Não entendi como uma professora de educação física conseguiu passar nesse concurso, sem ofensas...

-- Claro! Sem ofensas. -- Agora ela estava começando a me irritar e ainda por cima, vi o sorrisinho jocoso nos lábios do Gustavo novamente. Quem ela pensa que é? Consegue um cargo por indicação e ainda vem me ofender menosprezando minha formação!

-- Vamos nos adiantar Sr. André? -- Meu chefe falou.

-- André, você se importaria de terminar a visita sem mim? É que tenho um almoço importante hoje e não quero me atrasar.

“Eu tenho um almoço importante hoje! Que mulherzinha fútil!” -- Minha consciência falava com uma voz estridente e irritada.

-- Claro que não, Aghata. Pode ir.

-- Sr. Roberto...

Ela estendeu a mão formalmente para cumprimenta-lo. Ele a cumprimentou e ela se virou para se dirigir a nós. Eu juro que se ela falasse mais alguma coisa da minha formação, eu quebrava a cara dela. Bem... Isso não é realmente verdade, afinal de contas ela tinha 20 cm a mais do que eu e eu odeio violência. Principalmente com relação a minha pessoa. Imagina se eu me machucasse? Nem pensar!

O puxa saco do Gustavo estendeu a mão para ela e foi aí que eu fiquei... Uummh... Confusa. Essa é a palavra. Ela era insuportável sim, mas dessa vez eu adorei. Ela ignorou a mão estendida do Gustavo solenemente. O Cacá chegou a dar uma risadinha e eu dei uma cotovelada nas costelas dele para ele parar. Ela veio até nós e perguntou se poderia voltar outro dia para ver a evolução do sistema. O Cacá prontamente disse que sim e eu quase... Capotei com o sorriso que ela deu. Ela não tinha sorrido um só instante e quando fez foi luminoso. Ela saiu deixando aquele rastro floral-amadeirado e eu o que fiz? Desabei na minha cadeira me odiando por estar tendo pensamentos libidinosos com uma mulher grosseira e mal educada.

Bom, pelo menos nos pensamentos eu podia abafar a parte “do grosseira e mal educada” e dar um rosto para as minhas noites e minhas satisfações solitárias, se é que vocês me entendem. Por que dar um rosto só? Eu podia dar rosto, corpo, mãos... Afinal de contas as fantasias eram minhas.

-- Paula... Paula...

-- Ããh?

-- Paula, o secretário quer se despedir de vocês.

-- Senhor. -- Levantei e estendi a mão para cumprimenta-lo. Ele segurou a minha mão com as suas duas mãos e falou.

-- Muito bem. Você e esse moço são as pessoas que causaram boa impressão a minha Subsecretária.

-- Como? Não entendi! -- Eu acho que eu estava meio lesa. “O homem falou que eu e o Cacá causamos boa impressão a “mulher maravilha”, a “Xena a princesa guerreira”, a Tomb Rider” e eu só conseguia balbuciar palavras. Que patético!

-- Ela disse que voltaria, não é? Então ela vai voltar e aí poderemos ver o que vamos articular de projetos junto com vocês.

O Cacá abriu um sorriso de orelha a orelha, o meu chefe abriu um sorriso de orelha a orelha, o Gustavo fechou a cara, eu fiquei parada e o homem foi embora. O Gustavo foi para a oficina o meu chefe não parava de tagarelar coisas que eu não estava ouvindo e o Cacá me sacudiu.

-- Você ouviu o que ele disse Paulinha? Eles gostaram do nosso sistema!

-- Ouvi. -- Foi somente o que eu disse.

-- Por que vocês não me falaram que estavam trabalhando em algo tão interessante? Eu poderia tentar subsídios em outros lugares também.

Que cara de pau! Só dava ouvidos ao Gustavo, que não fazia nada além de lamber o saco dele o dia todo e coçar o seu próprio e ainda queria tirar satisfações de não termos falado o que fazíamos!

-- Estávamos só no esboço de uma ideia. -- Foi o que eu consegui falar.

-- Depois do almoço me mostrem esse sistema e poderemos escrever um projeto em cima dele.

Pronto, acabou a diversão de eu e o Cacá fazermos porque queríamos fazer e agora virou oficial. Vão dar milhões de opiniões, vão querer muda-lo para um grande sistema super multiuso com a cara de projeto NASA e vai precisar de milhões para terminar. A prefeitura vai desistir e voltaremos para a estaca zero.

Quinze dias tinham se passado, briguei com todo mundo, meu chefe me deu uma advertência, mas no final ele retirou essa advertência e concordou comigo em inicialmente fazermos apenas o sistema de captura. A morena gostosa, alta de olhos azuis não apareceu nesse meio tempo e eu ainda tinha as fantasias de noites solitárias, mas nem passava pela minha cabeça durante o dia. O pessoal esfriou e finalmente só eu e o Cacá trabalhávamos no sistema enquanto a maioria tinha retornado ao H9.

Era sexta-feira, eu e o Cacá estávamos discutindo a melhor forma de visualização do softwere, pois ele tinha a visão do design e eu do usuário. Queria algo simples em que você olhasse e soubesse logo o que a aba que fosse aberta no sistema queria mostrar. Foi quando aquele avatarzinho começou a pular no canto inferior da tela, o Cacá começou a rir e a me gozar falando: “ui meu Deus! Que gata”!

-- Eu não falei “ui” e você tá parecendo um viadinho.

Comecei a dar tapas em seu braço e ele se defendia rindo. A porta havia sido aberta e como em todos os lugares onde se deve ter segurança, ela tinha falhado, pois quando percebemos lá estava a Subsecretária de ciência e tecnologia nos vendo de brincadeira e eu nem sabia quanto tempo ela estava ali ou se havia escutado o que nós falávamos. Dei um pulo da cadeira e o Cacá quase caiu.

-- Éééé...Secretária! Nós estávamos na nossa hora de lazer.

Droga! Essa desculpa foi horrível!

-- Não sou secretária ainda, embora o André esteja pensando em passar o cargo, pois ele vai tentar a eleição. Disse que passaria aqui para ver a evolução do sistema. Como está indo?

Ela falou já se aproximando de nós em passos suaves. Minha boca secou, pois ela tinha um andar sexy de felina. Não queria perguntar como ela entrou porque pareceria que éramos uns displicentes e desorganizados.

-- Está bem, está legal! Você quer ver?

“Esta bem, está legal! Que raio de resposta é essa Paula? Sua falta de alguém está te deixando retardada, é”? – Pensei.

-- Eu posso?

A Subsecretária apontou a cadeira em que eu estava sentada.

-- Claro! A vontade! O Cacá mostra para você o sistema.

“Você pode até sentar no meu colo se você quiser”. Eu pensei.

Ela me olhou dentro dos olhos e esboçou um leve sorriso. Minhas pernas pareciam geleia, mas eu não sabia dizer se o olhar dela era bom ou ruim, só sabia que aqueles olhos me faziam esquentar toda.







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Capitulo 3



[21/07/12]



Capítulo III – O meu mundo está diferente...

Aghata

Quando eu entrei a primeira vez naquele laboratório eu estava entediada. Meu mentor, e amigo havia me pedido para ser seu braço direito na secretaria de ciência e tecnologia da prefeitura há mais ou menos uns três anos. Eu estava irritada, pois todo projeto que nós colocávamos para aprovação ia para a câmara dos vereadores e era uma verdadeira luta. Nos três anos de governo nós só conseguimos emplacar dois projetos realmente relevantes, um na área de equipamentos de cirurgia e procedimentos hospitalares, esse eu entrei na câmara e tudo, outro da área de sondagem geológica.

Visita a um laboratório de pesquisa naquele dia não estava definitivamente nos meus planos. No dia anterior tínhamos acabado de perder outra batalha na câmara e eu estava desanimada. Quando entrei logo atrás do André, vi dois homens bem apessoados. O primeiro me foi apresentado como o chefe do laboratório, seu nome era Roberto e parecia o típico burocrata. Apesar de ser engenheiro e pesquisador, falava como um político. Não que eu não estivesse acostumada, sabia que na posição dele, ele teria que se portar dessa forma, pois se não fosse assim não conseguiria nada para seu laboratório. Mas eu estava cansada. O outro, um tal de Gustavo, também era engenheiro e pesquisador, mas esse me causou desconforto. Não gostei de seus gestos, de sua forma de falar, me soava falso. Simpático demais e até forçado, intimo demais.

Não gosto de gente que me trata intimamente e nem me conhece. Trabalhando na prefeitura e tendo o cargo que eu tinha, eu aprendi a conhecer os mais diversos tipos de gente e alguns tipos me aborreciam, como esse cara aí, por exemplo. Era o tipo bajulador e provavelmente não fazia mais nada. Engraçado que quando eu entrei, eu encontrei muitos desses na secretaria. Eu e o André fizemos uma faxina, por assim dizer e ganhamos uma gama de inimigos na prefeitura. Reavaliando agora esses três anos de gestão, realmente não me admira que tenhamos tanta dificuldade em realizar nosso trabalho. Não fomos muito políticos e acabou que a outra banda é, e faz pressão sobre nós.

Escutava o blá, blá, blá do chefe do laboratório mostrando seus projetos, mas na realidade esses projetos apesar de bons eram suntuosos e dispendiosos demais para a prefeitura. Já havíamos perdido muito e eu não queria me arriscar. Precisávamos de algo que pudesse ser executado em etapas, mas que já desse resultado desde a primeira fase. A secretaria não estava rendendo ao que nós nos propusemos quando entramos e apesar do prefeito saber de tudo que acontecia, ele era político como todos. O que mais me deixava furiosa, era que, sempre critiquei quem estava no poder e poderia fazer algo para mudar as coisas. Sempre golfei que quem tinha a caneta na mão poderia modificar, nem que fosse um pouco, a realidade do nosso país, do nosso povo e não fazia. Agora eu e o André tínhamos a caneta na mão e não conseguíamos nos livrar das malditas amarras do sistema político sujo. Que raiva!

Foi exatamente nesse momento que eu resolvi não mais prestar tanta atenção ao chefe do laboratório e a esse outro bajuladorzinho barato, que levantei meus olhos para observar todo o laboratório. No fundo da sala, vi dois jovens despreocupados com a nossa visita e até sorriam olhando algo na tela do computador. Eles me chamaram a atenção não sei por que, mas pareciam lidar muito melhor e de forma muito mais prazerosa com o que estavam fazendo do que esse monte de homens enfileirados a nossa frente. Como tinham três assessores nossos atrás de mim, resolvi me desprender discretamente do grupo e averiguar o que esses jovens faziam. Provavelmente nada de mais, provavelmente estavam brincando com alguma coisa, mas nesse momento me parecia mais atrativo do que ficar escutando sobre projetos que eu e o André não poderíamos ajudar. Aproximei-me devagar para não assustá-los com a minha presença, pois provavelmente mudariam a forma de se portar assim que me vissem, e então eu escutei o menino falar para a garota sentada ao seu lado.

-- Pode me chamar de medroso ou boiola, mas essa mulher eu não encarava não.

Percebi que ela olhou para ele de um jeito que não estava entendendo o que ele falava e ele completou.

-- Além dela ser maior que eu, ela é muita carne para o meu churrasco.

A menina continuou o encarando como se não estivesse acreditando no que ele falava e eu compreendi que eles estavam falando de mim por ele ter se referido à estatura. Realmente eu era uma mulher alta, mas pelo menos ele não referendou isso como algo ruim.

-- Já viu a mulher toda direito?! Já viu o jeito dela?! É aquele jeito de “se te pego te destruo em quinze minutos”. Não dá para arriscar a reputação de anos assim.

Eu quase gargalhei com essa afirmativa dele, mas não sei por que eu olhei para a tela do computador e vi um sistema tosco, como se ainda tivesse em fase de construção. Tinha muitos pontos se movendo e eu percebi que era uma tentativa de construção de um sistema de capturar de movimentos. Como eu era médica neurologista, trabalhei com muitos paralisados cerebrais. Normalmente os médicos neurologistas se especializavam em cirurgia, mas eu adorava clinicar e acabei trabalhando com muitos fisioterapeutas e alguns professores de educação física para tentar melhorar as condições motoras de meus pacientes e por conta disso acabei fazendo uma especialização em biomecânica. Por esse motivo, entrei em contato com alguns desses sistemas, mas todos importados.

Escutei o riso da garota e achei um riso gostoso e divertido, mas o menino a advertiu, ela abafou o riso e ele percebeu que eu estava ali.

-- Shiiii! Tá maluca! Fica quieta que o Roberto mata a gen...

Eles se levantaram, ela meio envergonhada e eu perguntei:

-- É um sistema de captura de movimento? Interessante...

Continuei olhando para a tela e tinha um bichinho saltitante na parte inferior e quando eu reparei na garota, vi que esse bichinho redondo saltitante tinha os seus traços. Na certa era uma brincadeira dos dois para descontrair o ambiente. Voltei-me para os dois perguntando:

-- Quem está desenvolvendo esse sistema?

Não teria nada de mais se eu não tivesse visto um par de olhos verdes, ardentes e confusos, mas me olhando profundamente como se quisessem tocar dentro das minhas entranhas. Recuperei-me imediatamente e estendi a mão para cumprimenta-los e me apresentar. O rapaz falou seus nomes e o nome da garota ressoava em minha mente. “Paula”, “Paula”, “Paula”... Se eu não fosse tão cética e se não soubesse que eu era heterossexual de carteirinha, podia até dizer que estava escutando uma voz dizendo “você quer essa garota”. Quando achava que nada mais o meu cérebro podia fazer para me pregar peças, apertei sua mão e uma corrente de energia passou por todo o meu corpo me sinalizando que eu estava tendo um... não sei o que! Ela falou “oi” com uma voz muito suave, mas embargada e eu percebi que ela estava toda tímida. “Que mulher tão atraente poderia ser tímida desse jeito”. Por esse pensamento recuperei minha razão em um estalo.

-- Meu nome é Aghata e sou a Subsecretária de ciência e tecnologia. Na realidade sou mesmo é médica neurologista.

Ela me olhou um pouco assustada e o André se aproximou com o chefe do laboratório e o bajuladorzinho a tiracolo.

-- Aghata! O que você pescou por aqui. Te conheço e normalmente tem um bom faro.

Falei minhas impressões sobre o sistema que havia visto para ele.

-- Esses dois pesquisadores estão desenvolvendo um sistema de captura de movimentos faciais. É bem interessante para diversas áreas, por exemplo; área de reconhecimento facial e gestual na segurança pública, interações sociais, aprendizagem para pacientes neurológicos. Já estava mais que na hora de termos um desses nacionalizado. Voltei-me para os dois pesquisadores e perguntei:

-- Qual a formação de vocês?

O menino se adiantou. Ele era mais desinibido.

-- Eu sou analista de sistemas e design gráfico.

Compreensível em um laboratório dessa natureza. E aí ela falou a dela.

-- Eu sou professora de educação física.

Lembrei-me imediatamente do concurso que eu iria prestar e desisti por conta do convite do André para integrar a secretaria. Não me inscrevi, mas depois quis saber quem tinha passado. Inteirei-me e qual não foi a minha surpresa por saber que concorreria com uma professora de educação física. Não que um professor de educação física não tivesse competência, muito pelo contrário, trabalhei com alguns muito bons, pois quem trabalha comigo tem que ser competente. E depois, existem incompetentes em todas as áreas. Na minha então, nem se fala. Mas nesse caso, eu era doida para saber quem entrou no lugar que eu almejava. E ali estava ela e fazendo algo bem interessante.

-- Então foi você?

-- Ããã?

-- Ah! Desculpe. Deixe-me explicar. Quando saiu o concurso para cá, eu quase me inscrevi. Só não o fiz porque o André na época tinha sido escolhido para a secretaria de ciência e tecnologia e nós já trabalhávamos juntos. Ele me convenceu a aceitar ser sua Subsecretária. Não entendi como uma professora de educação física conseguiu passar nesse concurso, sem ofensas...

Meti os pés pelas mãos e acabei falando de um jeito esquisito que parecia mais uma agressão. Estava sem jeito e não sabia como concertar. Apendi a calar minha boca quando ela falava algo que não era o que o cérebro queria expressar. Quando queremos concertar às vezes sai pior. Resolvi tirar o meu time de campo, porque eu tinha um compromisso e resolveria esse assunto em outra ocasião.

-- Claro! Sem ofensas. -- Ela falou.

-- Vamos nos adiantar Sr André? -- O chefe dela interpelou.

-- André, você se importaria de terminar a visita sem mim? É que tenho um almoço importante hoje e não quero me atrasar. -- Eu aproveitei para sair de fininho. Aprendi isso nesses três anos e nem olhei para o rosto dela para não me arrasar de vez.

-- Claro que não, Aghata. Pode ir. -- O André me dispensou e eu estendi a mão para o chefe do laboratório.

-- Sr. Roberto...

Quando me virei o bajulador estava estendendo a mão para mim e eu não estava com o mínimo de humor para ele. Queria deixar o mínimo de impressão digna e passei por ele batida, me aproximei da garota e do rapaz e perguntei se poderia voltar para ver a evolução do sistema. Esse sistema tinha me interessado verdadeiramente. O rapaz me disse que sim sorrindo, mas era um sorriso verdadeiro e ela me olhava muito confusa. Não era para menos, eu também ficaria no lugar dela. Confusa não! Eu ficaria puta comigo se estivesse no lugar dela, mas ela não parecia puta, ela parecia confusa mesmo.

Na realidade eu queria voltar, não só para ver o sistema, mas para desfazer essa confusão. Não sei por que, mas o fato dessa garota achar que eu era uma mulher grosseira me incomodava. Não me incomodava o fato de babacas me virem como uma mulher grosseira, mas essa garota me ver assim, me incomodava... Eu me mostrar assim para essa garota me incomodava...

Sai de lá com a impressão de que ia começar uma nova fase na secretaria. Não queria mais me embrenhar em projetos grandiosos que tinha que batalhar até a exaustão. No final de tudo, os ditos representantes do povo, nossos digníssimos vereadores vetariam para fazer uma obra mais suntuosa ainda e que não acabaria nunca, mas lhes renderia muito mais. Comeria pelas beiradas, como dizem por aí. Subsidiaria projetos pequenos com recursos da própria secretaria que não precisariam passar pela câmara. Esses projetos um dia poderiam ajudar pelo menos uma parte da população. Já seria um bom começo e eu não ficaria com o espírito tão arrasado pensando que falhei de todo.

Cheguei ao restaurante. Um pequeno bistrô em uma alameda arborizada. É, parece que meu ex-namorado queria mesmo me reconquistar, já antecipava que o almoço ia ser um pé no saco e iria sair dali com uma baita dor de cabeça. Dito e feito. Depois de seis meses de namoro, me juntei com Rodrigo e até agora não sabia por que. Aí veio mais três anos de puro tolerar. Ele era arrogante, pretencioso e falava mais do que fazia. Até no sexo se eu havia atingido o orgasmo mais do que três vezes com ele foi muito. Meu deus! Orgasmo uma vez ao ano! Estou derrotada! Durante o almoço começamos a discutir porque eu não queria voltar para ele e ele me falou que queria mesmo era dizer para todo mundo que comia a Subsecretária de ciência e tecnologia. Disse isso para me ofender. Que derrotado ele também! Ele poderia ter corrido atrás de uma artista de tv. Tá certo que de vez em quando eu podia até ser uma grande cachorra que não pensava nele o dia todo, mas isso ele não sabia, e quando eu chegava em casa aborrecida e cansada lembrava que ele morava comigo porque os sapatos estavam na sala e a camisa jogada em cima da mesa. Eu não era uma cachorra, eu só soltava grandes rottweilers pela minha boca em cima dele. E ele dizer que só estava comigo por eu ser Subsecretária! Grandes coisas! Comer a Subsecretária de uma prefeiturinha de droga, não é nada! Ri dos meus próprios pensamentos.

Cheguei em casa e como havia previsto a dor de cabeça estava rondando. Como odeio tomar remédios resolvi tomar um banho na hidro para relaxar. As pessoas me perguntavam espantadas porque eu odiava tomar remédios, como se por ser médica eu devesse gostar de tomar remédios. Nunca entendi essa lógica das pessoas.

Fiz um chá e me deitei na água morna da hidro borbulhante. Tirei completamente o Rodrigo da minha mente e comecei a pensar no que se passou de manhã naquele laboratório. Lembrei-me das bobagens que o tal do Carlos Eduardo falou de mim e no riso gostoso daquela garota loirinha. Sorri também e comecei a me tocar nos seios e entre as pernas. Precisava relaxar. Quando estava quase chegando lá aquele olhar esmeralda e aquele rosto doce povoou a minha mente e meu orgasmo foi tão forte que cheguei a me assustar, aliás, quase me afoguei! Pela nossa senhora das desesperadas! Eu deveria procurar a minha ginecologista, pois eu devia estar com meus hormônios todos desregulados. Enxuguei-me e fui dormir, precisava descansar.

Cheguei no dia seguinte cedo à secretaria, pois o André queria falar comigo. Ele me comunicou que queria se afastar para tentar a eleição como vereador, pois se ele tivesse lá dentro talvez tivéssemos uma chance de fazer algo, mas para isso ele queria que eu assumisse a secretaria. Esperneei, gritei, bati na mesa e ele me convenceu. Ele sempre me convence. Ele foi meu professor, depois colega de trabalho e hoje é um bom amigo. Passamos duas semanas arrumando as coisas para ele sair e eu entrar. Fui à ginecologista, fiz os exames e não tinha nada de errado comigo. Antes da consulta contei a ela o que aconteceu, pois ela era minha amiga também, ela disse para eu parar de ter preconceitos porque estímulo é estímulo e nosso corpo não tem preconceitos. Perguntei a ela se ela era lésbica, mas já sabia que ela não era. Ela riu da minha pergunta sabendo que era brincadeira e falou que não, mas se fosse não se incomodaria, pois já estava de saco cheio de seu marido.

Depois das duas semanas resolvi ir até o laboratório. Não tinha desistido da minha ideia e a loirinha não povoou mais as minhas fantasias. Tempos mais tarde eu veria que esse pensamento era ridículo, pois na realidade eu me controlava para que a loirinha não povoasse meus pensamentos.

Quando cheguei ao local me dirigi à portaria e me identifiquei como Subsecretária de ciência e tecnologia da prefeitura e mostrei meu crachá da secretaria. Disse os nomes das pessoas as quais eu queria falar e o laboratório, na realidade eu queria burlar o Roberto e aquele baba ovo que esqueci o nome completamente. Queria apenas falar com a Paula e com o Carlos Eduardo. Para a minha sorte o ramal do laboratório estava enguiçado e como já havia identificação minha no sistema, a recepcionista disse que não haveria problema de ir até o laboratório sem me apresentar.

Cheguei à porta que dava acesso à área do laboratório e empurrei, no hall de entrada não havia ninguém e como eu sabia onde era a oficina, a copa, a sala do Roberto e o laboratório, me dirigi diretamente para o laboratório como uma foragida. Rezei para que no laboratório estivessem somente os dois. Empurrei a porta devagar para não alarmar ninguém e sorri quando só vi a loirinha e seu amigo sentados de frente para o computador discutindo o layout do sistema. Fiquei observando um tempo e de repente surge na tela àquela figurinha com os traços da loirinha pulando. Foi aí que meu cérebro entrou em parafuso, pois o que eu escutei da conversa dos dois me deixou paralisada.

O Carlos Eduardo começou a rir e disse com uma vozinha estridente imitando uma mulher:

-- “ui meu Deus! Que gata”!

A Paula começou a bater no braço dele falando:

-- Eu não falei “ui” e você está parecendo um viadinho.

Ao que me pareceu, ele estava fazendo alusão a algo que ela havia falado de... uma mulher?! Será que eu entendi direito? Aquela loirinha com rosto angelical era lésbica? Nããão... Não podia ser! Será?

Não sei bem porque, mas essa informação mexeu comigo. Meu coração batia tão forte que parecia que estava pulsando na garganta. Foi quando ela me viu, pulou da cadeira e seu amigo quase caiu. Essa reação me fez acalmar, pois parecia que eles estavam mais desconsertados do que eu. Forcei um pouco minha ansiedade para baixo e também uma naturalidade que naquele momento não existia no meu corpo.

-- Éééé...Sra. Secretária! Nós estávamos na nossa hora de lazer.

Como desculpa foi horrível e eu achei engraçado. Eles estavam realmente mais tensos do que eu e acabei relaxando.

-- Não sou secretária ainda, embora o André esteja pensando em passar o cargo, pois ele vai tentar a eleição. Disse que passaria aqui para ver a evolução do sistema. Como está indo?

Não sei por que ela me chamou de Sra. Secretária e não sei por que eu dei a notícia para eles em primeira mão. Mas eu gostei da forma como soou vindo da boca de Paula. Ei! Como é que é? Por que eu gostei da forma de como soou vindo da boca de Paula?

Forcei novamente minha ansiedade, que já começava a crescer novamente para baixo e comecei a caminhar em direção a eles.

-- Está bem, está legal! Você quer ver?

A voz dela soava vacilante e as respostas mostravam a sua insegurança. Achei graça da situação.

-- Eu posso?

Apontei a cadeira que ela estava sentada antes, pois minhas pernas estavam um pouco tremulas e começava a me irritar com as reações do meu corpo.

-- Claro! À vontade! O Cacá mostra para você o sistema.

Foi à resposta dela e eu não consegui conter meu sorriso. Naquele preciso momento que ela me olhou eu tive uma vontade incrível de pega-la... no colo?! Meu deus! Eu estava pior do que eu pensava! Não é possível que eu tenha pensado o que eu pensei a respeito dela! Eu tenho que ligar para a Ana Maria! Ou ela viu meus exames errados ou o laboratório se enganou. Devo estar com uma produção alta de testosterona, devo estar até com ovário policístico por conta disso. Bem que eu vi que tinha engordado!

Joguei-me na cadeira e me virei na hora para o computador. Não conseguia encarar a Paula. E apesar de saber que era impossível, parecia que meus pensamentos estavam ressoando alto pelo laboratório e estavam sendo ouvidos pelos dois.









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Capitulo 4

[25/07/12]



Paula -- Capítulo IV -- Grande surpresa!

Depois daquele sorriso lindo, estranhei a forma como ela se jogou na cadeira e se voltou para o computador. Mas as pessoas são estranhas mesmo e eu não liguei para isso, pois essa mulher poderia ser estranha à vontade lá na minha casa que eu não me importaria. Como a danada é bonita! Bonita não. Ela é simplesmente ma-ra-vi-lhooo-saaa! Maravilhosa só não. Ela é muito, mais muuuuiiiito gossstooosaaa mesmo! Paula... Paula... Para de pensar assim da mulher que pode subsidiar seu pequeno mais interessante projeto como ela mesma disse. E depois, a mulher te esculachou há quinze dias e você já até esqueceu isso?

O fato é que ela era uma mulher inteligente também. Fiquei ao lado da cadeira e coloquei minha mão sobre o espaldar observando o Cacá explicar e ela interagir. Ela deu umas ideias interessantes para o projeto, mas nada mirabolante de forma que poderíamos pensar em executar. Depois ela afastou a cadeira e pediu para eu pegar outra cadeira e sentar para discutirmos o subsídio desse projeto. Ela falou isso mesmo?! Ela iria subsidiar o nosso projeto? Peguei uma cadeira e sentei ao seu lado e formamos uma meia lua em volta da mesa do Cacá. Ai ela começou a falar.

-- Não posso custear um projeto muito caro. Dependendo do valor do projeto eu teria que submetê-lo a câmara dos vereadores e ai dependeríamos de aprovação, o que levaria um tempo enorme. Mas se o fizermos em pequenas etapas, eu contaria apenas com os recursos da secretaria. Teríamos mais liberdade para tocar o barco.

-- Vocês já tiveram muitos projetos embargados?

Eu perguntei. Ela me olhou com um sorriso sarcástico nos lábios e respondeu.

-- Quase todos.

-- Que absurdo! -- Foi o que o Cacá disse.

-- Não me admira. -- Foi o que eu disse.

Ela me olhou dentro dos olhos tão intensamente que eu cheguei a parar de respirar.

-- Por que você não se admira?

Ela me perguntou e eu fiquei meio constrangida em responder, afinal ela era parte do poder e eu da massa.

-- Bem...

Desviei meus olhos. Não sabia como falar sem ofendê-la. Ela podia até ter me ofendido antes, mas eu não era assim. Não gostava de magoar as pessoas.

-- Pode falar. Eu juro que eu não ficarei chateada com você, afinal você é a ponta que recebe os recursos que nunca veem e é seu trabalho que fica prejudicado.

Ela deu o sorriso mais lindo que jamais eu tinha visto em outra mulher. Vocês imaginam como eu fiquei.

-- É queeee... Bem...

Ela soltou uma gargalhada muito da gostosa e aí é que eu fiquei sem fala mesmo.

-- Vamos... Fale. Por que você não se admira?

-- Olha, eu não quero ofender, mas... Todo político que vem aqui, ele só quer ficar bem na fita. A gente já está acostumado e sabe que pesquisa, desenvolvimento cientifico e inovação tecnológica só é nome bonito para plataforma eleitoral. Bem lá no fundo, o governo quer ter a população, desprovida de recursos educacionais, de desenvolvimento tecnológico e com sede de cultura. Só assim podem manejar os recursos financeiros, sem que a população perceba para onde estão sendo escoados.

Pronto falei. Só que naquele momento eu vi que meu chefe estava no laboratório caminhando em minha direção furioso.

-- Paula! Que absurdos são esses que você está falando para a Subsecretária?

Aí eu vi também o “lambe saco” do Gustavo logo atrás do meu chefe com uma cara de falsa indignação. Fingido! Devia estar adorando eu me dar mal. Mas de repente eu caí de paixão. Isso mesmo que vocês leram, fiquei enlouquecida de paixão por aquela mulher. Coisa que não devia ser muito difícil de acontecer com ela, alguém enlouquecido de paixão por ela. Mas ela foi divina!

Ela levantou de supetão com cara de poucos amigos e interrompeu a bronca que meu chefe despejava sobre mim. A voz dela era rouca e ao mesmo tempo grave e firme. Parecia que estava rosnando. Um tesão!

-- Sr. Roberto. Não entendo “o porquê” da indignação, afinal de contas estamos num país democrático onde as pessoas podem expressar sua opinião. Não vejo qualquer mal da senhorita Paula ter se colocado em uma pergunta que EU fiz.

Isso mesmo que vocês leram. Ela deu uma entonação mais forte ao eu, acho que para frisar bem a postura dela. Eu estava mais que radiante por dentro e o Cacá... Bem, o Cacá estava com a boca aberta, o meu chefe perdeu o rebolado e o Gustavo, esse foi o melhor, ele estava bem encolhido atrás do meu chefe. O mais engraçado de tudo é que eu queria saber de onde ela sacou o “senhorita”. Isso estava me dando convulsões de riso por dentro. Imaginava tudo, até uma velha de oitenta anos falando senhorita, mas impossível pensar que ela pudesse falar isso. Quantos anos ela teria? Seis talvez sete anos a mais do que eu, não sei. Só sei que eu adorei o “senhorita” dirigido a minha pessoa. Não acabou por aí. Teve mais. O Gustavo saiu de trás do meu chefe, acho que para fazer aquela cena da turma do deixa disso e olhem só o que aconteceu!

-- Aghata...

Ele nem terminou de falar.

-- Quem é você para me chamar de Aghata? Eu não sei nem o seu nome, senhor!

A coisa estava realmente ficando quente e aí eu resolvi interceder porque era bem capaz do ambiente virar um vulcão em erupção.

-- Sra. Subsecretária... -- Ela me interrompeu.

-- Para você é Aghata. Para você e para o Carlos Eduardo.

Sua voz era suave quando falou, quase um suspiro de tão doce. Não perdi o rebolado e continuei.

-- Tudo bem Aghata. Eles não estavam aqui quando conversávamos. Interpretaram mal a minha resposta a sua pergunta.

Eu falava com calma e acho que isso se refletiu sobre ela. Ela se voltou para eles novamente falando com mais calma.

-- Sr. Roberto, me desculpe pela explosão. Eu tenho um temperamento muito forte e acabei extrapolando. Mas realmente não entendi o porquê da repreensão que o senhor deu a Paula.

-- Ééé...Eeeuuu...

Meu chefe tinha perdido o rebolado mesmo. E eu? Bem, eu estava até constrangida.

-- Eu não escutei a conversa de vocês mesmo, pois cheguei aqui ainda há pouco... Apenas ouvi a ultima frase e não achei apropriado...

-- Era apropriado e estava dentro do contesto Sr. Roberto. De qualquer forma já fiz o que vim fazer. Eu já vou indo.

Ela se virou para mim e para o Cacá.

-- Hoje vai haver uma recepção na casa do André e eu gostaria que vocês fossem. Quero apresenta-los a algumas pessoas para consolidar o nosso projeto.

O Cacá estava com a boca aberta desde aquela hora, só que agora ele conseguiu abrir um pouco mais. Ela pegou um papel na impressora e pediu uma caneta. Eu peguei uma caneta no meu bolso do jaleco e entreguei em sua mão. Se não fosse impossível em detrimento ao momento, eu juraria que ela pegou a caneta da minha mão acariciando os meus dedos. Senti um arrepio enorme e uma umidade indecente entre as minhas pernas. Pronto. Agora eu me transformava em uma lésbica tarada.

Ela anotou algo no papel e perguntou nossos nomes. Meu chefe estava estarrecido, o Gustavo estava raivoso.

-- Paula Nogueira Atanar.

-- Você quer levar alguém com você, Paula?

-- Não, não tenho ninguém para levar.

-- Qual o seu nome todo Carlos?

-- Carlos Eduardo Dutra Travesso.

-- E você? Quer levar alguém com você?

-- Não há necessidade.

-- Sr. Roberto, o seu nome, por favor. -- Ela pediu calmamente.

-- Roberto Figueira de Menezes.

-- E o senhor? Deseja levar esposa?

-- Sim se possível. O nome dela é Adélia Ferreira de Menezes.

Ela rasgou o papel em duas partes e se virou para mim me entregando uma delas.

-- Esse aqui é o endereço. O Traje é esporte fino e o horário é 20:00 hs. Deixarei o nome de vocês na porta.

Segurou as minhas mãos entre as suas suavemente para me cumprimentar e eu tremi inteira. Virou-se para sair.

-- Sr. Roberto, eu não gostaria que se atrasassem muito.

Foi a única coisa que ela falou quando passou por ele. Entrou de forma tão suave e saiu como um furacão. Depois de tudo aquilo e a pegadinha dela na minha mão, eu estava de quatro por aquela mulher.

Meu chefe se aproximou de mim e de Cacá com raiva e perguntou por que não o tínhamos avisado da visita da Subsecretária.

-- Mas nós não sabíamos! Ela não avisou nada e a portaria não nos ligou dizendo que ela havia entrado, quando vimos ela já estava aqui dentro do laboratório!

-- E por que não me chamaram nessa hora?

O Cacá se adiantou para responder. Ele achou que as coisas estavam caindo demais sobre a minha cabeça.

-- Porque ela entrou e já foi vindo em direção a nossa mesa e foi pedindo para mostrar o sistema. Você viu como ela é persuasiva, né? Ficamos meio sem jeito e mostramos logo o sistema para ela.

Eu confirmei o que o Cacá tinha dito e meu chefe acalmou.

-- É. Eu entendo o que vocês querem dizer. Ela realmente tem um gênio... – Meu chefe coçou a cabeça e falou. -- Já que ela chamou vocês também para esse jantar, não acho prudente vocês se atrasarem, einh? Vocês estão dispensados por hoje para cuidar da aparência de vocês. Cacá vê se corta esse cabelo e faz essa barba. E você Paula, compre alguma coisa descente para vestir, parece que você só tem essas calças jeans surradas... Eu encontro vocês lá.

Ele saiu do laboratório com o Gustavo a tira colo e eu olhei para o Cacá indignada.

-- Calça jeans surrada! Ele quer que eu venha trabalhar de que? De longo?!

O Cacá abriu um sorriso de orelha a orelha.

-- Ele ficou puto pelo esporro dela e ainda por cima ela convidou a gente e só convidou ele por que não tinha jeito. Você reparou? Hehehehehe.

-- Ela foi ótima, não foi Cacá?! Eu “tô” apaixonada por essa mulher.

-- Cai dentro.

-- Tá doido?

-- Ué! O máximo que pode acontecer é você levar um não.

-- Não é o máximo que pode acontecer. A maioria das pessoas não é assim como você. As pessoas são preconceituosas e se ela não gostar de homossexuais, perdemos o projeto, o Roberto me põe a disposição e ainda por cima vou ter que arrumar outro lugar para trabalhar que me aceite. Fora de cogitação!

-- Qual é! Não “tô” falando para você virar para ela e dizer: “Estou querendo te levar pra cama”. “Tô” dizendo para você sondar a possibilidade. Chegar junto e jogar charme, não é isso que mulher faz? E vê se tem alguma ressonância.

-- Cacá há muito tempo atrás eu aprendi que não se deve misturar trabalho com prazer. É assim que eu vivo e muito bem.

-- Tá bem, então vai ficar solteira e sonhando com a gostosona que eu sei que você fica...

-- Fico nada.

-- Fica sim.

-- Para Cacá.

Dei um tapa nele, mas no fundo sabia que ele tinha razão.

-- Vamos embora, Paulinha que a gente recebeu o resto do dia de folga.

-- Já “tô” pegando minhas coisas.

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Capitulo 5

[28/07/12]



Aghata -- Capítulo V – O que descobri de mim

Saí de lá furiosa. Quem era ele para dar aquela bronca na Paula? Ela não falou nada demais. Estava respondendo minha pergunta e tenho a mesma opinião que ela. Logico que ela me vê como esses políticos, mas se eu não fosse da secretaria eu também veria dessa forma. De qualquer forma ele me irritou muito. Não era com ele que eu queria falar e vi quando o puxa saco entrou no laboratório e saiu correndo para falar com ele. Eu sei que o Roberto é chefe do laboratório e sei que teria que entrar em contato com ele para fazer o acordo do projeto, mas só faria isso depois que soubesse que os mentores do projeto, no caso a Paula e o Carlos Eduardo, quisessem executá-lo junto com a secretaria.

No entanto, naquele momento eu estava mesmo era preocupada com as minhas reações com a Paula. As coisas estavam confusas dentro de mim e eu tinha que conversar com alguém. Resolvi ligar para a Ana Maria, não como profissional, mas como amiga.

-- Alô, Ana? Eu queria muito te encontrar hoje, mas antes da recepção do André. Na realidade eu preciso muito falar com você... Não... Não... Não é nada com a minha saúde, bom pelo menos a física. É. É urgente. Está bom, “tô” passando aí agora para te pegar.

A Ana Maria não atendia as sextas-feiras à tarde porque ela reservava para cirurgias, mas para a minha sorte naquele dia ela não teria nenhuma. Liguei para casa e pedi para Silene, a minha empregada, fazer algo para comer. Passei no consultório peguei a Ana e fomos para a minha casa.

-- Quando você me chama assim tão exasperada é porque as coisas estão muito ruins para o seu lado mesmo.

--Quer beber alguma coisa antes do almoço?

Eu tinha me encaminhado para o bar em minha sala. Não sabia como começar, mas precisava de uma opinião. Minha cabeça estava uma bagunça, pois me conhecia bem e nunca fui de acovardar perante meus sentimentos, só que dessa vez... era algo inusitado e até mesmo incompreensível. Está certo que nunca me apaixonei perdidamente por nenhum de meus namorados, mas também nunca me passou pela cabeça ter ou sentir alguma coisa por uma mulher. Engoli em seco. Nunca fui preconceituosa, mas isso? Isso era no mínimo... Assustador!

-- Um vinho do porto e comece logo a desembuchar, por favor. Você não me chamou para conversarmos sobre amenidades.

-- Às vezes você é tão encantadora Ana. – Falei com tom debochado, não sabia por onde começar e apesar de saber que a Ana era minha amiga e sempre me ajudava nessas horas eu estava desconfortável com o assunto.

-- Vamos lá, vou te ajudar. É algo em relação à secretaria?

-- Não.

-- É algo em relação ao Rodrigo?

-- Não, ele tá mais do que enterrado.

-- É algo em relação a alguém que você conheceu?

Aproximei-me da Ana Maria e entreguei o cálice de vinho do porto me sentando em uma poltrona a sua frente. Resolvi ser direta como sempre fui.

-- É algo em relação àquela loira que conheci no laboratório e a qual resultou eu me masturbar pensando nela. Esse episódio você já sabia.

-- Isso ainda está mexendo com você? Pensei que já havia esquecido esse evento.

-- Não, não é em relação ao ocorrido. Hoje eu tive no laboratório para conversar com ela e com o seu companheiro de trabalho.

Contei tudo que aconteceu no laboratório nos mínimos detalhes e em como eu me senti o tempo inteiro em relação à Paula. A Ana Maria prestava muita atenção e quando terminei meu relato ela suspirou e perguntou.

-- Então ela é homossexual?

-- Acho que sim, não tenho certeza. Pelo menos foi isso que me pareceu quando eu os escutei falar.

-- E o seu coração quase saiu pela boca?

Ana Maria começou a me irritar, pois ela perguntava com um jeito debochado e um sorriso no rosto.

-- Ei! Eu pedi para você vir me ajudar e não ficar me sacaneando!

-- Ô! Calma! Só estou brincando com você! Primeiro; você sabe muito bem a minha opinião. Tenho muitas pacientes lésbicas e realmente não acho que seja nada de mais. Segundo; Não posso te falar se o que você sente ou está passando é certo ou errado, porque é o que você está passando, ninguém mais. Aghata, as coisas não são retas. A vida não é reta. Apenas acontece. O fato de você me dizer que está se sentindo atraída por uma mulher, para mim, não é nada de mais. Mas não sei para você, não sei como acontece dentro de você. Não é minha vida... -- Minha amiga deu uma pausa e tomou um gole de seu vinho do porto. Estava ansiosa, mas esperei sua conclusão. -- Sei que é inesperado para você e não digo que para mim também, mas...

-- Mas o que?

-- Mas nunca te vi falar com os olhos tão brilhantes a respeito de um namorado seu.

-- Você está falando que estou me apaixonando por uma mulher e que devo encarar?

-- Não. Eu estou falando que nunca alguém te deixou grilada e que você deve investigar. Minha amiga, você acha que a vida é feita de sim e não, de certo e errado, de bem e mal? O que é certo diante da felicidade, lógico, sem a destruição do que é do outro? Você acha que a sociedade vai dar a mínima para você quando você estiver só, sem amor, sem a cama quente, sem sexo e sem vida? Não! A sociedade não vai dar à mínima! Então me fale você. O que você acha que sente? O que você acha que é bom para você, Aghata? Não quero saber o que é bom para a futura secretária de ciência e tecnologia ou para a Dra. Aghata Munhoz. Quero saber o que é bom para Aghata, simplesmente minha amiga Aghata.

-- Eu não sei... Sinceramente Ana, eu não sei.

As palavras de Ana reverberavam em minha cabeça como uma dor de cabeça. Não sabia o que pensar ou o que sentir, só sabia que quando pensava na loirinha era agradável. Meu corpo esquentava como brasa e meu coração disparava como uma manada de cavalos. Era simplesmente assustador.

-- Como é quando você está ao lado dela?

-- Nada bom. Falo coisas idiotas e tenho pensamentos absurdos.

Fui seca na resposta.

-- Hahahahaha! Resumindo, você está se apaixonando!

-- Não estou me apaixonando!

Respondi com indignação.

-- A não? Vamos supor que hoje na recepção alguém se aproximasse dela e você percebesse que essa pessoa a estivesse paquerando... Como você se sentiria?

Quando imaginei a cena, aquilo ferveu dentro de mim. Não gostaria nada, nada disso.

-- Que droga, Ana. Você não alivia nada para mim!

-- Hahahahahaha! Você me chamou aqui para aliviar alguma coisa? Bom, pelo menos você tem alguns pontos a seu favor.

-- Como assim?

-- Você não disse que ela é lésbica? Se ela é lésbica certamente não vai ser difícil uma aproximação, afinal, você não é de se jogar fora. Hahahahaha.

-- Ana! Para de falar sandices! Como você acha que eu me aproximaria dela?

-- Então você está pensando nessa possibilidade. Já temos algum progresso.

-- Não estou pensando em nada, apenas...

-- Apenas?

-- Ana! Nas condições em que me encontro hoje, não posso nem cogitar uma coisa assim.

-- E que condições você se encontra hoje einh? Vai me dizer que por causa de um estúpido cargo você arriscaria jogar sua felicidade pela janela?

-- Primeiro; não é um estupido cargo e depois estamos fazendo suposições.

-- Suposições fundamentadas em seus sentimentos, diga-se de passagem.

-- Fundamentadas em que sentimentos?

Nesse momento falei exasperada.

-- Você sentir a boca seca quando olhou nos olhos dela, você interceder por ela de forma arrogante quando seu chefe a repreendeu, você sentir ciúmes quando eu falei em alguém se aproximar dela essa noite, você ter o orgasmo, e aí você me corrija se eu estiver errada; mais forte que já sentiu na vida só em pensar nela. O que você acha que é isso? Pelo amor de deus! Você é médica! Não jogue seu diploma fora. Você realmente acha que todas essas reações vêm de um desiquilíbrio hormonal? Aghata, pense no que você está me falando. Seja só um pouquinho honesta com você mesma!

-- Ok. Ok. Vou pensar em tudo isso, mas vou me dar um tempo. Não vou me precipitar. Não posso me dar ao luxo de uma aventura, principalmente se isso vier de alguma carência minha. Não vai ser honesto comigo e não vai ser honesto com ela também.

-- Hahahahaha! Não vai ser honesto com ela? Você é uma mulher bonita, mas você está dizendo que é só você se mostrar interessada e a garota já cairia de amores por você? Isso não é muita presunção sua?

-- Hahahahahaha! Eu tenho muitas habilidades minha amiga, eu tenho muitas habilidades... Hahahahahaha. Vamos comer, pois eu tenho que passar no cabelereiro ainda.

Depois da minha tarde com a Ana Maria, eu estava ansiosa para ver a hora que a Paula chegaria. Eu estava quase histérica. Bem verdade que meus anos de treinamento no caratê e no Kung fu me faziam ter uma aparente calma que eu realmente não tinha naquele exato momento. Cumprimentava a todos e conversava com alguns donos de empresas que poderiam se associar a secretaria e apoiar o André, mas meus olhos viravam e mexiam, sempre paravam na direção da entrada. Num dado momento me distraí, conversando com um empresário do ramo de transporte e quando percebi, o Roberto se aproximava para me cumprimentar com uma senhora ao seu lado. Formou-se um bolo em meu estômago com a perspectiva de ver a loirinha logo atrás. Isso não aconteceu e só fez aumentar minha ansiedade. Eu estou perdida! Era o que eu pensava, pois toda aquela balela que eu arrotei pela boca a tarde para Ana, aquela de que não era isso e que não podia me atirar, ficava perdida em alguma parte do meu cérebro. Eu estava bem perdida mesmo! Troquei palavras amenas com o Roberto, afinal se tudo se concretizasse era com ele que eu deveria tratar. Estava segurando meu gênio também, pois, mais um dos rompantes como o que dei de manhã no laboratório, poderia deixar a Paula e o Carlos Eduardo em uma situação difícil em seu trabalho. Mas o tal do sei lá o nome, o puxa saco, eu não aturaria. Foi nesse momento que eu escutei um burburinho vindo de uma roda de vereadores e empresários atrás de mim.

-- Nossa! O André está melhorando muito a frequência de suas festas!

-- Concordo com você. Essa garota que chegou não é nem um colírio, é uma cirurgia de catarata para os olhos! Hahahahaha!

Todos riram da piada e eu olhei em direção da entrada para ver de quem falavam. Não precisa nem dizer, né? Além de ficar puta da vida pela piadinha, eu fiquei perplexa, abobalhada, estarrecida e sem ar.

A loirinha entrava com um andar suave e um balouçar nos quadris que davam um ar muito sensual. Havia repicado os cabelos e no rosto uma maquiagem leve, mas que marcava as belas expressões singelas de seu rosto. Usava um vestido colado de apenas uma alça, verde escuro que ia até a altura do joelho, realçando suas curvas. A cor verde escuro do vestido contrastava com o verde translúcido de seus olhos e para me matar de vez; matar-me de vez, não! Matar a todos que a olhavam! Usava sandálias de salto fino da mesma cor do vestido e portava nas mãos uma carteira também da mesma cor. Para destroçar os restos mortais de todos nós, um cordão bem fino de ouro com um pingente de esmeralda enlaçava seu pescoço alvo e um sorriso encantador em seus lábios. Só consegui pensar engolindo em seco. “Meu Deus”! Uma ficha caiu e em um click eu vi minha pobre realidade: estava perdida! Acordei com o seu chefe balbuciando.

-- Meu deus!

-- O que? -- Perguntei.

-- Ééé...Mmm... Nada! Só pensei alto.

-- Ãh. -- Foi o que eu falei impossibilitada de articular qualquer outra coisa.

Ela se aproximou sorrindo com o Carlos Eduardo a tira colo. Ele estava elegante em um terno bem cortado, mas ela ofuscava qualquer menção de qualquer pessoa se sentir elegante naquela festa.

-- Oi! Tudo bem?

-- Oi! -- Foi tudo que consegui dizer enquanto ainda a admirava. E olha que eu estava a admirando toda, se é que vocês me entendem.

Ela cumprimentou Roberto e sua esposa e Carlos Eduardo me cumprimentou e depois ao seu chefe e sua esposa.

-- Espero que não tenhamos chegado atrasados. -- Foi o que ela disse.

-- Claro que não! Chegamos ainda a pouco também.

Seu chefe falou mais do que entusiasmado e eu não gostei nada da forma como ele se expressou. Aí eu entendi realmente o que a Ana Maria havia me dito mais cedo. Não gostei. Não gostei mesmo! O André se aproximou com dois empresários com ele.

-- O que temos aqui? Uma menina muito inteligente e uma mulher mais bonita ainda! Como vai Paula? A Aghata havia me dito que convidou vocês depois de terem uma conversa interessante a respeito do projeto de vocês.

-- É verdade. A Aghata nos visitou hoje no laboratório e fiquei muito feliz em saber que o projeto interessou a secretaria, Sr. Secretário.

-- Me chame somente de André, Paula. A Aghata é muito perspicaz e nisso eu confio plenamente nela. Se ela diz que é bom eu assino em baixo sem piscar.

-- Isso é modéstia dele. A maior parte do que eu sei, foi ele quem me ensinou.

Comecei a me descontrair apesar da presença dela me fazer estremecer toda por dentro. A noite começou para mim e eu estava feliz, mas não todo o tempo. Isso porque cada vez mais abrutes se chegavam para tentar pegar a carniça. Isso era o que parecia para mim, um monte de homens babões querendo se mostrar para a bela moça que nos acompanhava. Muitos perguntaram do projeto e ela com sua paciência, explicava com maestria. Explicava de uma forma simples para que todos entendessem a importância dele, mas com verdadeiro entendimento de causa. Era simpática, mas reservada, sem muitos excessos o que me deixou mais encantada. Uma hora ela pediu licença para ir ao toalete, acho que estava meio cansada. Aproveitei para me desvencilhar do grupo e a segui. Queria aborda-la para leva-la a um lugar mais calmo. Queria conhece-la. Acho que o prosecco que ingeri estava embotando minha razão. Esperei que saísse do toalete e a chamei.

-- Quer conhecer a propriedade? A casa do André é muito bonita e tem uns lugares muito agradáveis. Tem um jardim muito bonito...

Não sou do tipo piegas e não costumo ficar admirando jardins ou o mar. Acho meio perda de tempo, sabe. Mas naquele preciso momento era exatamente isso que eu queria fazer com aquela loirinha. Não queria ver um monte de marmanjos babões em cima dela. Queria ela com sua atenção só para mim.

-- Claro! Gostaria muito!

Fiquei pensando se ela não havia aceitado só para me agradar, mas quando chegamos e a vi encantada com o jardim da casa de André tirei imediatamente isso de minha cabeça. Sua figura se harmonizava tão bem com o lugar, que tracei imediatamente uma analogia com aquelas ninfas diáfana de contos de fantasia. Ela ficou mais linda ainda no meio do jardim cercado de arbustos e flores iluminados por lâmpadas de luzes amenas.

Antes de ir para o jardim, pedi que um garçom levasse uma garrafa de prosecco e duas taças. Quando ele chegou, peguei as duas taças e a garrafa e o dispensei.

-- Bebe comigo?

Estendi uma taça. Ela sorriu e pegou a taça que eu oferecia. Seus dedos acariciaram suavemente minha mão. Acredito que ela não tenha se dado conta do efeito que causou em mim. Por Deus! Só seu toque me excitou. Eu estava ficando louca mesmo!

-- Obrigada.

-- Obrigada pelo que?

-- Por me resgatar. Sou pesquisadora e não me exponho muito. Já estava ficando nervosa com tanta gente me cercando... me inquirindo... Não que eu não me apresente em uma palestra ou em um congresso, mas isso... Foi um pouco diferente.

-- Eu também não gosto muito, mas aprendi a lidar. Infelizmente temos que nos relacionar e conhecer as pessoas que possam possibilitar meios de realizar nosso trabalho. Parece interesseiro e fútil, mas é assim que se consegue apoio. Se em três anos nos articulando nós só conseguimos emplacar dois grandes projetos, imagina se não o fizéssemos?

-- Entendo, mas ainda acho muito cedo para mim.

-- Me responde uma coisa. Você acha que estava sendo cercada só pelo projeto?

-- E não estava?

-- Hahahahaha. Você realmente é encantadora!

Achei graça da ingenuidade dela e adorei. Ela sorriu embaraçada e com um olhar confuso.

-- Paula, você é linda. Está maravilhosa e elegante. Aquele bando de homens lá dentro queria se aproximar e ver a possibilidade de chegar até você!

Vi decepção em seus olhos e isso me cortou o coração. Entendi que ela achava, que as pessoas que ali estavam interessadas só no projeto. Isso parecia ser a coisa mais importante para ela.

-- Não fique assim, Paula. Embora inicialmente as intenções deles não fossem exatamente o projeto, você se fez ouvir. Por isso estamos aqui. Para que esse bando de homens que tem o poder e o dinheiro, se abram as nossas propostas.

-- E para isso a gente precisa se vender?

Seu tom era de desprezo.

-- Não! Claro que não! O seu projeto, quem vai bancar sou eu e não eles! Eles estão aqui porque eu e o André precisamos nos articular. Só que quando você chegou você acabou chamando a atenção e eu nem imagino porque...

Falei sorrindo para que ela descontraísse e não se sentisse uma tola. Soube naquele momento que ela era realmente ingênua e idealista em relação a sua profissão. Era maravilhoso conhecer alguém assim, já que eu mesma tinha perdido isso ao longo da minha vida e principalmente depois que entrei para o meio político. Ela sorriu encabulada. Estava linda e minha vontade era aninha-la em meus braços. Acariciá-la. Protegê-la. Esse pensamento já não me causava mais desconforto e resolvi me dar uma oportunidade, mas não naquele momento. Detestaria que ela pensasse que eu estaria agindo como eles. Que estava ali, só por uma conquista. O problema é que meu corpo não queria me obedecer e as minhas reações corporais estavam me deixando no limite. Ela sorriu novamente e me olhou nos olhos encabulada.

-- Você acha que eu exagerei?

-- Exagerou? Não, você não exagerou. Você só está elegante, charmosa e sensual, mas de uma forma muito natural. Isso que chamou a atenção. Você não percebe o quanto você é linda?

Eu estava elogiando inconscientemente. As coisas que eu disse saiam de minha boca sem que eu conseguisse controlar. Ela enrubesceu novamente e eu a achei mais encantadora. Bebi um grande gole de prosecco para tentar acalmar meu afã.

-- Você acha?

Quando ela questionou e eu a olhei, não vi mais a menina encabulada ou a garota idealista. Vi uma mulher segura do que queria e perdi meu chão. Ela se aproximou de mim calmamente sem desviar os olhos dos meus. Estendeu sua mão e colocou atrás de minha nuca acariciando ternamente. Acho que esse foi o momento que ela percebeu a minha entrega. Ela entendeu que eu não me afastaria e ainda percebeu mais. Viu que eu queria. Fechei meus olhos apenas para curtir a sensação do seu carinho em meus cabelos e quando dei por mim, seu lábios tocaram os meus suavemente. Não ousei abrir os olhos para não desfazer a sensação maravilhosa que meus lábios e meu corpo estavam experimentando, mas ousei entreabri-los para dar passagem a uma língua quente e gostosa. Ela invadiu minha boca e abafou meus gemidos. Passei meus braços em torno de sua cintura e puxei-a para mim. Queria me fundir a ela. Nossos corpos se colaram e experimentei uma excitação que jamais havia experimentado ou pensado que poderia sentir. Gemi alto. Ela sorriu entre os meus lábios e falou.

-- Sabe que não deveríamos fazer isso aqui. Poderia acabar com a sua reputação...

Eu sorri ainda com meus lábios colados aos dela e retruquei.

-- Nesse momento, não estou dando a mínima para minha reputação.

Coloquei minha mão em sua nuca e a puxei pelos cabelos. Beijei-a gulosamente. Perdi-me naquela boca gostosa macia e excitante. Seu corpo amoleceu em meus braços e eu coloquei minhas pernas entre as dela. Por todas as forças da natureza, eu quase morri de tanta excitação. Eu queria sair dali, ir para qualquer lugar que eu pudesse dar vasão ao turbilhão de sentimentos que me açoitavam. Mas um barulho nos fez voltar à razão e nos afastamos rapidamente. O Carlos Eduardo apareceu falando que o Roberto estava à procura dela. Eu quase não conseguia conter a minha respiração. Mas me alinhei agilmente.

-- Me faz um favor, Cacá? Diz a ele que já estou indo.

-- Tá.

Seu olhar para nós foi algo que eu não consegui decifrar.

-- Você acha que ele nos viu?

Eu perguntei. Mas devo ter passado um tom de preocupação, pois ela respondeu calmamente.

-- Não sei. O Cacá é muito discreto.

-- Desculpe. Não quero parecer uma adolescente assustada, mas isso é novo para mim.

-- Novo?

-- É. Novo. Você sabe, eu nunca...

Agora eu me sentia uma adolescente boba diante dela. Parecia-me ridículo eu falar para ela que nunca havia beijado uma mulher antes.

-- Você tá querendo me dizer queeee... Que nuncaaaa... Nunca esteve com uma mulher antes?

Ela perguntou um tanto confusa e até um pouco incrédula. Baixei o olhar e meu rosto pegava fogo. Estava envergonhada e sem reação.

-- É.

Foi o que conseguir dizer. Ela ainda me olhou meio incrédula, mas me sorriu docemente.

-- Então eu acho que vou lá para dentro. Posso ser acusada de desvirtuar uma moça de família...

-- NÃO! Quer dizer, não precisa ir, não sou uma mulher ingênua. Quer dizer... Éééé... Posso não ter estado com uma mulher antes, mas não sou puritana nem retrógrada!

Vi um pequeno sorriso bordar seus lábios e fiquei mais encabulada ainda pela forma como me apressei em me explicar. Ela fazia me perder e deixava meus pensamentos confusos. Não conseguia encadear nada direito, nem um pensamento, nem um sentimento sequer. Ela se aproximou novamente deixando nossos corpos muito perto e me olhou nos olhos ainda sorrindo.

-- Então se eu beija-la novamente não será de malgrado para você?

Sorri já antecipando seu gosto em minha boca. Comecei a aproximar meu rosto para beija-la novamente e novamente fomos interrompidas.

-- Aghata! Você está aí no jardim?

-- Droga! -- Esbravejei com raiva. Ela riu da minha exasperação. -- Estou aqui André, já estou entrando.

-- Venha que o presidente da câmara chegou e quer falar com você.

-- Está bom, já estou indo.

Quando me virei novamente ela já se afastava para se encaminhar para dentro da casa.

-- Vamos senhora Subsecretária, parece que estamos sendo requisitadas lá dentro.

Ela falou com uma voz suave, mas provocadora. Meus sentidos ficaram mais a flor da pele. Queria beijá-la, sorvê-la, me fundir a ela. Precisava ver como era o seu amor, como era tê-la em meus braços só para mim. Meu corpo estava em fogo e meu coração palpitava.











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Capitulo 6

[01/08/12]



Paula – Capítulo VI -- Grande confusão

Quando eu e o Cacá chegamos à recepção na casa do Secretário. Senti-me sem graça, pois muitos pares de olhos se voltaram para nós como se fossemos de outro planeta. Estava desconfortável, mas tínhamos que chegar até o Roberto e a Subsecretária. NOOOOSSAAA! Quando eu vi a mulher, eu quase babei e tive convulsões. A mulher estava mais maravilhosa ainda. Como ela conseguia isso eu até hoje me pergunto. Ela usava uma pantalona de seda negra, um corpete também negro justo ao corpo e com alguns brilhos. Um par de brincos de brilhantes e um cordão de brilhantes compunham o restante do visual maravilhoso, sem contar os cabelos bem penteados caindo-lhe nos ombros nus. Se ela era uma gata toda vez que a via, agora ela estava uma pantera. Tudo nela exalava altivez e beleza. Como dizia o Cacá, era muita carne pro meu churrasco!

-- Oi! Tudo bem?

Foi tudo que eu consegui dizer.

-- Oi!

Foi o que ela falou, mas algo no olhar dela me chamou a atenção. Ela me olhava diferente... Não sei. Era um olhar... Mmm... Devorador. Devorador?! Nãaao... Isso é coisa da minha cabeça. Só pode ser! Isso era o jeito que eu gostaria que ela me olhasse. É isso. Cumprimentei Roberto e sua esposa.

-- Espero que não tenhamos chegado atrasados. -- Eu falei.

-- Claro que não! Chegamos ainda a pouco também.

Meu chefe falou entusiasmado e eu até achei estranho. Aí o Secretário se aproximou com dois homens.

-- O que temos aqui? Uma menina muito inteligente e uma mulher mais bonita ainda! Como vai Paula? A Aghata havia me dito que convidou vocês depois de terem uma conversa interessante a respeito do projeto de vocês.

Fiquei encabulada com ele, mas respondi.

-- É verdade. A Aghata nos visitou hoje no laboratório e fiquei muito feliz em saber que o projeto interessou a secretaria, Sr. Secretário.

-- Me chame somente de André, Paula. A Aghata é muito perspicaz e nisso eu confio plenamente nela. Se ela diz que é bom eu assino em baixo sem piscar.

Elogiou a Aghata e ela pareceu encabular-se também. Outra faceta dela que acendeu ainda mais o meu interesse. Ela ficou linda encabulada.

-- Isso é modéstia dele. A maior parte do que eu sei, foi ele quem me ensinou.

O André me apresentou alguns empresários e alguns políticos que se chegavam e engrenamos um uma conversa sobre onde eu trabalhava e do que se tratava o projeto, depois de algum tempo eu estava cansada e um pouco alta pelo prosecco que rolava fácil no ambiente. Resolvi me descolar um pouco do grupo e ir ao banheiro para me compor. E qual não foi a minha surpresa quando eu saí do toalete? A maravilhosa me esperava e isso não foi fruto da minha imaginação não, pois ela estava plantada do lado de fora e quando eu saí, ela me abordou sem rodeios me chamando para conhecer a casa e o jardim. Aquele olhar predador estava lá novamente. E eu? Aceitei é claro! Imagina se eu ia perder a oportunidade de estar sozinha com a maravilhosa, aspirando seu perfume e me embebedando em cada gesto dela. Nunca! Eu podia ser tímida para avançar, mas nunca a ponto de dispensar uma boa companhia.

Encaminhamo-nos ao jardim e quando eu cheguei o achei lindo. Um lugar bonito e muito romântico. Um garçom veio com duas taças e um prosecco entregando a ela e eu comecei a ficar com certo receio de mim mesma. Não bebo muito e quando acontece, às vezes faço coisas que depois eu me envergonho. Ela estendeu uma taça para mim perguntando se eu beberia com ela. Quem sou eu para negar uma gentileza dessas, né? Peguei a taça de suas mãos e não me contive em passar meus dedos sobre sua mão. Aí está o que eu disse de fazer coisas que depois eu me envergonho, mas dessa vez não me arrependi. Foi muito bom! Resolvi iniciar a conversa e agradeci por ela ter me tirado lá de dentro.

-- Obrigada.

-- Obrigada pelo que?

-- Por me resgatar. Sou pesquisadora e não me exponho muito. Já estava ficando nervosa com tanta gente me cercando... Me inquirindo... Não que eu não me apresente em uma palestra ou em um congresso, mas isso... Foi um pouco diferente.

-- Eu também não gosto muito, mas aprendi a lidar. Infelizmente temos que nos relacionar e conhecer as pessoas que possam possibilitar meios de realizar nosso trabalho. Parece interesseiro e fútil, mas é assim que se consegue apoio. Se em três anos nos articulando nós só conseguimos emplacar dois grandes projetos, imagina se não o fizéssemos?

-- Entendo, mas ainda acho muito cedo para mim.

-- Me responde uma coisa. Você acha que estava sendo cercada só pelo projeto?

-- E não estava?

Ela riu de mim e disse-me que eu era encantadora. Fiquei um pouco envergonhada pelo elogio, mas não entendi qual era a graça da história. Ela completou.

-- Paula, você é linda. Está maravilhosa e elegante. Aquele bando de homens lá dentro queria se aproximar e ver a possibilidade de chegar até você!

Decepcionei-me. Achei que eles estavam interessados no projeto.

-- Não fique assim, Paula. Embora inicialmente as intenções deles não fossem exatamente o projeto, você se fez ouvir. Por isso estamos aqui. Para que esse bando de homens que tem o poder e o dinheiro, se abram para as nossas propostas. -- Ela explicou, mas eu fiquei verdadeiramente chateada.

-- E para isso a gente precisa se vender? -- Eu disse.

-- Não! Claro que não! O seu projeto, quem vai bancar sou eu e não eles! Eles estão aqui porque eu e o André precisamos nos articular. Só que quando você chegou você acabou chamando a atenção e eu nem imagino por que...

Ela mexeu comigo e eu vi aquele olhar de desejo inconfundível. Já estava ficando mais alta com a bebida, pois eu não parei de beber e fiquei mais desinibida também.

-- Você acha que eu exagerei?

Perguntei mais para saber a sua opinião a meu respeito.

-- Exagerou? Não, você não exagerou. Você só está elegante, charmosa e sensual, mas de uma forma muito natural. Isso que chamou a atenção. Você não percebe o quanto você é linda?

Adorei tudo que ela falou. Dei mais corda.

-- Você acha?

Agora vocês vão entender quando eu digo desinibida. Na verdade eu fico meio atirada mesmo. Só que eu continuei sem me arrepender, eu amei tudo que eu passei com ela ali. Não sabia se era realmente o que eu via ou o que eu queria ver, mas seus olhos me diziam me beije, me pegue, me abrace e como eles diziam isso tudo, eu fiz.

Coloquei minhas mãos atrás de sua nuca acariciando a penugem macia. Ela fechou os olhos lentamente como que apreciando cada momento, cada gesto meu. Eu aproximei meus lábios dos dela devagar, pois eu estava alta, mas estava arriscando sofrer consequências deste ato. Quando eu pousei meus lábios sobre os dela, ela os entreabriu para dar passagem a minha língua que já estava ávida por experimentar seu sabor. Ela gemeu e me puxou para si. Perdi qualquer resto de razão que ainda existia na minha mente. Nossos corpos se colaram e eu a senti quente. Seu beijo era na medida certa para minha boca, quente, gostoso e naquele momento se apresentava voraz. Ela gemeu alto dessa vez e eu não pude deixar de sorrir. Parecíamos adolescentes fazendo coisas às escondidas.

-- Sabe que não deveríamos fazer isso aqui. Poderia acabar com a sua reputação.

Falei com os meus lábios ainda colados aos dela.

-- Nesse momento, não estou dando a mínima para minha reputação.

Foi o que ela disse me puxando para um beijo mais arrebatador ainda. Fiquei molinha nos braços dela e minha excitação estava escalando o monte Everest. Nunca gostei de vulgaridade, mas eu quase estava pedindo para ela me prensar numa árvore qualquer e transar comigo ali mesmo de tão louca que eu estava ficando. Mas como felicidade de pobre dura pouco, o Cacá chegou e estragou a minha fantasia. Disse que o chefe estava chamando. “Que Droga”! Há tanto tempo que eu não faço amor com ninguém que era capaz de meu hímen ter se regenerado e eu ter voltado a ser virgem. Ela se desvencilhou rapidamente e um pouco assustada, apesar de se mostrar aparentemente calma.

-- Me faz um favor, Cacá? Diz a ele que já estou indo.

-- Tá.

Pela resposta percebi que ele havia visto. Depois ele ia cair na minha pele.

-- Você acha que ele nos viu?

Ela perguntou preocupada.

-- Não sei. O Cacá é muito discreto.

Não quis mentir, mas não quis deixa-la preocupada. Foi aí que a bomba caiu. Tudo que eu poderia imaginar com minha mente prodigiosa, nunca chegaria próximo a qualquer coisa que eu escutei a partir dali.

-- Desculpe. Não quero parecer uma adolescente assustada, mas isso é novo para mim.

-- Novo?

O que ela queria dizer com novo? Minha mente tentava se ajustar.

-- É... Novo. Você sabe, eu nunca...

-- Você tá querendo me dizer queeee... Que nuncaaaa... Nunca esteve com uma mulher antes?

Não podia acreditar nisso, ela estava querendo me enganar. Só pode ser. Essa mulher com essa pegada e esse beijo maravilhoso que só outra mulher experiente tem com a gente? Nãããooo. Não pode ser. Foi quando eu vi o seu olhar e percebi que ela falava a verdade. Ela estava vermelha de vergonha.

-- É.

Ela só conseguiu dizer isso. Aí caiu a minha ficha. Meu deus! Eu puxei a mulher que está querendo patrocinar nosso projeto para a moita, beijei-a e ela ainda tem vergonha de nunca ter beijado uma mulher! Minha vontade era de gargalhar, mas de nervoso. Quando eu digo que não posso me exceder na bebida, ninguém me acredita. Resolvi brincar com a situação para ver se ela descontraía e eu também.

-- Então eu acho que vou lá para dentro. Posso ser acusada de desvirtuar uma moça de família...

-- NÃO! Quer dizer, não precisa ir, não sou uma mulher ingênua. Quer dizer... Éééé... Posso não ter estado com uma mulher antes, mas não sou puritana nem retrógrada!

Ela queria? Espere aí! É logico que ela queria. Ela arrumou tudo, ela me olhou com fome, ela conduziu para esse desfecho, ainda que eu ache que não foi totalmente consciente, mas ela o fez. Resolvi ver se ela queria prosseguir com essa descoberta. Joguei.

-- Então se eu beija-la novamente não será de malgrado para você?

Ela sorriu e aproximou para me beijar novamente. Só que dessa vez foi o André que nos interrompeu chamando por ela.

-- Droga!

Ela praguejou e eu ri muito. Pelo visto ela estava afim mesmo de se lançar nesse desconhecido. Mas antes dela terminar de despachar o André eu achei melhor fechar a porta das descobertas para que ela não acordasse com uma ressaca de atitudes não pensadas no dia seguinte. Se descobrir atraída por uma mulher não é simples assim. Estou afim, faço e pronto. Vou viver uma vida lésbica feliz para sempre. E no caso dela, mais coisas em jogo existiam. Sua carreira política, seus trinta e poucos anos sem viver uma experiência como essa, sua até então identidade desconhecida. Se eu gostaria de me perder nos lençóis com ela? Ah! Claro que sim! Na realidade eu nunca em minha vida senti algo tão forte beijando alguém como eu senti com ela nesse dia. Ela me despertou emoções muito fortes, me fez sentir segura, me fez arder por dentro. E era exatamente por isso que não podia escancarar esse portão na vida dela. Ela tinha que ter tempo para pensar se era isso que ela queria. E eu não podia mais uma vez, me atirar e me partir em pedaços. E se não fosse o que ela desejasse para si? É isso mesmo, eu também estava me protegendo.

-- Vamos senhora Subsecretária, parece que estamos sendo requisitadas lá dentro.

Foi o que eu falei e ela me seguiu para dentro da casa. Quando entramos, eu vi a rodinha em que o Cacá e o meu chefe estavam e já me encaminhava para lá quando ela segurou levemente meu braço me chamando à atenção.

-- Quero conversar com você melhor sobre o que aconteceu. Gostaria que você jantasse amanhã comigo. Eu preciso conversar...

Queria que as coisas ficassem como estavam, mas o olhar dela era de súplica e confusão. Não tive coragem de negar. Embora eu não me julgasse culpada por nada do que aconteceu, eu me sentiria uma canalha se eu negasse. Suspirei e aceitei. Pedi para ela ligar para o laboratório no dia seguinte para combinarmos. Ela assentiu e se encaminhou para o grupo do André. Eu segui até o meu grupo.

Sabe o que me dá mais raiva de ter um amigo hetero? É que normalmente eles são indiscretos e querem saber tudo da sua vida sexual quando pegam alguma coisa. Quando cheguei próximo ao grupo, o Cacá me olhou sorrindo e cochichou no meu ouvido.

-- Vai me contar tudo, nem adianta se esquivar. Eu bem vi você pegando o mulherão!

-- Deixa de ser fofoqueiro, Cacá.

Falei por falar porque eu sabia que ele ia me atazanar enquanto eu não contasse nem que fosse só uma vírgula. Ele sorriu e se voltou para o grupo novamente. A noite terminou sem que eu me encontrasse novamente com Aghata e só na saída nos falamos novamente. Estávamos todos nos despedindo, eu estendi minha mão para o André que me agradeceu a presença e quando estendi a mão para Aghata ela me puxou para um beijo no rosto.

-- Vou te ligar amanhã.

Ela sussurrou em meu ouvido e me deu outro beijo.

-- Está bem.

Respondi retribuindo o beijo. O que mais me incomodou era que os lábios dela ficaram marcados em meu rosto como brasa. E eu comecei a pensar que o jantar não seria tão bom assim. Ela mexia muito comigo. E se ela provocasse e eu não conseguisse me segurar? Que Droga! Eu estava há muito tempo sem namorar porque não queria me envolver mais com pessoas complicadas. É bem verdade que as pessoas complicadas na minha vida eram complicadas porque eram loucas, mas pelo menos eram gays. Agora encontro uma pessoa que parece ser legal e é complicada porque não é gay. Ô sina danada!

Fui embora com o Cacá porque ele tinha me dado carona e ia dormir lá em casa. Eu morava mais próximo ao trabalho e isso facilitava. Assim que entramos no carro ele começou a me azucrinar.

-- E aí? Ela beija bem? Claro que beija! Vocês estavam no maior amasso...

-- Nós não estávamos no maior amasso.

-- A não? E o que era aquilo que eu vi? Ah! Entendi. Ela não estava te engolindo não, ela estava fazendo respiração boca a boca! Hahahahaha.

-- Para Cacá, não tem graça! Eu vou me danar de novo.

Falei exasperada. Ele parou de rir meio confuso. Depois o seu semblante passou para raiva.

-- O que ela te fez? Ela ficou com você e depois te deu o pé? Que safada cretina! Não quero mais saber de projeto nenhum com ela. Ela que pegue o dinheiro e...

-- Cacá, Cacá! Não é nada disso. O negócio é que ela não é gay! Ela nunca tinha beijado uma mulher antes. Nunca tinha ficado com uma mulher antes. Já pensou na confusão que isso poderia virar?

Cacá parou um pouco para pensar e depois falou.

-- Já entendi. Você já vai fugir da raia, né?

-- Como assim fugir da raia? Você não escutou o que eu falei?

-- Escutei. Só não concordo com você. E daí se ela nunca ficou com uma mulher? Se ela tá afim, qual o problema?

-- O problema é que a coisa não é tão simples assim. O problema é que pode ser um erro para ela, ela pode estar só curiosa e querer experimentar, mas quando se der conta, aí “euzinha” já posso estar envolvida e ela numa confusão de cabeça de fazer gosto. Ela me larga, tenta um relacionamento com homem novamente e quem vai se ferrar sou eu!

-- Não sabia que você era vidente. Porque o que você tá fazendo é ver o futuro, sabia?!

-- Ah! Cacá! Sem condição de discutir com você!

-- Sem condição mesmo, porque eu não chamo isso de discussão, eu chamo isso de teimosia.

-- Então me fale a sua magnânima opinião, mestre Yoda!

-- Hahahahaha! Essa você tirou do museu! Hahahahaha! Olha aqui, não vou dizer que o que você falou, não pode acontecer, mas pode não acontecer e aí você vai arriscar não viver uma coisa legal.

Fui dormir remoendo as coisas que ocorreram à noite, o que eu tinha decidido e as palavras do Cacá. Cacá tinha que me falar aquelas coisas! Que droga! Isso me atiçou e eu fiquei pensando se não valeria a pena. Cada vez que eu pensava nos braços dela me segurando, me abraçando eu pegava fogo. Nem a imagem, nem o perfume, nem o gosto de sua boca saíam de minha cabeça. Não saía da cabeça e nem do corpo. Meu corpo parecia estar impregnado dela. Cheguei a tomar um banho demorado para ver se eu a esquecia. Que nada! Quando eu voltei para a cama eu lembrava de tudo, de cada palavra e cada gesto. Eu estava começando a perder para mim mesma essa briga. E apesar de ser sábado no dia seguinte, iríamos trabalhar para compensar um feriado prolongado na próxima semana. A maioria iria compensar uma hora por dia, mas no nosso laboratório preferíamos compensar no sábado para nos livrarmos logo.

Cheguei de mau humor no trabalho. Não dormi quase nada e começava a pensar que eu era uma idiota pensando em algo que talvez não se concretizasse, pois havíamos tido um breve contato e certamente ela já deveria ter repensado tudo que aconteceu. Lógico que ela não iria querer se meter numa encrenca dessas e eu estava ali toda amassada por causa dela.

O Cacá não quis me chatear, pois quando eu estava de mau humor, sai de baixo! Vocês acham que eu era grosseira quando isso acontecia? O que eu ficava mais P comigo é que isso eu não conseguia ser. Eu me escondia e começava a chorar. O Cacá já havia presenciado então ele respeitava isso em mim. Entrei e me escondi atrás da minha mesa. Eu não sabia se eu queria que ela ligasse ou se eu não queria. Qualquer uma das possibilidades me afligia. Meu chefe chegou entusiasmado com a festa e os contatos, disse que gostaria de fazer uma reunião a tarde e eu já previa que eu não ia gostar daquele dia.

A cada hora minha ansiedade aumentava. Chegou a hora da reunião e eu me estressei novamente, pois o Roberto queria que eu convencesse a "Subsecretária" a aceitar o projeto com cara de "NASA" novamente. Eu expliquei para ele mil vezes, que a Subsecretária só queria o projeto porque poderia fazê-lo em partes, mas acho que é meio difícil uma pessoa com doutorado entender isso, não sei por que, se ele tivesse só mestrado talvez entendesse melhor. Será que eu vou perder a minha percepção das coisas quando fizer meu doutorado? Não. Acho que não. É ele que é difícil de entender mesmo!

Para terminar a reunião e não discutir mais com o Roberto, eu falei que tentaria. Já era 4:30 h da tarde e eu continuava ansiosa, também com o Roberto me lembrando a tarde toda dela e fazendo questão de falar que eu estava com uma “boa entrada” com ela! Cada vez que ele falava isso meu coração disparava. Parecia que estava escrito na minha testa em letreiro luminoso; "Eu dei uns “amassos” nela ontem à noite". Depois de um tempo o telefone tocou, o Cacá atendeu e disse que era para mim. Peguei o telefone tremendo.









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Capitulo 7

Aghata – Capítulo VII -- Nunca Imaginei

Eu cheguei à minha casa ainda me sentindo nas nuvens. Nunca imaginei na vida que uma mulher pudesse me fazer sentir desse jeito! Se eu estava assustada? É claro que eu estava! Mas me sentia... Liberta, esse era o termo. Fiquei tentando comparar o que senti com todos os meus relacionamentos e o que eu senti naquela noite. Simplesmente não tinha como. Não havia comparação. Foi forte, me deixou tremula, insegura e a excitação? Fiquei excitada com beijos! Como isso podia acontecer com uma mulher? É claro que eu não era nenhuma ingênua. Na faculdade tinha tido amigas lésbicas, mas apesar de não me incomodar e até gostar de conversar com elas, nunca tinha me atraído por nenhuma mulher. Para mim elas eram... mulheres! Nunca tive preconceitos bobos, mas simplesmente nunca me atraiu! Nunca houve uma mulher que me chamou a atenção a ponto de por a prova minha sexualidade. Mas isso?! O cheiro de Paula estava entranhado em meu corpo e eu simplesmente, amei! Pensei até em não tomar banho para dormir com o cheiro dela, mas aí a minha sandice ia chegar aos extremos. Não ia simplesmente me atirar, mas não iria me reprimir. Estava feliz com o que sentia como nunca senti em minha vida. Era quase uma loucura de amor adolescente. Dormi com um anjo!

No dia seguinte de manhã, liguei para a Ana Maria.

-- Alô!

-- Oi, Aghata! Como foi a recepção? Desculpe-me por não ir, mas o Zé Mauro não passou bem ontem, pelos sintomas acho que ele está com uma virose daquelas!

-- Não tem problema, é sempre a mesma coisa. Você foi em uma, já foi em todas. Seu marido está melhor agora de manhã?

-- Ainda não, apesar do antitérmico que eu dei, a febre ainda persiste. Ele foi tomar um banho agora para ver se sente melhor. Mas você não me ligou para perguntar por que eu não fui, né?

Ana Maria sorriu do outro lado da linha.

-- Não.

-- E?

-- E eu fiquei com ela.

-- E?

-- E eu amei tudo.

-- E é assim que você me conta? Fala logo! Desembucha! O que aconteceu?

Eu era uma pessoa reservada, mas a Ana Maria conseguia me descontrair a ponto de eu conseguir colocar as coisas para fora. Eu sempre fazia isso com ela e ela sempre fazia isso comigo. Éramos amigas desde a faculdade, seguimos caminhos diferentes na profissão, mas nunca deixamos de nos falar. Sempre contei com ela e ela sabia que podia contar comigo para qualquer coisa. Sorri ao pensar no caminho que percorremos juntas e mais uma vez contava com ela para uma etapa da minha vida.

-- Foi bom, muito bom!

-- Ei! Eu quero os detalhes, não fuja da pergunta!

Eu ri com o entusiasmo dela.

-- Se você acha que chegamos “nos finalmentes” está enganada, mas o beijo é muito bom, o abraço é muito bom, o cheiro é muito bom e é isso que você precisa saber.

-- E você me ligou a uma hora dessas por quê? Pra me contar coisa mixa?

-- Hahahaha! Você é demais, mesmo. Quer dizer que se eu transar com ela você vai querer saber dos detalhes?

-- Claro! Se não, qual o divertimento em te ouvir nas horas de lamentações?

-- Ah! Para! Você não se diverte mais com seu marido não?

-- Me divirto. Nem sempre... Às vezes... Mas atualmente a sua vida sexual se tornou mais excitante.

-- Hahahaha! Pode parar que minha vida sexual você não vai participar ativamente não.

-- Sem graça!

-- Tarada!

Rimos muito e eu acabei relatando o que aconteceu e como eu estava me sentindo.

-- Pelo que você me contou, ela não parece aventureira.

-- Mas eu estou com medo. Ela parece ter esfriado depois que eu contei que não tinha ficado com nenhuma mulher antes. Fiquei de ligar para ela. O Roberto, chefe dela, me contou que eles hoje iriam trabalhar por conta do feriado da semana que vem. Não sei nem se ela se deu conta quando eu disse que ligaria para combinar um jantar hoje.

-- Lógico que ela se deu conta. Se não ela falaria qualquer coisa para você. Ela não disse que sairia com você? Se ela esfriou ou não, eu não sei, mas você tem capacidade de acendê-la, ou não?

-- Espero que sim, porque eu estou realmente mexida...

-- Só fique linda, elegante e discreta. Sem ser vulgar.

- Ei?! Desde quando eu sou vulgar, sua canalha?

-- Hahahahah! Desde quando você gosta de mulheres? Hahahahaha!

-- Mulheres, não. Ela!

-- Então tá. Amanhã você me liga contando coisas realmente quentes. Hoje foi meio fraquinho...

-- Vai esperando... Se hoje tiver coisas realmente quentes, pode apostar que eu não vou te ligar. Hahahahaha.

Despedimo-nos e desligamos, mas minha ansiedade não diminuiu. Fui ao shopping ver se me distraia. Não queria ligar muito cedo para não atrapalhá-la no trabalho, mas minha vontade era saber logo se ela não tinha mudado de ideia. Queria leva-la a um lugar especial, mas nada vinha a minha mente. Nenhum lugar era bom demais, pois eu queria também privacidade, queria conversar com ela sem me preocupar com o que acontecia em volta. Tive uma ideia e liguei para casa.

Cheguei em casa com tudo que Silene havia me pedido. Deixei tudo com Silene e fui para o meu quarto. Tomei um banho demorado e descansei um pouco, mas nem de longe eu dormi. Não parava de pensar na possibilidade dela não querer jantar mais comigo. Já eram 4:30h da tarde, hora que provavelmente ela já estaria se preparando para sair. Liguei apreensiva.

-- Alô! A Paula? Ah! Por favor! Obrigada.

Esperei um pouco e aquela voz suave inundou meus ouvidos. Meu coração disparou.

-- Alô! Paula? É a Aghata. Tudo bem?

-- Oi! Tudo bem, e você?

-- Tudo bem. Que horas posso te pegar?

Não quis dar espaço para ela me rejeitar. Eu queria pelo menos conversar com ela...

-- Éééé... que tal às 9:00h?

-- Está ótimo para mim. Me passa seu endereço que eu te pego.

Percebi que sua voz era de apreensão. Anotei o endereço com o coração aos pulos. Não era muito longe de onde eu morava, não precisava sair muito tarde de casa.

-- Então passo para te pegar às 9:00h. Beijos.

-- Beijos.

Quando chegou às 8:00h da noite, já estava pronta a muito tempo e saí para pegá-la. Cheguei ao seu prédio e interfonei. Ela atendeu dizendo que já estava descendo. Esperei no carro e quando a vi, me desesperei. Ela estava linda! Uma calça jeans clara skinny, uma bota de cano alto de salto agulha e uma blusa azul petróleo colada ao corpo realçando suas curvas. Quase sem maquiagem, suas feições eram singelas. Eu saí do carro, abri a porta do carona para ela entrar, dei dois beijinhos no rosto para cumprimenta-la e seu cheiro atingiu em cheio a parte central de meu cérebro entorpecendo todos os meus sentidos. Quando entrei no carro nem ela nem eu, conseguimos falar mais que duas palavras. Embiquei meu carro direto pela alameda que dava ao portão da minha casa. Antes de me aproximar em demasia do portão, acionei o controle remoto para abri-lo. Foi quando ela me interpelou.

-- Para onde você está me levando?

Foi quando eu gelei. Não havia nem perguntado do que ela gostava e onde ela gostaria de ir. Simplesmente fiz o que sempre fiz. Decidi. Ela não parecia do tipo de que gostasse que alguém decidisse por ela. Eu não sabia como me portar, só queria conversar com ela. Tinha que pensar rápido e tornar a coisa menos desagradável.

-- Bem, como eu não te conheço e eu gostaria que me conhecesse mais, resolvi fazer um jantar em minha casa para você saber onde moro e como eu vivo. Desculpe-me se fui um pouco intransigente, mas quero te fazer umas perguntas e acredito que você queira saber mais sobre mim... Mas se você não quiser ficar aqui, podemos ir a outro lugar...

-- Não, tudo bem. É que eu pensei que iríamos a um restaurante...

-- Quer ir a um restaurante?

-- Não, não tem problema. Já estamos aqui e você fez o jantar... Eee...

-- Hahahaha! -- Ri de nervoso. -- Eu não fiz o jantar. Quem fez foi minha empregada. Pode apostar que se eu tivesse feito o jantar, você correria a léguas de mim! Hahahahaha!

Ela sorriu pela primeira vez e acho que esse deslize até caiu bem.

-- Então você não é uma moça de família prendada?

-- Eu?! Depende do que você acha que é uma moça de família e prendada, eu sou em muitas coisas, menos na cozinha.

Ela sorriu de novo e acho que isso acabou descontraindo de vez. Parei o carro e saí para abrir a porta para ela. Quando ela saiu me olhou e sorriu de um jeito malicioso, só então eu percebi que estava tendo reações de cavalheirismo que dificilmente uma mulher “hetero” por assim dizer, teria com outra mulher. O que estava havendo comigo? O que eu estava fazendo? Eu mesma não me reconhecia e fiquei um pouco confusa. Ela me olhou e falou:

-- Vamos fazer o seguinte. Vamos relaxar e simplesmente conversar, ok?

Era tudo que eu precisava.

-- Ok!

A conduzi até a minha casa e abri a porta. Entramos no hall e depois entramos no lounge.

-- Quer beber alguma coisa? Eu tenho prosecco, whisky, saquê, vinho...

-- Vinho, por favor.

-- Que vinho você gosta?

-- Que vinho você tem?

Eu enrubesci. Eu adorava vinho e tinha uma adega, mas como falar sem soar esnobe?

-- Bem eu tenho vários tipos de vinho, na realidade é uma de minhas bebidas preferidas e aí eu montei uma adega em casa para mim...

-- Bem... Então eu estou com sorte! Eu gosto muito de vinho também e se você me mostrar essa sua adega, sei que vai ter algum que eu goste.

Levei-a até a minha adega e ela olhou interessada. Escolheu um australiano que eu gostava muito.

-- Esse. Adoro esse vinho. Sempre que posso eu o compro.

Olhei para ela e sorri. A nossa noite começava muito bem...

Abri o vinho e coloquei em duas taças. Estendi uma a ela, ela pegou e começou a andar pelo ambiente. Adorei! Dava-me à oportunidade de olhá-la sem que ela percebesse. Ela era realmente linda! Andava suave, era delicada e suave em seus gestos. Por que nunca reparei em uma mulher antes?

-- Muito bem, Subsecretária. Aqui estamos! Você sabe que eu sou homossexual, pela conversa que escutou minha e de Cacá no laboratório. Eu me deixei levar ontem pelo clima e pela bebida, acabei me acercando de você e nos beijamos, mas você me confessou que não é gay. E agora?

Ela me confrontou, usou meu título muito bem para isso. O que eu diria? Estou apaixonada por você? Quase morri de tanto tesão quando te beijei? Quero transar a noite inteira? Não sei o que é, mas quero pagar para ver? Resolvi ser o que estou sendo a três anos infernais. Política.

-- Não sei... Não sei o que eu quero... Não sei o que eu sinto... Não sei o que pensar. Só sei que não paro de pensar em você e quero ter uma noite agradável. Quero que se sinta bem em minha presença, eu quero te agradar. Pode ser? -- Ela estreitou o olhar e me encarou. -- Olha. Vamos conversar. Vamos até o jardim jantar e vamos nos conhecer. Vamos fazer só isso, Ok?

-- Ok. Então me mostre o seu jardim.

Levei-a até o jardim onde havia um gazebo próximo a piscina e onde mandei Silene montar uma mesa para dois. Minha empregada foi magnífica. Pôs a mesa para duas pessoas com um candelabro em que as velas já ardiam e formavam desenhos com as gotas de cera escorridas. Flûtes de cristal com uma champagne em um balde de gelo ao lado e um arranjo de flores lindas em uma das hastes do gazebo. A iluminação da piscina dava um ar romântico e a vista noturna da colina banhada pela luz da lua completava o quadro harmonicamente. Agradeci silenciosamente a Silene e a Deus, seja ele quem for por ter me agraciado com esta noite de outono maravilhosa. Bem, eu não sou muito religiosa, mas nesta noite eu começava a mudar a minha opinião achando que alguém no cosmos realmente olhava por nós.

Ela parou para observar tudo. Estava estática e eu fiquei apreensiva. De repente ela colocou as mãos sobre o rosto e começou a chorar silenciosamente. Quase morri por dentro. Foi como se um soco tivesse atingido meu estômago. O que tinha acontecido? O que estava errado? Aproximei-me querendo a abraçar, mas não tinha tido qualquer abertura para isso.

-- O que houve? O que eu fiz de errado?

Ela falou entre as mãos, mas ainda chorando.

-- Você não fez nada errado. Sou eu... Não quero me machucar novamente... Não quero acreditar em algo que é impossível...

Sua angústia me degradava. Abracei-a. Queria confortá-la.

-- Por que algo impossível?

-- Não quero amar mais e ser jogada de lado...

Algumas lágrimas molhavam meu ombro. Era cáustico. Fazia contrair meu coração. Segurei seu rosto e o trouxe para mim.

-- Não sei o que passou com você, só sei que não quero ser a razão desse choro.

Beijei seus olhos um a um. Ela foi serenando e deitou sua cabeça em meu ombro. A acolhi e ficamos assim por algum tempo até ela se refazer. A única coisa em minha mente era que eu não gostaria nunca de ser a causa da tristeza dela. Ela enxugou suas lágrimas e olhou para mim.

-- Me desculpe! Não queria te assustar, mas eu tive de um relacionamento não muito bom e, bem, você não é gay. Eu não quero me desiludir novamente.

Ela falava sentida. Alguém a havia machucado verdadeiramente.

-- Ei! – sussurrei para não assustá-la. -- Eu não quero que se sinta mal. Eu não quero te fazer mal algum. A verdade é que o que eu senti por você, eu nunca senti por qualquer pessoa em minha vida. Não digo que não me assusta, mas não me dá dor de cabeça. Não me faz correr quilômetros de distância. Faz-me querer ficar perto...

Ela me olhou ainda abraçada a mim e eu não resisti. Beijei seus lábios com carinho e depois com mais ardor. Quando vimos o jantar já estava esquecido. Beijava-a com ânsia, fome e ela se colava ao meu corpo com uma força que poderia derrubar um leão. Acariciei seus flancos e cada vez que sua língua acariciava a minha, me perguntava se era possível sentir tanta emoção de um gesto tão simples que executei com todos os meus namorados e nunca cheguei a sentir um milésimo disso.

Desvencilhamo-nos e eu arfava sobejamente. Seu olhar era intenso e o verde era brilhante. Suas pupilas estavam dilatadas.

-- Não estou aguentando... – Falei.

-- Nem eu...

-- Mas esta com medo.

-- Estou.

-- A única coisa que pode acontecer é você ter uma noite de amor ruim comigo, pois nunca transei com uma mulher... Não tenho experiência. Mas não quero te magoar e não sou de arrepender-me de nada que eu faça. Não vou negar o que acontecer essa noite. No dia seguinte, não vou dizer que não houve nada. Não sou assim. Nunca neguei nada que eu fiz. Acredita em mim?

Ela me olhou e deu o sorriso mais lindo que algum dia eu pude ver em qualquer pessoa na vida.

-- Eu acredito em você e quanto a ter uma noite de amor ruim, eu não me preocupo. Se você deixar fluir e da forma como me beija, sei que vou adorar...

Seu sorriso me acalmava, porque eu estava muito, mas muiiiito nervosa mesmo. Era um passo muito grande na minha vida, mas eu estava mais que disposta a para pagar para ver.









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Capitulo 8

[08/08/12]



Paula -- Capítulo VIII – Perdi meu coração

Quando eu vi aquilo tudo no jardim, me lembrei exatamente da pessoa que eu mais amei na minha vida, além de meus pais é claro, e foi quem mais me feriu. A Margô era uma conquistadora. Romântica, mas uma conquistadora. Eu sabia disso e negava minha atração por ela, mas ela se empenhou meses a fio para me convencer que me amava de verdade e quando eu cedi finalmente, ela não demorou mais que duas semanas para se interessar por outra e me largar. Fiquei mal viu!

Quando no meu choro patético a Aghata me abraçou e me acalentou, eu não senti a mesma coisa que senti com a Margô. Ela me confortava realmente. Acalmava-me e o calor de seu corpo me deixava ver que ela não me queria só por querer. Tá certo! Eu era uma romântica irremediável, mas como disse o Cacá, eu não poderia saber o que aconteceria. Eu iria ficar a vida toda me negando a ter alguém ao meu lado por causa de algo que me aconteceu?! Eu não queria. Desarmei-me e os beijos que ela me deu não chegavam nem aos pés daquela conquistadora barata. Não podia comparar.

Quando ela me mostrou a sua insegurança, não pelo que estava prestes a acontecer, mas por ela não achar que daria conta de uma noite de amor, eu me desarmei por completo. Foi quando eu falei convicta de que iria ter uma noite maravilhosa...

-- Eu acredito em você e quanto a ter uma noite de amor ruim, eu não me preocupo. Se você deixar fluir e da forma como me beija, sei que vou adorar...

Ela não disse uma palavra. Segurou minha mão e nos encaminhamos ao seu quarto. A casa toda era em estilo sóbrio e moderno na decoração. O quarto era maravilhoso. A cama baixa em estilo japonês compunha o ambiente juntamente com uma poltrona Charles & Eames e uma mesa de escrivaninha de Toledo. Um quadro renascentista quebrava a as formas sóbrias e retas do estilo moderno. Era um sonho! Eu estava em um sonho de “princesa e princesa encantada da era moderna”. Ela não sabia onde por suas mãos e o que fazia aquela altura. Tinha me levado ao seu quarto e não tinha a menor ideia do que aconteceria dali para frente. Aquele mulherão todo estava uma graça envergonhada!

Aproximei-me dela e a abracei colocando minha cabeça em seu ombro para senti-la toda. Ela era todinha minha naquele momento. Ela me abraçou e suspirou fortemente. Desaninhei-me de seus ombros e a olhei profundamente. Ela iniciou um beijo recatado e inseguro diante dos momentos que tivemos antes e eu... Bem... Eu queria comê-la inteira se ela me permitisse. E foi o que fiz.

Ainda a beijando tirei a sua jaqueta de couro e deixei resvalar para o chão. Quem precisa se preocupar com o que acontece com as roupas nesse momento? Minha pouca altura me permitia sugar seu pescoço sem nenhum esforço. Ela gemeu deliciosamente e eu queria vê-la sem nada mais em sua pele. Fui abrindo os botões de sua camisa e fui beijando cada pedacinho de seu corpo que se desnudava para meu prazer. Sua respiração descompassada fazia com eu desejasse tê-la mais e mais. Quando a blusa caiu ao chão, eu quem fiquei sem ar. Seu dorso era lindo! Moreno, musculoso, mas suave. Apenas o sutiã de renda preta se interpunha entre seu corpo e meu desejo de ter seus seios em minha boca. Era isso mesmo! Eu estava ávida do corpo dela, seus contornos me despertaram os mais loucos desejos. Continuei escalando seu corpo com beijos até chegar a sua boca novamente enquanto abria seu sutiã. Seus seios saltaram e eu quase desfaleci. Eram lindos! Médios, rígidos e seus mamilos estavam duros, prontos para serem sugados. Eu não pensava em coisa melhor para fazer. Desci com minha boca perfazendo um caminho de beijos até a aureola deliciosamente rígida e pronta para minha boca. Passei a língua por cima e depois suguei calmamente. Seu peito subia e descia em uma respiração rápida e quando abri meus olhos para observá-la sua cabeça pendia para trás com uma expressão de êxtase no rosto. Uma umidade inundou meu sexo. Passei para o outro seio, mas substitui minha boca no primeiro com a minha mão e o acariciava forte. Que delícia! Que gosto bom! Que tesão bom!

Ela gemia e o som aumentava cada vez mais minha excitação. Desci em pequenos beijos pelo seu abdômen até chegar ao púbis e beijei seu sexo por cima da calça.

-- Aaaahhh!

Ela gemeu mais forte e acariciava minha cabeça, subi novamente e beijei aquela boca gostosa com loucura. Enquanto a beijava empurrei-a devagar até a cama. Ela sentou na beirada e eu abri o botão e o zíper de sua calça resvalando minha mão ao encontro de seu sexo úmido. Ela se abriu mais para mim me permitindo a acariciar mais intimamente.

-- Isssssss! Como você está molhada! Que delícia.

Era tudo que eu conseguia dizer entre seus lábios ainda em um beijo sôfrego.

-- Como você me deixou molhada assim tão rápido?

Foi a sua pergunta para mim ofegante. Ela puxou minha blusa para tirá-la de uma só vez, foi quando eu vi seus olhos cheios de desejo. Ela podia pensar que não sabia o que fazer, mas com certeza ela sabia o que queria. Tirei minhas botas apressadamente enquanto ela abria o zíper de minha calça. Pousou uma de suas mãos em cima de um de meus seios enquanto a outra apalpava meu sexo incandescente. Foi a vez de eu me descontrolar.

-- Aaahhh! Gostoso!!!!

Ela me puxou para cima dela na cama.

-- Tira a calça...

Pediu-me com a voz rouca. Não me fiz de rogada. Tirei minha calça enquanto ela tirava o resto de suas roupas. Deitei sobre o seu corpo nu e iniciei uma dança erótica sobre o púbis dela. Nossos corpos estavam entrelaçados e nossos movimentos ficavam cada vez mais intensos. Coloquei minha mão entre os nossos corpos e pressionei com meu dedo médio o seu clitóris intumescido.

-- Deus, como isso é gostoso!

Suas exclamações de prazer me faziam arder, querer dar mais e mais prazer. Pressionei seu clitóris com o polegar e deixei resvalar dois dedos para dentro daquela abertura quente e gostosa.

-- Isso! Mais forte!

Comecei a movimentar meus dedos dentro dela sem perder o contato com seu clitóris e ela se empurrava forte contra mim.

-- Aaahhh! O que é isso?! Mais... Mais... Eu vou... Eu vou... Aaahhhhh!!

Ela gozou gostoso molhando minha mão toda e eu não conseguia parar de movimentar o meu quadril sobre ela. Estava com muita vontade, muito tesão e acabei me tocando para me saciar, mas mesmo ainda sobre os tremores do orgasmo ela assumiu a tarefa de me deliciar com sua mão sobre meu sexo inchado. Coloquei minha mão por cima da sua a conduzindo em meu prazer.

-- Assim... Gostoso! Issss, delícia! Entra em mim agora!

Ela entrou em mim e eu rebolei em seus dedos até que não aguentei mais e gozei longamente. Perdi minhas forças e acabei deixando meu corpo relaxar sobre ela. Ela me abraçou afagando meus cabelos. Estávamos ofegantes ainda e ficamos um tempo em silêncio até nossas respirações se acalmarem um pouco.

Ela estava muda com os olhos fechados e eu comecei a me preocupar. Havia sido intenso e bonito, mas comecei a ficar com medo de sua reação. Toquei seu rosto e ela abriu os olhos suspirando e sorriu para mim.

-- Eu fui muito ruim para a primeira vez?

-- Ruim?! Você está brincando comigo, não é?

Ela sorriu. Beijou minha cabeça e me abraçou ternamente.

-- Pra falar a verdade eu estou meio perdida e muito feliz. Eu nunca em minha vida senti tanto prazer! Nunca senti tanta emoção envolvida em um ato sexual.

-- Pois eu não estou nenhum pouco confusa, mas estou muito feliz também. Essa está sendo uma das melhores noites de amor que eu tive em minha vida. – Ela sorriu novamente quando eu falei isso. -- Aghata. – A chamei.

-- Umh?

-- Posso te pedir uma coisa?

Ela ainda afagava meus cabelos abraçada a mim.

-- Claro, meu anjo!

-- Podemos ir comer? Eu estou morrendo de fome...

-- Hahahahaha! Me desculpe, meu amor. Acho que não fui uma boa anfitriã, não é?

O fato de ela ter me chamado de meu amor tão naturalmente fez meu coração aquecer. Será que o Cacá estava certo e meu medo de me machucar novamente me fez quase negar uma boa relação?

-- Claro que não! Você está sendo muito boa anfitriã, mas serviu o prato principal antes da entrada. Gostaria de comer a entrada para depois passar para a sobremesa.

Falei brincando, mas depois eu achei que a brincadeira poderia ter soado grosseira. Ia me desculpar, mas ela deu outra de suas risadas deliciosas e vi que tinha sido bem aceita.

-- Hahahaha! Então eu sou o prato principal? Hahahahaha!

-- E a sobremesa!

Franzi minha testa sorrindo de forma travessa. Sua gargalhada se reduziu a um sorriso, mas um sorriso muito sensual. Seus olhos me miravam com desejo e depois de um tempo seu sorriso aumentou e ela falou.

-- Então vamos comer a entrada, porque depois vou querer minha sobremesa também.

Ela continuou me olhando maliciosamente me devorando e eu? Eu simplesmente adorei! Um calor rondava minhas entranhas e uma umidade mais que desejada inundou novamente meu sexo em antecipação ao que poderia vir. Ela se levantou e pegou dois robes em seu banheiro. Um Branco e um negro. Ela segurou o branco pelos ombros para me vestir, me virei de costas, ela me vestiu e me abraçou por trás beijando meu pescoço e o lóbulo de minha orelha.

-- Mmmmm! Desse jeito não vamos comer a entrada!

-- Não senhorita! Não vou permitir que fique sem nada no estômago em minha casa.

Se desvencilhou do abraço, colocou o robe negro e deu um tapinha na minha bunda para que eu a seguisse. Seguia-a pelo corredor em direção ao lounge. Observei-a melhor de costas e custava a acreditar que essa mulher linda, de cabelos cor de ébano, corpo esguio e forte estivesse tão interessada em mim. “Ela é linda”! Agradeci imensamente a Deus por esta noite. Chegamos ao jardim onde tinha o gazebo com a mesa.

-- Acho que está frio.

-- Você tem micro-ondas?

-- Micro-ondas?

Seu rosto tinha uma expressão de quem não entendia.

-- É! Micro-ondas. Aquele aparelho que normalmente temos na cozinha para degelar coisas e esquentar comida.

-- Tenho.

Comecei a rir, pois sabia que ela não tinha se atinado para a possibilidade de eu esquentar a comida. Peguei os dois pratos tampados com aquela cobertura de inox, estilo francês que eu não sabia o nome, mas certamente ela sabia, lógico que eu não perguntaria, e me dirigi à entrada do lounge.

-- Você não vai me dizer onde é a cozinha?

Perguntei me virando para trás. Ela sorriu e me acompanhou até a cozinha. Coloquei o primeiro prato no micro-ondas, evidente que sem a cobertura de inox, se não explodiria o aparelho.

-- Que ave é essa?

Perguntei por que pelo que observei de seu estilo de vida, ela não faria galinha ou chester ensopado se queria seduzir alguém. E foi essa a impressão que ela me deu quando me trouxe para cá. Ela queria me seduzir.

-- Pato em molho à poivre, batatas salteadas na manteiga e alecrim.

-- Ummm! Excelente entrada! -- Brinquei.

-- Melhor que o prato principal?

O humor dela era sarcástico. Adorei!

-- Não acredito, mas vou ter que provar para saber...

-- Hahahahahaha! Creio que deva. Provavelmente você já provou pratos principais melhores também...

Meu sorriso se desfez. Não gostaria que ela achasse que por ser lésbica era uma aventureira. Acho que essa é a ideia de muitos. Tive alguns relacionamentos sim, mas nada de mais comparado a muitos heterossexuais. Existiam muitas homossexuais galinhas, minha ex era uma. Mas existiam heterossexuais galinhas também. Não era nenhuma Casanova pronta para qualquer conquista. Acho que ela se deu conta do que disse, porque se levantou e se aproximou de mim de imediato.

-- Desculpe, mas o que disse não soou como o que eu realmente queria dizer. É que você é mais experiente que eu neste quesito e provavelmente já teve alguns relacionamentos que não eram tão crus quanto eu...

Relaxei e vi que a insegurança dela em relação a mim era maior do que a minha em relação a ela. Pelo menos a nível sexual. Fiquei de frente para ela e toquei seu rosto suavemente e sorri.

-- O que você chama de cru? Sinceramente Aghata, para mim isso não significa nada. O que significa para mim é o que me move aqui.

Peguei sua mão e coloquei em cima de meu peito na direção de meu coração.

-- Além disso, não acho que o que tivemos hoje tenha sido tão cru assim como você diz.

Eu sorri de novo e ela sorriu. Abraçou-me e seus lábios se aproximavam dos meus. Um apito soou e ela sobressaltou.

-- Por Deus! Que inferno de eletrodoméstico louco!

-- Heheheheeh! Você está muito tensa, minha sobremesa. Vou ter que comer rápido a entrada para poder degusta-la e assim acalmar seus nervos!

Acho que a brincadeira caiu bem, pois ela abriu um sorriso luminoso e se sentou novamente.

-- Acho que tem razão, como presa, acho que meu predador tem que me devorar rápido e aplacar a minha angustia.

Eu sorri da analogia que ela fazia, mas acredito que eu estava mais tensa do que ela. Ela seria minha a noite inteira, quem sabe o resto do fim de semana também...

Levamos os pratos quentes para o jardim e jantamos. Ela abriu o champagne e bebemos enquanto conversávamos descontraidamente de nossas vidas. Meu celular tocou e eu estranhei. Não existiam muitas pessoas que tivessem o meu celular e que me ligariam no final de semana, exceto o Cacá e meus pais que moravam em uma cidadezinha de interior na serra. Pedi licença e fui atender. Era o Cacá.

-- Cacá, você está bem? Não Cacá, não estou em casa. Hoje não dá. Não. Eu estou bem, só tenho um compromisso... Cara, você tem a chave do meu apartamento, pode cair lá, mas não vou me encontrar com você! Não. Eu estou bem, e estaria melhor se você me deixasse ter esta noite para mim, ok! Não, não. Eu vou ficar bem, vou passar a noite bem e se divirta está bem? Depois a gente se fala. Beijos. Tchau.

Desliguei o celular e voltei para a mesa um pouco envergonhada. O Cacá estava parecendo meu irmão mais velho. Gosto dele, mas dessa vez ele extrapolou.

-- Ele se preocupa muito com você... Ele é gay também?

-- O Cacá? Não! É que ele é novo no laboratório e depois que ele entrou para o lá fizemos uma amizade legal. Comecei a sair com ele, sem nada de mais... Ele sabe que sou homossexual, mas ele me trata como sua irmã e ai todo o sábado ele me chama para sair, mas quem acaba cuidando dele sou eu.

Eu sorri.

-- Ele dá uns amassos em algumas garotas e quando ele não sai com alguma, eu acabo levando ele bêbado para a minha casa e ele desmaia em meu sofá. Aliás, foi aí que surgiu a ideia do sistema. Eu disse para ele que queria algo que eu pudesse comandar com segurança para carrega-lo para dentro de casa, sem que eu precisasse deixa-lo sentado no corredor antes de abrir a porta.

Sorri meio sem graça.

-- Pequenas atitudes, grandes ideias...

-- É...

Ela me sorriu e disse que queria a sua sobremesa. Fiquei envergonhada, mas não me deixei intimidar.

-- É pra já, senhora subsecretária...

Levantei da minha cadeira e sentei em seu colo a enlaçando pelo pescoço e beijando-a com ardor. Meus beijos eram correspondidos com igual força e ânsia. Sorri entre seus lábios pensando no que o Cacá tinha dito; que ela poderia acabar com alguém em quinze minutos. Bom... A meu ver, ela poderia acabar comigo já. Eu estava começando a me apaixonar...

Ela abriu o meu robe desnudando a parte da frente de meu tronco. Eu estava excitada, meus seios estavam rígidos e minha pele eriçada como se estivesse frio. Frio?! Não existia frio. Eu estava em um fogo louco! Ela baixou seus lábios e prendeu um de meus mamilos e gemeu.

-- Por Deus! Como é gostoso!

Eu sorri de sua exclamação e ela sugou com vontade meu seio. Passou para o outro e sugou com igual desejo. Segurou-me pela cintura me apertando em seu colo e sugando despudoradamente. Que gostoso! Minha mente se desconectava de meu corpo e minhas reações eram intensas e descontroladas. Abri seu robe e colei meus seios nos dela friccionando forte para senti-los enquanto me apropriava novamente de sua boca. Sua língua sorvia gostosamente meu sabor e eu enlouqueci. Desci de seu colo e abri completamente o robe descortinando aquele corpo que estava me levando à loucura. Ajoelhei-me entre suas pernas e as abri sem a menor reserva. Olhei-a para constatar em seu semblante a permissão silente que me dava para a apropriação de seu sexo. Seus olhos estavam semicerrados e sua respiração ofegante em antecipação ao que eu faria. Separei delicadamente os lábios de sua vagina e lambi entre eles vagarosamente até chegar ao bulbo de nervos intumescido. Ela soltou um gemido gutural e rouco. Seu gemido penetrou em meus ouvidos e uma dor prazerosa se apoderou de meu sexo já encharcado. Seu sabor em minha boca era suave e delicioso. Passei a língua por toda a extensão de seu sexo sentindo sua maciez e sua tez maravilhosa. Seu quadril movimentava forte em direção a minha boca e eu deslizava minha língua para prolongar ao máximo o seu prazer.

-- Ahhhh! Não estou aguentando...

Continuei em minha tortura lenta e chupei seu clitóris tumefeito e me deleitei com seu pulsar em minha boca.

-- Paula...Aaaahhh!.. Por favor... Aaahhhh!

Senti seu coração acelerar e o ritmo de seu quadril aumentar. Coloquei meu dedo em sua entrada massageando e acelerei o ritmo de minha língua em seu clitóris. Ela veio a baixo.

-- Paula... Aaahhh! Paula... Aaahhh! Tô gozando pra vocêêê...

Satisfiz-me com seu deleite escorrendo em minha boca como fruta madura. Degustei seu suco como um licor saboroso e meus atos ainda repercutiam em seu corpo que continuava tremulo. Ela segurou meus cabelos e me puxou para um beijo maravilhoso que tirava de mim todas as minhas forças, quando achei que eu iria me acalentar em seus braços, ela levantou comigo no colo em uma força descomunal. Segurava-me em apenas um de seus braços e com o outro varreu da mesa todos os utensílios do jantar jogando-os no chão para me colocar sobre ela. Abriu meu robe e sem nenhum pudor, colocou minhas pernas sobre seus ombros e se apoderou de meu sexo com uma boca ávida. Morri e cheguei ao céu! Foi o que pensei.

Eu não conseguia pensar em mais nada. Meus sentidos estavam entorpecidos e eu só conseguia perceber a sua boca quente fazendo maravilhas em mim. Sua língua penetrou em mim enquanto um dedo massageava meu clitóris rígido. Céus! Que delícia! Não demorou muito e eu atingi o clímax gemendo e balbuciando coisas incompreensíveis. Gritei seu nome.

Meu corpo estava lasso e acho que isso a preocupou.

-- Paula? Tudo bem?

Ela tinha me pego na mesa e me abraçado. Eu sorri.

-- Eu ainda estou viva? Estou no paraíso?

Ela riu de minha brincadeira e me beijou ternamente. Nem vou contar mais o que se passou nas outras dezesseis horas que fiquei em sua casa.









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Capitulo 9

[11/08/12]



Aghata -- Capítulo IX -- Nunca namorei de verdade

Liguei para Ana Maria na segunda feira de manhã.

-- Alô!

-- Oi! Sou eu.

-- Aghata?

-- E quem mais seria, ô!

Falei rindo. Alias sorrir estava sendo uma constante para mim depois das ultimas 48 horas.

-- Bom humor?! Hoje não tenho consultas à tarde. Vou levar o Zé Mauro para fazer uns exames só para descartar a possibilidade de dengue. Mais tarde vou estar livre e aí eu te encontro.

-- Por que essa ânsia de me encontrar?

-- Por que você me ligou?

-- Hahahahaha! Você é fogo! Estou nas nuvens, mas estou preocupada...

-- Vai acovardar?

-- NÃO!! Não... Só que... Bem é algo que eu não estou controlando...

-- Você pode apenas uma vez na vida não controlar algo para variar?!

-- Que horas posso te pegar?

-- Às quatro da tarde.

-- Passo para te pegar esta hora então.

-- Vou esperar. Bjs

-- Bjs

Fui à secretaria, mas as cenas do dia anterior povoavam minha mente. Era maravilhoso e ao mesmo tempo apavorante. Gostei muito de tudo, mas ao mesmo tempo... Eu não conseguia controlar meus sentimentos, minha alegria desenfreada, minha vontade de ligar para ela e ver como ela estava. Acho que se eu juntasse tudo que eu senti por todas as pessoas que passaram pela minha vida, não daria um décimo do que ela me fez sentir só no dia de ontem. Era aterrador! Lógico que eu não correria. Eu correr? Nunca! Nunca corri de nada em minha vida e não seria agora. Até porque nunca me senti tão feliz em minha vida. Mas tinha que achar um jeito de administrar o que eu sentia se não eu me perderia...

O André falava comigo e eu estava aérea, mas consegui interagir mais ou menos. Escutei suas propostas para a campanha e dei minha opinião para alguns pontos que eu não concordava e ele me perguntou sobre minha opinião sobre o projeto de captura de movimento. Disse que patrocinaria o projeto aos poucos. Estava cansada de remar contra a maré e quando o projeto despontasse, pois eu realmente achava que era bom, apostava que muitos iam querer patrocinar. Ele pediu para eu elaborar o projeto com mais etapas que eu realmente queria, mas ele achou prudente nós termos algo a mais para o caso de realmente a coisa deslanchar. Concordei e disse que o elaboraria durante a semana.

Sai da secretaria e fui almoçar. Não tinha compromissos marcados para aquela semana e fui para casa. Amanhã começaria a escrever o projeto e entraria em contato com o Roberto, mas já antecipava que quem trabalharia com comigo; seria a Paula e o Carlos Eduardo. Eu estaria com ela hoje à noite, mas não queria misturar as coisas. Uma era eu ter algo com ela, outra era eu trabalhar com ela. Isso me deixou nervosa.

Almocei e fui pegar a Ana Maria. Levei-a até minha casa. Sentia-me mais confortável até porque estaríamos sozinhas.

-- Está muito calada...

-- É.

-- É o que?

-- Minha cabeça tá uma bagunça.

Sentei na minha poltrona predileta enquanto ela se acomodava no sofá.

-- Já imaginava.

-- Ééé!! Já imaginava?! E aquela história toda de; “seja feliz”, “Ninguém vai ser feliz por você”!

-- Hahahahaha! Aghata, você não é nenhuma menina para achar que ia passar incólume por essa experiência, né? E depois eu disse para você ser feliz, não disse que você iria passar por tudo as mil maravilhas. Mas me conta, como foi?

Meu sorriso estampou em meu rosto. Era disso que eu falava! Parecia uma idiota adolescente cada vez que pensava na Paula e no nosso fim de semana.

-- Pelo seu sorriso, foi bom mesmo!

-- É disso que se trata. Foi bom demais! E eu não consigo parar de pensar nela! Hoje na secretaria, o André falava comigo e nem prestar atenção direito eu conseguia... Droga Ana Maria, isso nunca me aconteceu!

-- Parabéns! Acertou as seis dezenas na loteria. Minha amiga, quem tem a sorte de encontrar algo assim como você encontrou?

-- E ficar igual a uma abestalhada?

-- Hahahahaha! Essa é uma das partes boas, sabia?

Eu sorri. O pior de tudo é que eu estava achando bom mesmo. Era um frio no estômago e cada vez que eu imaginava a Paula comigo eu me excitava.

-- Mas me conta, agora eu quero os detalhes.

-- Eu não acredito que você queira saber da minha intimidade?

-- Logico que quero! E depois, sempre te ouvi quando você me contava daqueles namorados idiotas seus. Agora que tem uma coisa boa pra me contar você não vai? Nada disso! Pode começar a falar.

-- Ela é maravilhosa!! – Eu sorri.

-- Essa é a parte boba, eu quero a parte boa.

-- Hahahahaha! Você não tem jeito mesmo Ana.

Passamos o resto da tarde conversando e Ana me convenceu a contar algumas passagens de minha experiência. Ela era enxerida, mas eu me senti mais confortável depois que conversei com ela. Até no meu envolvimento sexual quando eu contei algumas coisas ela pontuava de forma interessante. Expunha a minha vida como uma grande sucessão de erros com todos os homens que eu namorei. Era como se eu estivesse com uma venda em meus olhos e de repente essa venda tivesse caído. Como eu disse, isso não me incomodava. Incomodava-me era o fato de não estar conseguindo controlar esse amor adolescente. Para mim era exatamente isso, um amor adolescente, pois minhas reações com Paula eram descontroladas e isso estava me deixando louca.

Mais tarde me tomei um banho, me arrumei, fui deixar a Ana em casa e me dirigi para o apartamento da Paula. Tínhamos combinado de jantar na sua casa, ela queria fazer o jantar. Adorei a ideia, pois nunca ninguém quis fazer algo do tipo e bem, eu também não, já que era pior do que meus companheiros na cozinha. Quando cheguei ao lobby do prédio o porteiro me recebeu e disse que a dona Paula já havia avisado e eu poderia subir. De fato eu gostei da receptividade. Ela tinha autorizado a minha entrada sem a menor resistência, isso era um sinal de que eu era bem vinda em sua vida. Peguei o elevador e quando saí eu vi uma cena que se não fosse engraçada, eu poderia me preocupar com a repercussão que já estava demostrando o nosso relacionamento.

-- Sai Cacá! Vai embora!

Isso era a Paulinha expulsando o Cacá de seu apartamento. Literalmente o expulsando, porque ela tentava empurrá-lo para fora e ele se segurava no portal.

-- Qual é Paula, sou seu melhor amigo e você não vai me contar o que está acontecendo? Você nem saiu comigo no sábado e depois desligou o celular! Hoje você estava sorrindo que orelha a orelha no trabalho e não quis me contar nada, agora me diz que hoje eu não posso ficar no seu ap e tá fazendo uma comida que nunca fez pra gente!

-- Cacá, a gente é amigo! Você não é meu irmão ou meu namorado!

Ela falava exasperada e continuava o empurrando e ele agarrado. Eu ria muito da cena. Sempre pegava os dois em flagrante.

-- E amigo confia no outro! Você está me escondendo coisa! É a gostosona, não é? Pode confiar em mim Paula, eu não vou contar pra ninguém!

-- Eu não posso Cacá! Sai.

-- Qual é?! Você passou um fim de semana inteiro com a gostosona e não quer me contar?

Paula parou de empurrá-lo. Ela estava vermelha, não sei se de raiva ou se do esforço.

-- Olha Cacá eu não posso te contar nada. Você tá sendo injusto comigo! Deixa eu conversar primeiro com ela, tá bom?! E para de chamar de gostosona!

Eu não sabia se achava graça do; “gostosona” ou se ficava triste por me interpor na amizade dos dois. Ela estava me protegendo, por eu ser uma figura pública. Resolvi interceder.

-- Paula, por que não chama o Carlos Eduardo para jantar conosco?

Os dois me olharam como se eu fosse um fantasma e eu ri muito.

-- Ei! Não vão me chamar para entrar?!

-- Cla-Claro subsecretária!

Quando o Cacá, como a Paulinha o chamava, me chamou de subsecretária, eu ri mais ainda. E quando a Paula cutucou ele, aí é que eu ri mesmo. Lembrei-me da primeira vez que os vi juntos no laboratório. E foi aí que, quando passei por eles da porta para dentro do apartamento da Paula, me dei conta que eu a tinha admirado e a achado uma graça, desde a primeira vez que a vi.

Entrei na sala. Seu apartamento, apesar de ser em uma área valorizada era pequeno, mais muito aconchegante. Poucos móveis, mas de muito bom gosto. Uma decoração estilo moderno, como minha casa, só que em um ambiente bem menor. Uma gracinha!

Um cheiro muito gostoso rescendia pelo ar.

-- O que você está fazendo, Paula? O cheiro está delicioso!

-- Cordeiro assado temperado com ervas, arroz de lentilha e cebolas...

-- Cordeiro? Você sempre faz macarrão para mim!

-- Você está sempre de ressaca e não é meu namorado, você consegue lembrar disso?

-- E ela é sua namorada? Agora você conseguiu lembrar para me contar?

Eu ri. Eles juntos eram uma figura premiada de álbum mesmo.

-- Cacá. Posso te chamar assim?

-- Claro!

-- A Paula só estava me protegendo.

-- Mas eu sou amigo dela!

-- Mas eu estou com ela e não havíamos conversado sobre isso. Acho que a Paula queria fazer as coisas certas comigo...

-- Está bem, mas só vou aceitar se ela me pedir desculpas.

-- Desculpas? Desculpas pelo que ô?

-- Você queria me esconder coisas e eu sempre conto tudo para você...

-- Você conta porque quer me provocar!

-- Quero nada!

Eu ria muito dos dois e eles acabaram parando com a discussão. O Cacá ficou sem graça e disse que iria embora e aí eu ri mais, pois a Paula deu um tapa na cabeça dele e sorriu.

-- Fica aí. Agora vai ter que aguentar, mas só até depois do jantar, porque aí você vai ter que se mandar.

Ele sorriu sem graça e se sentou no sofá.

Jantamos e meu primeiro jantar feito por meu amor, isso mesmo! Meu amor, pois eu já tinha me convencido que eu realmente estava amando. Meu problema começou aí. Nunca consegui me expressar corretamente com ela...

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Capitulo 10

[15/08/12]



Paula -- Capítulo X -- Tinha alguém para namorar de verdade

Não conseguia despachar o Cacá. Ele me aporrinhou o dia todo para saber com quem estive o fim de semana e quando cheguei em casa ainda tive que lavar a louça que ele deixou de pirraça durante o fim de semana. Pirraça sim, pois o Cacá não costumava fazer isso, ele sabia que eu odiava sujeira.

Comecei a fazer o jantar e pensava em tudo que passei com ela o fim de semana. Nem acreditava. Foi mágico, maravilhoso, intenso! Meu Deus! Nem em meus melhores sonhos, nunca imaginei ter alguém assim! Estava nas alturas. Deixei o assado no forno e fui tomar banho. Escolhi uma roupa simples e confortável. Era minha casa e queria mostrar o meu jeito no dia a dia. O assado já cheirava e quando cheguei à sala, escutei um barulho na maçaneta. O trinco girou e quem me aparece?! O Cacá. Eu queria mata-lo! Era a minha casa. Será que ele não se tocava?

-- O que você está fazendo aqui?

-- O que você está escondendo?

-- Como assim o que eu estou escondendo?

-- Qual é, Paula? Você me deu a chave do seu apartamento, nunca ligou para a hora que eu chegava e desde o fim de semana, você está esquisita e se esquivando de mim...

-- Não estou me esquivando de você apenas...

-- Apenas?

-- Apenas... Quero privacidade!

-- Não cola. Você saiu com a morenona e não quer me contar!

-- Para, Cacá! Será que vou ter que contar para você toda vez que sair com uma mulher?

-- Não, claro que não! Se você sair todo fim de semana com alguém eu não vou querer saber, mas se você sair depois de um longo e tenebroso inverno de estiagem, vou querer saber!

-- E por quê?

-- Porque aí vou saber que você tá pagando coraçãozinho apaixonado por alguém. Aí vou querer saber se a pessoa merece ou não estar com você!

Fiquei chocada! De filha única, passei a ter um irmão que nem conhecia meus pais.

-- Sai. Agora!

Abri a porta e fui empurrando o Cacá para fora de casa. E se a Aghata chegasse? Como eu ia explicar para ela que poderia confiar em Cacá? Ele era meu amigo e sabia que ele não falaria para ninguém, mas não tinha conversado isso com ela!

-- Sai Cacá, depois a gente conversa e eu te prometo que conto tudo. Está bem assim?

-- Não. Eu quero agora!

-- Sai Cacá! Vai embora!

-- Qual é Paula, sou seu melhor amigo e você não vai me contar o que está acontecendo? Você nem saiu comigo no sábado e depois desligou o celular! Hoje você estava sorrindo que orelha a orelha no trabalho e não quis me contar nada, agora me diz que hoje eu não posso ficar no seu ap e tá fazendo uma comida que nunca fez pra gente!

-- Cacá, a gente é amigo! Você não é meu irmão ou meu namorado!

-- E amigo confia no outro! Você está me escondendo coisa! É a gostosona, não é? Pode confiar em mim, Paula eu não vou contar pra ninguém!

-- Eu não posso Cacá! Sai.

-- Qual é?! Você passou um fim de semana inteiro com a gostosona e não quer me contar?

Parei de empurrar o Cacá. Quando ele queria, sabia ser um pé no saco! Mas ao mesmo tempo, eu mudei com ele num fim de semana da água para o vinho.

-- Olha Cacá eu não posso te contar nada. Você tá sendo injusto comigo! Deixa eu conversar primeiro com ela, tá bom?! E para de chamar de gostosona!

Foi aí que a gente viu ela no corredor. Eu dava sempre furo com ela...

-- Paula, por que não chama o Carlos Eduardo para jantar conosco?

Eu e o Cacá a olhamos atônitos e ela simplesmente ria.

-- Ei! Não vão me chamar para entrar?!

Ela falou ainda sacaneando a gente.

-- Cla-Claro subsecretária!

O Cacá é um idiota nessas horas... Eu pensei.

Tivemos mais algumas discussões de criança por conta dele e acabou tudo bem. No jantar tudo correu agradável e gostei de ver o Cacá e ela interagindo legal. Na realidade eu fiquei reparando nela e no Cacá discutindo coisas bobas como futebol e eu adorei. Quando o jantar acabou, acho que ele tomou chá de simancol e disse que ia embora. Já não era sem tempo, porque eu estava doida para dar uns agarras nela. Quando ele saiu me virei para ela e me pendurei no seu pescoço. Já estava enlouquecida! Passei o dia inteiro pensando nas coisas que eu faria com ela a noite!

-- Seu jantar estava maravilhoso! Obrigada por me proteger, mas acho que o Cacá ainda está chateado com você.

Desvencilhei-me do pescoço dela e a olhei no fundo dos olhos.

-- Aghata, eu sou lésbica assumida sim, mas Deus sabe o que eu passo. O pior de tudo não é gente como o Gustavo, por exemplo, que fala as coisas na cara. Não que não me incomode, ele é um babaca, mas pelo menos sei o que ele pensa ou o Cacá que é um cara em um milhão e dificilmente vou encontrar um amigo igual a ele. O pior são pessoas de minha convivência que não dizem nada, agem naturalmente, mas pensam coisas a meu respeito e eu uma hora ou outra acabo “pescando”. O que eu quero dizer, é que eu sei que não é fácil e você é uma pessoa pública. Sei que precisa se preservar, mas uma coisa eu não vou admitir no nosso relacionamento, não quero que você arrume nenhum namorado de faixada. Isso não!

Eu disse nosso relacionamento e nem sabia se era isso que estávamos tendo e também não sei nem porque falei aquilo. Fiquei vermelha, pois já colocava imposições sem ao menos saber se ela queria ter um relacionamento comigo.

-- Desculpe, eu... Na realidade não era isso que eu queria dizer, éééé... Quer dizer... eeeeu... não sei nem se você quer firmar um compromisso...

-- Hahahaha! Você fica uma gracinha quando está sem graça, sabia?!

Eu fiquei mais vermelha ainda. Ela tinha o poder de me fazer perder o rebolado. Não sabia onde enfiar a minha cara. Que vergonha! Paula Atanar: Lésbica, desvirtuadora de moças de família e ainda louca possessiva! Se eu fosse ela eu correria de mim!

Ela sorriu e acariciou o meu rosto com uma de suas maravilhosas mãos enquanto segurava minha cintura com a outra aproximando nossos corpos. Ela sorriu novamente e aproximou seus lábios dos meus e falou sussurrando sensualmente:

-- Eu quero namorar você! Você aceita namorar comigo?

Quando ela falou isso, meu peito quase explodiu de felicidade. Não sabia que meus sentimentos já eram tão fortes por ela. Mas sabe aquela coisa de sininhos que dizem que a gente houve? Pois é, eu não ouvi sininhos, ouvi uma música de natal inteira. Ao invés de eu beijar aquela boca espetacular e me pendurar no pescoço dela, eu só conseguia sorrir igual à Monalisa e acabei me perdendo naquele olhar azul translúcido.

-- Então?

Ela perguntou. Eu não consegui dizer nada. Colei meus lábios no dela e iniciei um beijo lento e cheio de carinho. Eu queria transmitir através de meu beijo tudo que eu estava sentindo naquele momento, mas acho que seria impossível. Ela intensificou o beijo e quando terminamos, eu olhei para seus olhos novamente.

-- Eu aceito!

Sorri e ela sorriu também.

-- Então você já pode falar comigo como uma namorada. Que regras tem esse namoro?

Ela sorriu cinicamente e eu voltei a ficar sem graça.

-- Éééé... Não são regras, apenas uma coisa que já vivi e não gostei muito...

-- Então já namorou alguém que não queria assumir?

-- Não, já namorei alguém que não queria se assumir para mim.

-- Entendo. Não se preocupe, eu não pretendia não assumir nosso relacionamento. Apenas as coisas aconteceram e nós não conversamos muito a esse respeito nesse fim de semana. Acredito que você saiba bem porque...

Droga! Eu estava vermelha igual um pimentão novamente. Acho que ela gostava de me ver dessa cor. Vivia provocando essas coisas em mim e depois ficava rindo da minha cara. Desvencilhei-me do abraço e me virei para a cozinha falando.

-- Ainda falta a sobremesa!

Ela segurou meu braço e me puxou novamente me enlaçando.

-- Eu já tenho a minha sobremesa exatamente aqui.

Alguém já morreu por fazer sexo a noite inteira e depois ir trabalhar direto sem descansar? Por que se nós continuássemos a nos encontrar todo dia à noite, era isso mesmo que ia acontecer comigo. Como foi o final daquele filme 9 semanas e ½ de amor, mesmo? Eu não me lembro muito bem, também esse filme é mais velho que o dobro da idade da minha avó, mas acho que alguém morreu neste filme de tanto transar, se alguém não morreu chegou quase lá.

Ela me beijou de novo passando as mãos pelas minhas costas. Meu corpo estava todo colado ao dela e esquentei de cima em baixo. Por todas as forças do universo, eu achava que tinha me apaixonado nos meus dois relacionamentos anteriores. Tudo que eu sentia nos braços dela, nos beijos dela fazia com que o que eu tinha tido antes parecer uma gota no oceano de tão pequeno. Comecei a me assustar novamente. E se para ela era só uma novidade? Separei-me do abraço com dificuldade e colei minha cabeça em seu peito.

-- O que foi?

-- O que você sente... Quer dizer, você quer comigo um compromisso de verdade, não é?

Fiz a pergunta da forma mais débil que alguém poderia fazer. Nem parecia que eu era uma pessoa voltada para os estudos. Eu não conseguia ser uma pessoa muito coerente com ela. Ela colocou dois dedos em meu queixo e me fez olhar para ela.

-- Ei! Olha para mim e escuta. O que eu sinto por você, eu nunca senti por ninguém em minha vida.

Ela me olhou com um olhar tão desesperado que eu fiquei arrependida de ter me mostrado tão insegura. Abracei-a novamente e dessa vez meu sorriso se fez maior. Ela beijou o topo da minha cabeça.

-- Quer conhecer o meu pequeno refúgio todo?

-- Vou adorar, mas não vou nem colocar o pé no seu quarto.

-- Ué! Por quê?

-- Se eu entrar lá, você sabe que eu não sairei antes de amanhecer e infeliz ou felizmente eu terei uma reunião com seu chefe amanhã de manhã para negociar os termos do projeto.

-- Eu não acredito que vai me trocar por ele?

Falei rindo.

-- Acredite, se fosse só por minha vontade, eu estaria lidando só com você e com o Carlos Eduardo.

-- Está bem, mas namorar um pouquinho no sofá pode?

Ela deu aquela gargalhada gostosa que eu adorava.

-- Há muito tempo que eu não namoro comportadinha no sofá.

-- Vai ser no sofá, mas quem te falou em comportadinha?

Ela deu outra gargalhada e foi me conduzindo até o sofá. Ela se sentou e eu sentei comodamente no colo dela. Aspirei o perfume em seu pescoço e segurei o lóbulo de sua orelha entre meus lábios para depois suga-lo.

-- Issssss! Ahh! Você não tem jeito, assim mesmo no sofá só vou sair daqui amanhã.

-- Essa é minha intensão.

-- Eu acredito.

Ela sussurrou. Meu sofá era um sofá chaise e assim conseguiríamos nos esticar e ficar confortáveis. Peguei o controle remoto do home teather, acionei e um som de blues começou a tomar o ambiente. Ela estava deitada comodamente e eu disse para ela me esperar que eu já voltaria. Fui até meu quarto, estava receosa do que iria fazer, mas pelas suas atitudes e a forma como fez amor comigo no fim de semana eu acreditava que ela iria gostar. Retornei a sala com um dildo e um prendedor na mão e a olhei maliciosamente. Se eu não quisesse convencê-la de usar, eu riria muito da expressão de seu rosto. Estava com os olhos enormes e a órbita ejetada.

-- Você quer usar isso em mim?

-- Não. -- sorri. -- Eu quero que você use em mim e com o tempo... Quem sabe... Você se sentirá cômoda para eu usá-lo em você. Mas só se você quiser e quando quiser.

Seus olhos passaram do espanto ao desejo em um tempo recorde.

-- Eu nunca usei um...

Enquanto eu me aproximava ela falava um pouco acanhada.

-- Você sempre teve homens. Não se preocupe, certamente você usará melhor esse, do que qualquer um deles usaria os seus próprios. Eles têm o equipamento, mas não sabem usá-lo. Não sabem o que fazer para satisfazer uma mulher...

Deitei por cima dela no sofá e comecei a beija-la deixando o dildo de lado. Ela retribuía a meus carinhos e começava a se soltar. Fui despindo-a devagar beijando as partes do corpo que eu desnudava. Ela começou a tirar minhas roupas também e a me beijar.

Seus gemidos estavam fortes e certamente ela pensava em como usaria ele em mim. Não me preocupava tanto, pois era só ela sentir a interação. Não tinha mistério e depois, quando ela estivesse excitada e percebesse a minha excitação, fluiria. A roupa tinha ido parar no chão, e nós já estávamos nos acariciando intensamente. A dor entre minhas pernas já estava insuportável. Beijava mais uma vez os lábios maravilhosos de Aghata que começava a dar sinais de que queria me penetrar com os dedos. Peguei o dildo com o prendedor ao lado e me afastei um pouco de seu corpo estirado. Ela viu a minha intenção de passar as tiras por trás dos seus glúteos para prendê-lo do outro lado e elevou o quadril para facilitar-me. Eu sorria e enquanto prendia pacientemente ela me olhava entre assustada e excitada. Apertei as tiras para ajustar melhor.

Com certeza ela gostaria de usá-lo. Ele tinha uma proeminência pelo lado de dentro que tocava o clitóris. Eu sorri quando eu apertei a correia e ela sentiu o roçar do dildo em seu bulbo de nervos e gemeu. Ela ficou vermelha. Para variar um pouco, não tinha sido eu a ficar envergonhada. Terminei de prender e me debrucei sobre seu tronco dobrando o dildo para frente, assim eu poderia recomeçar as minhas carícias. Beijei um mamilo muito eriçado e comecei a passear minha língua em volta dele. Passei ao outro seio e o ondular dos quadris de Aghata denunciavam que ela estava ficando excitada com minhas ações.

Encaixei-me sentada na parte alta de suas coxas quase em seu púbis, segurando o dildo em uma de minhas mãos entre minhas pernas. Sorri para ela e comecei a manipular o dildo. Os olhos dela pegaram fogo! Eu mesma não estava me aguentando mais na perspectiva dela me ter.

Deitei-me do lado oposto do sofá e estendi meus braços para chama-la para mim. Ela veio receosa e ao mesmo tempo entusiasmada. Quando ela se apoiou sobre mim eu abri minhas pernas e conduzi o dildo em direção a minha entrada, ela foi suave, parecia recear me machucar. Essa atitude me fez ama-la mais. Estava lubrificada e coloquei a extremidade em mim.

-- Vem... me penetra de vagar...

Minha voz era abafada e rouca de tesão. Ela forçou o dildo para dentro devagar e um pouco desajeitada. Essa ação poderia ser ruim se não fosse ela, se não fossem os seus braços fortes e bem delineados a me segurar, se não fosse seu dorso torneado e belo a me envolver, se não fosse o som de sua voz tremula a eu ouvir...

-- Ahhh! Que delícia...

-- Empurra mais um pouco, vai...

--- Uuuuhhh! Não estou te machucando?!

-- Nãoo... Vem!

Sussurrei outra vez ofegante. Ela começou num ritmo de vai e vem discreto e lento.

-- Uhhhh! Gostoso... mais forte! -- eu ofegava.

Ela pareceu esquecer toda a prevenção. Eu olhava e em seus olhos via que estava tomada de desejo. Movia sua pelve em um ritmo que me enlouquecia e eu arremetia contra seu sexo estreitando os movimentos. Eu parecia a sentir dentro de mim por ver seu corpo maravilhoso movimentando, suada, arfando, desejosa de mim. De repente senti algo que me levou a loucura e que nunca pensaria que nesse primeiro momento poderia acontecer por sua inexperiência com mulheres. Colocou uma de suas mãos sobre minha púbis e acariciava meu clitóris com seu polegar enquanto me penetrava. A outra mão passou por baixo de meus glúteos, entre as pernas e massageava entre a minha entrada preenchida com o dildo e meu anus.

-- Ahhh... Aghata... Aghata... Amor... Mais forte agora! Eu vou.... Estouuu... UUUUHHHH!!!

Desabei em um orgasmo intenso e gostoso! Uma delicia!

Amoleci e não posso dizer que sou boa amante, pois a partir do momento em que ela me estimulou em meu clitóris e cheguei ao meu clímax, não consegui direcionar uma só palavra de amor para ela, só gemidos e agora o meu corpo se encontrava completamente lasso. Ela retirou devagar o dildo ainda me fazendo estremecer. Estava sensível, mas vi que a afetou também. Seu corpo estava desabado por cima do meu e ficou imóvel por um tempo. Comecei a acariciar seu cabelo macio sem ao menos me dar conta.

-- Eu nunca imaginei sentir algo tão... Tão... Sei lá, não consigo nem descrever.

Ela disse.

Eu apenas sorri e perguntei onde ela havia aprendido amar assim.









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Capitulo 11

[18/08/12]



Aghata -- Capítulo XI – Afinal o que aconteceu?

Quando ela me convidou para namorar no sofá, fiz até uma brincadeira... Achei uma gracinha, mas quando ela se levantou, foi ao seu quarto e trouxe um objeto na mão... Um dildo! Me apavorei! O que ela queria? Eu gostei tanto de me relacionar com alguém que não tinha nenhuma relação de poder comigo! Eu recebia e dava, isso era bom!

Aí ela disse que queria que eu usasse nela, disse que se eu estivesse bem com aquilo, até poderia usar em mim, mas só se eu quisesse. Foi aí que eu vi que meu “pré-conceito” era infundado. Não existia relação de poder, havia só o dar e receber, o experimentar e curtir e se não curtisse... Não rolaria mais, não era imposto. Isso definitivamente nunca aconteceu com mais ninguém em minha vida. Aí minha imaginação foi até Júpiter e voltou. Senti uma vontade de senti-la por dentro incontrolável, mas como eu faria?!

Ela colocou o dildo de lado e começamos a nos acariciar, Já estava enlouquecida com a loirinha quando ela colocou o dito cujo em mim. Fui a júpiter e voltei novamente. Estava muito excitada e quando ela prendeu em mim, ele tocava meu clitóris supersensível e me derrubou!

Enfim ela conduziu, eu estava meio desajeitada, mas quando eu a penetrei, eu senti em mim cada movimento que eu mesma fazia e me perdia nas palavras que ela proferia. Resvalava para dentro dela macio e agradável e tinha uma emoção de estar em comunhão com ela. Era forte, poderoso e gostoso. Eu estava em meu limite e queria que ela sentisse o mesmo que eu sentia... Para mim não valia se fosse só para mim, era quase inconsciente, pois cada empurrão que eu dava e entrava nela, ela gemia e me deixava mais louca, quase a beira da irracionalidade. Comecei a acariciar seu clitóris para ela gozar comigo. Eu já estava quase lá. Estava me controlando, porque se não, eu empurraria com mais e mais força até me saciar de vez. Estava à beira do descontrole e acariciei também na parte de seus glúteos quase em suas entranhas, Ahhh! Ela estava gemendo e estava quente e molhada! Isso me deixou alucinada e inconsequente. Empurrava meus quadris mais forte e minha excitação atingia um grau que eu estava escorrendo meu próprio suco por minhas pernas. Era loucura e paraíso!

Ela gemeu seu orgasmo e eu desmoronei tremendo. Meu gozo chegou forte avassalador, quase um desconectar de minhas energias e razões. Joguei-me impotente sobre ela. Não conseguia levantar nenhum dedo sequer.

-- Eu nunca imaginei sentir algo tão... Tão... Sei lá, não consigo nem descrever.

Eu disse. Ela me colheu em seus braços sorrindo e me perguntou onde eu havia aprendido a amar assim. O fato é que eu nunca tinha realmente amado alguém e o meu trabalho ligado a ela começava a me incomodar. As coisas poderiam não sair exatamente como todos queriam...

xxxxxx



Já havia passado um mês. Tínhamos escrito o projeto e eu já tinha apresentado ele ao André e a junta da secretaria. De vez em quando eu via o Roberto e o Gustavo na secretaria para falar com o André, eles estavam ansiosos, mas eu já era mais que acostumada com o processo moroso desse tipo de investimento que a secretaria desempenhava, apesar de sempre me incomodar. Continuava a namorar a Paula e nos víamos todo dia. Ela nunca me perguntava o que estava acontecendo, ela era discreta. Nossa vida pessoal era uma e nosso trabalho era outro. Gostava disso. Sem pressões, sem expectativas exageradas e sexo muito bom! Aliás, o melhor que já tive em minha vida, se é que eu já tive algum sexo bom na vida antes dela.

Era quarta-feira e o André pediu para eu chegar cedo à secretaria, pois ele ia anunciar a saída dele da secretaria e me anunciar como a nova secretária. Esse seria o anuncio formal, só para a prefeitura, assinatura de papeis e trâmites burocráticos. Pensamos em fazer um anuncio depois para imprensa e divulgação também da candidatura dele para vereador. Lógico que faríamos uma festa para os empresários e buscar apoio político também, mas a faríamos depois com mais calma para a notícia assentar.

Cheguei à secretaria e tinha um burburinho danado com imprensa e tudo. Eles me assediavam e eu não estava gostando da imprensa ali. Eles me paravam a cada passo e perguntavam alguma bobagem só para colocar qualquer notícia em seus jornais. Se eles imaginassem que a sua futura secretária de ciência e tecnologia havia sido uma delinquente na adolescência e que encontrou o caminho da medicina através de um programa interno do instituto da infância e adolescência para delinquentes infanto-juvenis o que será que eles achariam? Eu ri do meu próprio pensamento. Seria mordaz se eu não tivesse me livrado de todo o meu passado para esquecer.

-- Senhora Munhoz! O que está achando de ocupar um cargo desse nível?

Eu parei e olhei bem nos olhos do interlocutor. Suspirei. Não valia apena ser tão rabugenta como eu costumava ser, começaria a me desgastar no cargo antecipadamente.

-- É um cargo de muita importância e demanda responsabilidades grandes também para com o nosso município. Estou orgulhosa sim, mas devo dizer que isso me deixa muito apreensiva, pois tenho que apresentar resultados nos próximos anos para quem paga o meu salário que é o povo.

Um burburinho se fez na antessala e eu emendei.

-- Senhores, eu estou atrasada. Devo me apresentar ao secretário, se vocês forem pacientes darei uma entrevista coletiva logo após a posse, com licença.

Entrei rápido no corredor da secretaria que levava a sala de André. Estava irritada. Abri a porta do André e vi que ele não estava só.

-- Bom dia André. O que está havendo aí fora? Não tínhamos combinado de convocar a imprensa em outra ocasião?

Não me importei com os dois empresários que estavam dentro da sala, pois era comum eles virem à secretaria a convite de André, sempre para angariar apoio.

-- Eu sei. Não fique tão irritada. Eu ontem à noite não tive tempo de te contatar, pois estava tratando de assuntos relativos ao lançamento da campanha. Mas... -- Ele suspirou. -- Os boatos ficaram mais intensos e eu achei por bem antecipar e dar a coletiva hoje de uma vez. Espero que você me acompanhe, pois você é parte disso e tem responsabilidades também.

Passei a mão por minha nuca, meus músculos estavam tensos.

-- Ok! Eu sei que eu tenho responsabilidades...

Depois de assinarmos todos os papeis para dar entrada no RH e ser enviado para assinatura do prefeito, fomos para o auditório. Tinha de tudo, até câmeras de tv.

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Paula

Eu estava no laboratório com o Cacá e ele estava me sacaneando, pois me encontrou no sofá nua com a Aghata no meu apartamento, é claro. O pior é que eu nem podia brigar com ele, pois quando ele queria dormir lá, depois que eu e Aghata começamos a namorar, sempre me perguntava se podia ou não ir. Eu tinha autorizado e tinha esquecido isso. Tinha se tornado comum eu e a Aghata irmos lá para casa namorar no sofá. Ela gostava de ir lá para casa, não sei porque, pois sua casa era maravilhosa. Ele retrocedeu assustado e voltou pela porta, eu me vesti e pedi para Aghata ir para o quarto. Quando ele entrou, parecia que sua bebedeira tinha se curado em um instante. Pediu-me desculpas, só que passado a noite ele não perdeu a oportunidade de me azucrinar.

-- Cara, você quer me matar mesmo, além de ver minha melhor amiga nua, ainda tinha uma gata muito gostosa em cima dela... ahahahahaha

-- Você quer parar de chamar minha namorada de gostosa. Amigo chama a namorada do amigo de gostosa?

-- Depende... Se pega ela nua... E depois eu sou seu amigo, mas não sou cego! E eu que achava que pegava gatas! Hahahahahah!

Lancei uma chuva de tapas no braço e ele se defendia rindo de nosso ritual quando o Roberto chegou ao laboratório.

-- Desculpa, chefe.

O Roberto balançou a cabeça não se importando muito. Ele já havia visto inúmeras vezes eu e o Cacá brincando. Eu sabia que ele achava criancice, mas ele não se importava muito.

-- O que foi, Roberto?

Eu perguntei.

-- Eu estava vendo o jornal da manhã no meu escritório e parece que eles vão transmitir uma coletiva do André e da Aghata. Ao que tudo indica é o anúncio da troca na secretaria. Vocês querem ir ver?

-- Claro!

Falei na hora. Já estava acostumada a não falar de trabalho com a Aghata. Sabia que ela não gostava de misturar o nosso relacionamento com o lado profissional, mas isso era demais! Pô, ela podia dizer que ia fazer o anuncio para eu poder ver, né! Isso eu ia reclamar com ela...

Fomos para o escritório do Roberto e sentamos no sofá e ele na sua cadeira, aos poucos o pessoal do laboratório chegava e ia se amontoando. Os termos do projeto já tinham sido conversados e aceitos pelas duas partes e estávamos só esperando a aprovação da secretaria e a homologação em diário oficial. Já tínhamos tido reuniões também no laboratório para distribuir as tarefas para a execução do projeto. Eu estava feliz, pois pela primeira vez eu teria um projeto idealizado por mim e que eu iria coordenar.

Começou a transmissão da coletiva e o André fazia um discurso de quão era importante o desenvolvimento de novas tecnologias e ele anunciou a sua saída e a entrada da Aghata na secretaria. Depois ele anunciou a sua candidatura a deputado federal. Deputado federal? Como assim?! Ele tinha falado o tempo todo na câmara de vereadores... Percebi um olhar de Aghata em direção a ele e por um breve momento achei que ela estava confusa também, mas ela tornou a olhar para o público e as câmeras impassível. Foi aí que o meu pequeno, mas agradável mundo desabou! Ele falou de um projeto que estava sendo lançado, descreveu nosso projeto, disse que esse projeto foi descoberto por Aghata e anunciou o idealizador do projeto. Para a minha surpresa, não fui eu nem o Cacá. Ele anunciou o Gustavo que entrou no palco aplaudido e cumprimentou a todos na mesa com um aceno de mão. Olhei a minha volta. Todos do laboratório estavam atônitos, inclusive o Roberto e... Bem eu não conseguia nem parar de olhar a tela, nem me mover para nada. O Gustavo disse que o projeto iria ser executado na Universidade Federal, com o apoio do futuro deputado federal André Carceiro e fez um discurso piegas sobre grandes ideias, força de vontade e amor à pesquisa. Eu olhava através da tela o rosto de Aghata que estava imparcial e as lágrimas escorriam pelo meu rosto. Uma dor profunda explodiu em meu peito e em minha cabeça eu só pensava como eu tinha sido uma grande idiota que foi ludibriada por uma mulher e seu colega de trabalho! Ela não era só uma mulher. Era a mulher que eu mais amei em minha vida!









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Capitulo 12

[22/08/12]



Capítulo XII – O mundo gira... O tempo passa...

4 anos depois -- Paula

-- Você não vai mais voltar não é Paulinha?

-- Está com saudades dos tapas que eu te dava, einh!

Eu sorria, gostava quando o Cacá me ligava. Estava morando no exterior em uma cidade pacata, mas tinha uma universidade muito boa ligada a todas as áreas de saúde onde fiz meu doutorado e agora dava aulas, além de fazer um curso de literatura medieval. Esse era mais um hobby do que outra coisa. Quando cheguei fui morar em alojamentos da universidade e trabalhava em um café para complementar a bolsa de estudos que eu tinha conseguido na própria universidade. Empenhei-me tanto para esquecer tudo que tinha deixado para trás, exceto o Cacá e meus pais, que terminei meu doutorado antes do tempo com honra ao mérito e fui convidada para dar aulas na própria universidade. Aceitei sem hesitar e muito feliz.

-- Agora vai ficar difícil, Cacá. Estamos em período letivo e ainda estou fazendo um curso.

-- Encontrei sua mãe e ela está morrendo de saudades!

-- Eu também estou com saudades dos meus pais Cacá, mas eles são teimosos. Já disse que enviaria as passagens, só que eles são bicho do mato e dizem que estão velhos demais para entrar em um avião!

-- E você também não é teimosa? Você não quer vir mais aqui!

Toda vez que ele falava em eu voltar, em meu peito batia uma tristeza e uma escuridão cobria meu coração.

-- Você sabe que não dá.

Falei categórica.

-- Meu deus, Paulinha! Esquece isso, essa mulher nem foi vista mais por aqui. Ela nem assumiu a secretaria naquela época, você não corre o risco de encontra-la...

-- Não importa Cacá, eu não consigo mais ver esse lugar... Eu não consigo nem mais pensar em voltar para esse país. Olha! Eu gostaria de te ver, se você quiser, quando você entrar de férias eu te ajudo na passagem e você fica aqui em casa. Eu só não gostaria que você continuasse me forçando...

-- Está bem. Você é teimosa mesmo, “tô” vendo que vou ter que fazer o sacrifício de viajar para o exterior as suas custas, mas se eu gostar, você vai ter que bancar.

Ri novamente, o Cacá conseguia me dar leveza, mas conseguia também cutucar a minha ferida.

-- E aí? Como é a mulherada aí? Tá pegando muito?

-- Bom, se você gostar de branquela e loira que nem eu, você vai amar isso aqui. Se você gostar de frio e gelo quase o ano inteiro, você vai gostar também... Mas tem uns pubs super legais e o povo bebe até cair.

-- Legal. Bebida, friozinho e mulher, nada mal. Mas falando sério, te liguei por dois motivos; um é que eu estava com saudades e sabia que não ia te convencer a vir; o outro é que o Roberto conseguiu que o instituto pagasse uma passagem para eu participar da conferência que você vai dar de gestão de projetos na área de tecnologias para o movimento humano. O que você acha disso?

-- Ei, que legal cara! Vou ver sua cara feia de novo! Eu tô super feliz! Quando você vai vir? A conferência é semana que vem, mas você podia agendar a passagem para uns quatro dias antes e a gente matava a saudade!

-- Você acha que eu já não fiz isso, ô mané?! Saio daqui, na quarta-feira a noite, são umas 11:00hs de viagem, mas pelo fuso devo chegar aí ao meio dia. Vou mandar por email o voo e os horários. Vai ter que me tratar como um rei, einh garota! Vai ter que me levar nuns lugares legais para eu pegar muita mulher e ainda me ceder sua cama!

-- Que nojo! Levar nuns lugares legais tudo bem, mas ceder minha cama para sacanagem sua, nunca! Hahahaha!

-- Tá bem! Eu suporto o seu desprezo pela minha pessoa. Eu te amo mesmo assim...

Combinamos tudo e desligamos. Na quinta-feira eu já o pegava no aeroporto. Abraçamo-nos e eu chorei muito ao reencontrar meu amigo. Além de minha família, ele foi o único que eu mantive contato. A única pessoa da minha velha vida que eu confiava. Levei-o em um restaurante fora da cidade que eu adorava. Era rustico, rustico só não, era bem diferente também. O restaurante foi construído dentro de uma caverna. Isso mesmo, caverna. Os portões de madeira pesada e ferro fundido eram chumbados na entrada da caverna e bem em cima, uma placa com o nome do estabelecimento: “Caverna das Valquírias”.

-- Que maneiro!

-- Você vai gostar da comida também. Coisinhas bem leves como javali assado e ensopado de pato.

Eu ri quando ele colocou a mão na barriga. Sabia que ele adorava essas comidinhas pesadas e diferentes. Entramos e nos sentamos em uma mesa próxima a uma lareira escavada na pedra.

-- Cara, que saudade de você!

-- Também morri de saudade, Cacá! No início eu praticamente chorava todo dia...

-- Você chorava todo dia porque você quis se isolar. Acho que foi bom a nível profissional. Hoje seu nome é falado até lá, mas você não permitiu a gente compartilhar isso com você.

-- Você sabe que eu não podia voltar, eu nem consigo hoje pensar em voltar, que dirá naquela época! Foi uma facada nas costas e tanto!

-- Mas eu não te esfaqueei, nem o Roberto ou qualquer outro do laboratório a não ser aquele canalha do Gustavo!

-- Você não, mas todo mundo via que ele era o maior baba ovo e não fazia nada, no entanto todo mundo adorava a bajulação dele e ainda por cima dava crédito as fofocas que ele fazia...

-- Cara, apesar do que eu via naquela época, eu acho que o Roberto não se tocava para isso. Ele apenas era vaidoso e acabava ouvindo o canalha. Ele levou um puxão de tapete e tanto, quase que ele perdeu a chefia por conta daquilo. Depois ele passou mal e esteve até internado.

-- Eu não sabia disso.

-- Você se isolou e não quis nem me ouvir durante um tempo. Todo mundo ficou mal, mas ele ficou tão abalado que na semana seguinte do que aconteceu, quando você pediu exoneração, ele deu um negócio qualquer e parou no hospital.

-- Meu deus! Eu não queria causar isso tudo!

-- Você não causou nada. Todo mundo comentou que o Gustavo foi um cretino inescrupuloso e isso que levou o Roberto a quase enfartar. Depois ele se afastou para se recuperar, mas quis voltar a trabalhar. Ele disse que não valia a pena ficar remoendo em casa.

-- Não foi só o Gustavo que foi cretino, não. O André e a vagabunda da Aghata!

Eu estava alterada e quase gritei.

-- Não fale dessa forma, você não é assim.

-- E como eu devo chamar a mulher que foi comigo para a cama e depois me passou a rasteira?

-- Sabe Paula. Na época eu estava com muita raiva e pensava assim também. Mas eu soube tempos depois, por fontes seguras, que ela nem chegou a assumir a secretaria. Não deixou nem que os papeis que havia assinado para assumir fossem despachados para o prefeito assinar. Falaram que ela rasgou na frente do André e cortou relações com ele e ela o considerava como um pai.

-- Eu não quero mais ouvir Cacá. Não me importa o que ela fez depois, me importa que ela consentiu com tudo naquela entrevista. Naquele momento, ela estava de acordo. Se depois ela se arrependeu eu não sei, mas não vou conseguir mais dar meu coração inteiramente a uma mulher por culpa dela.

-- Está bem, está bem... Não vamos mais falar nisso, porque eu quero é saber se você vai me apresentar umas gatas amigas suas.

Cacá mudou de assunto rapidamente e eu consegui relaxar. Depois do almoço fomos para casa e eu fiz a cama no quarto de hospedes para o Cacá dormir. Ele estava realmente cansado da viagem e eu voltei para a faculdade, pois tinha alguns alunos de mestrado ainda para orientar.

Apesar de estar feliz com meu reencontro com o Cacá, constatei tristemente que aquele assunto ainda mexia comigo. Nesses quatro anos cheguei a ficar com umas três garotas, mas só por uma noite. No dia seguinte eu me sentia vazia, seca e acabava inventando uma desculpa para não encontra-las novamente. No ultimo ano, minha solidão e meu vazio foram tanto que cheguei a sonhar com as noites de amor que tive com Aghata. Acordava suada e literalmente molhada entre as pernas, no entanto minha raiva por ainda sentir essa emoção, mesmo em sonho, era tanta, que chorava horas a fio até adormecer novamente. Eu queria sentir-me livre disso, mas nunca encontrei essa paz. E agora o Cacá me dizia coisas que poderiam mexer com o casulo confortável que eu criei para mim.

Esses assuntos não permearam mais as nossas conversas e os dias foram passando agradáveis e eu não estava mais tão sombria na alma como nos últimos anos. O Cacá era realmente um amigo especial.

O congresso começou e eu dei minha primeira palestra e logo após participei de uma mesa redonda. Havia uma mulher sentada no extremo da sala que me olhava com atenção e muito intensamente. Comecei a me incomodar, pois seu olhar era de escrutínio, mas ela nada perguntava. Quando passamos ao coffee break me aproximei dela, pois estava intrigada com a mulher. Ela parecia ser mais velha do que eu apenas uns três anos e eu comecei a pegar um café ao lado dela tentando ver o nome em seu crachá. Ana Maria Fragoso. Não me lembrava de ninguém com esse nome.

-- Está gostando do círculo de palestras?

Perguntei para tentar me aproximar. Ela olhou para mim e sorriu um sorriso franco e estendeu sua mão para se apresentar.

-- Muito interessante embora não seja a minha área. Meu nome é Ana Maria Fragoso. -- Segurou o seu crachá. -- E sua palestra realmente foi muito interessante.

-- Você disse que não é a sua área. Qual a sua área?

-- Sou ginecologista-obstetra.

-- Realmente não está muito perto de sua área. Mas a gestão de projetos em si, pode ser aplicada a qualquer área. Espero que esteja aproveitando algumas coisas, mas por que se inscreveu nesse congresso?

-- Na realidade eu estava aqui na universidade para visitar umas áreas relacionadas à pesquisa em genomas, foi quando eu vi o mural anunciando este congresso e bem... Uma amiga minha é médica de fronteiras, médica comunitária em países pobres e como ela já havia falado seu nome e havia falado de sua competência, resolvi assistir, já que vou ficar mais dois dias esperando ela chegar... Quando disse que viria para cá, ela resolveu me encontrar, pois há muito tempo que não nos vemos, mas ela só poderá vir depois de amanhã, então... Aqui estou!

Ela sorriu e seu sorriso era aberto e sereno. O staff anunciou que as palestras iriam começar novamente e eu me despedi dela com um aperto de mão. Foi agradável. Não pensem que senti nada a nível sexual, aliás eu estava começando a pensar que nunca mais sentiria tesão por ninguém na minha vida. Como se eu estivesse marcada em meu corpo a ferro com o calor do corpo de Aghata. Os meus sonhos com ela me mostravam isso. Como se não bastasse ela ter quase estragado minha vida profissional outrora, continuava estragando a minha vida sentimental.

Terminei de assistir as palestras ao lado de Cacá. Quando terminou levantamos e fomos caminhando para próximo da parede que dava para a porta. Todos pareciam estar com pressa e paramos para que o tumulto diminuísse. Perguntei se ele queria sair. Que pergunta idiota, ele sempre queria sair.

-- Aonde você vai me levar?

-- Estava pensando num pub aqui perto, a gente nem precisa de carro.

-- Eu topo. Depois a gente volta de metrô assim como viemos.

-- Foi isso que pensei até porque, a gente não pode chegar tarde, pois amanhã tem uns caras legais que eu quero assistir no congresso.

-- Caxias!

-- Malandro!

-- hahahahaha

Rimos ao mesmo tempo. As brincadeiras voltaram a acontecer entre nós muito rapidamente e a convivência era tranquila e agradável. Chegamos ao pub. Apesar de ser verão, as noites eram frias. O Cacá chegou esfregando as mãos.

-- Nossa! Essa cidade não esquenta nunca não?

-- Não. No inverno as temperaturas vão abaixo de zero.

-- Que aconchegante. Só por isso tenho que pedir algo para esquentar.

-- Que tal chocolate quente?

Abri um sorriso fingindo, como quem falava sério. Ele riu dizendo que não caia mais nessa.

-- Eu vou pedir uma vodca.

-- Pois eu vou pedir um Bourbon.

-- Que chique! Mudou muito einh, garota! Você não tomava mais que duas cervejas e só gostava de vinho.

Eu baixei a cabeça, porque nunca mais tomei vinho. Essa era minha bebida preferida, mas era a bebida preferida da Aghata também. Lembrava-me muito ela...

-- É... Acho que aqui a gente precisa de coisa mais pesada.

Ele me abraçou. Acho que percebeu o que eu sentia.

-- Não fica assim. Não vamos estragar a noite, tá bom?

-- Falou. Então vamos beber.

Pedi meu Bourbon e ele a sua Vodca. Sentamo-nos em uma mesa nos fundos e ficamos conversando até que ele olhou para a porta e viu alguém entrar.

-- Não olha agora, mas acabou de entrar aquela mulher lá da palestra que você disse que era ginecologista. Eu acho que ela tá atrás de você.

-- Deixa de ser bobo! Todo mundo da faculdade indica esse pub para os visitantes. Na certa ela pediu uma informação de um lugar para ir e falaram sobre esse pub.

-- Ela se sentou no bar e está de costas para a gente. Vê se não é ela mesmo?

Eu me virei para reparar e realmente era ela. Estava sozinha e tomava sua bebida com a cabeça baixa.

-- É ela mesma. Deve estar querendo tomar só alguma coisa. Pelo jeito não quer dar papo para nenhum estranho.

-- Vai lá chama-la para cá!

-- Por quê?

-- Ora, porquee... Porque você conversou com ela e ela não deve conhecer ninguém. Cadê sua hospitalidade?

-- Me esqueci dela do outro lado do planeta.

-- Ah! Para! Você não consegue ser assim nem que você morresse e reencarnasse.

Eu sorri e olhei novamente para a tal da Ana Maria.

-- Tá bom! Eu vou lá.

Levantei da mesa e fui ao encontro dela. Toquei seu braço de leve para não assustá-la e dei um sorriso quando ela me olhou.

-- Oi!

-- Oi!

-- Eu vi que você chegou sozinha e eu e meu amigo estamos com uma mesa ali. -- Falei apontando para a mesa. -- Você quer se sentar conosco?

-- Claro! Eu estou cansada e sentar nesses banquinhos altos não é muito confortável. Mas não vou atrapalhar vocês?









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Capitulo 13

[25/08/12]



Capítulo XIII – O mundo gira e olha o que acontece!

Ana Maria

Havia acabado de visitar o laboratório de genoma e tomava notas mentais para eu pesquisar algumas coisas que me foram faladas. Não sei por que, quase no automático, parei de frente a um mural com avisos no corredor da faculdade e me distrai lendo-os. Meu olhar bateu bem em cima de um nome anunciado para dar uma palestra em um congresso na própria faculdade. “Paula Atanar”!

-- Deus! Que coincidência! Não pode ser!

Fui até a secretaria e peguei o roteiro do congresso e eu lia-o incrédula. “Em tanto lugar para ir e eu vim parar logo no lugar onde ela se escondeu”. Tomei uma decisão. Voltei à secretaria e me inscrevi no congresso em que ela palestraria. Queria conhecer pessoalmente a mulher que foi o céu e o inferno de minha amiga. No dia seguinte cheguei ao congresso cedo, pois seria ela quem abriria. Assisti a sua palestra de abertura e me impressionou a sua competência. Continuei a observá-la atenta e entendi porque Aghata se apaixonou por essa mulher. Além de bonita e competente, ela era simples, despojada, delicada e era um belo paradoxo entre força e suavidade. Notei que ela me olhava com certa desconfiança. Ok! Também olharia com desconfiança alguém que reparasse nos mínimos detalhes todos os meus gestos. Mais uma vez, impulsivamente resolvi que queria conhece-la. Quem sabe eu não poderia ser a fonte à por um fim em todo esse desastre. Certamente eu não conseguiria, pois as dores eram muitas e muito profundas também. Eu não exporia a minha amiga a uma nova desilusão se eu percebesse que não haveria a menor chance.

No coffee break, eu me postei bem próximo de onde ela estava para que ela me visse. Na certa com toda insistência de meus olhares ela viria falar comigo. Se isso não resolvesse eu arranjaria uma desculpa qualquer para falar com ela. Meu coração estava acelerado, parecia até que era eu quem estava apaixonada por ela, mas descarga adrenérgica é isso mesmo. Estava nervosa e ansiosa para fazer o contato. Ela se aproximou e nos apresentamos, mas tudo foi muito rápido e superficial. Eu precisaria achar outra forma de me aproximar. Ao final das palestras e me coloquei propositalmente entre a cortina e a parede em que ela se encontrava com seu amigo e descaradamente agucei meus ouvidos para escutar a conversa dos dois. Eles iriam a um pub ali próximo e por sorte eu sabia onde ficava. Tinha ido no dia anterior indicado por um dos pesquisadores do laboratório. Disfarcei e fui para o tolete para deixa-los ir. Cheguei ao pub e logo os vi sentados em uma mesa de fundo. O amigo dela olhava para mim e falava alguma coisa para ela. Só faltava ela achar que eu estava dando mole para ela. Não me importava, os fins justificavam os meios, não é isso que dizem?

Ela me convidou para sentar e conversamos coisas amenas. Decidi dizer de que cidade eu era, pois sabia que isso ficaria explicito em breve pelo rumo da conversa. Notei que ela se contraiu a minha revelação. Aí estava a resposta que eu buscava. Ela fugia de seu passado, não queria se lembrar, nem ter contato com ele. Primeiro sinal de que ainda doía, portanto ela ainda não havia esquecido nem o que houve, nem o seu amor e dor. Mas o Cacá era extremamente simpático e amenizou o clima.

-- Você é casada? -- Ele me perguntou.

-- Não, separada.

-- Que bom! Quer dizer, que chato.

Eu ri de seu entusiasmo. Ele para mim era um menino. Disse que tinha 29 anos e eu tinha 37. Não tinha esse tipo de preconceito, além do mais ele era bonito e inteligente, mas não queria ser a conquista da noite. A Paula riu também e mandou ele se tratar, pois não podia ver mulher.

-- Qual é, Paula? Tá queimando meu filme?

Eu ri mais ainda por que o garoto era abusado e não perdia o rebolado.

-- Onde você está hospedada?

-- No Raven Tower. Por quê? Vai me dar uma carona?

Ele estava me paquerando e eu estava gostando. Poxa! Eu também não sou de ferro. Já era meu terceiro drink e estava há um ano sem transar. Desde que me separarei a dois anos, tive dois caras ruins de cama e de conversa. Resolvi fechar para balanço, mas agora minha libido estava aflorando. Não podem nem me chamar de pedófila, porque ele é maior de idade. Comecei a esquecer do por que eu estava ali.

-- Não vai dar, ele me falou desanimado. Estamos a pé também.

-- Por que não vamos de táxi? -- A Paula falou. -- Assim eu fico em casa, que é no meio do caminho e o Cacá te acompanha para você não ir sozinha. Não é mesmo Cacá?

-- É claro! Muito boa ideia, Paula!

-- Não quero dar trabalho, além do mais, se formos de táxi, não haverá necessidade de o Cacá me acompanhar.

-- Claro que tem! Eu não ficaria sossegado de deixar uma mulher como você ir sozinha à uma hora dessas! Você não conhece a cidade e muita coisa pode acontecer...

-- Tá decidido. Vamos de táxi e o Cacá te leva.

Eles tinham uma cumplicidade e tanto. A Paula preparava o terreno e o Cacá caia matando. E vocês querem saber de uma coisa? Eu amei tudo. Estava doida para dar uns beijos na boca desse garoto!

-- Está bem. Eu aceito!

-- Ótimo!

Os dois falaram juntos e eu ri muito. Outra coisa nessa história toda é que eu tinha gostado muito da Paula. Era uma mulher verdadeira, só que carregava um olhar triste e eu bem sabia por quê. Não era supersticiosa, mas comecei a acreditar em destino naquele momento e pensei que às vezes ele era cruel. Foi cruel com ela e foi cruel com minha querida amiga Aghata.

Cheguei ao hotel e chamei o Cacá para tomar mais um drink em meu quarto. Estava nervosa, pois não costumava fazer esse tipo de coisa. Pelo menos não depois da época de faculdade, mas esse garoto estava me provocando um monte de coisas. Inclusive perder o foco inicial da minha abordagem para com eles. Nesse momento o pensamento em Aghata e Paula corria a léguas de mim. Passei uma das noites mais maravilhosas da minha vida. O Cacá sabia o que fazia mesmo! Nós chegamos na hora do almoço ao congresso mais que sem graça. Mas a Paula era muito descolada e quando nos viu, veio de encontro a nós com um sorriso aberto, nos sacaneando, porém sem sarcasmo.

-- Como passaram a noite? Não me digam, realmente não quero saber.

Fez um gesto com as mãos para que não falássemos nada e nós todos rimos.

-- Não queria deixar vocês sós no congresso, mas eu vou dar a palestra de encerramento, então não vou acompanhar o congresso à tarde, porque tenho que ajustar algumas coisas na palestra.

-- Não tem problema Paula. A gente entende. Fica sossegada.

O Cacá falou.

-- Ok! Então eu vou terminar de preparar na minha sala. Vejo Vocês mais tarde!

-- Tchau!

Virei-me para o Cacá e ele a olhava com certa tristeza no olhar.

-- Há quanto tempo vocês se conhecem?

-- Há pouco mais de cinco anos.

-- Você gosta muito dela, não é?

-- Eu a amo, mas não no sentido homem-mulher. Ela é minha melhor amiga, mas meu sentimento por ela é de irmão, ela é minha parceira de vida.

-- Acho que ela sente o mesmo por você... Quantas vezes ela te ajudou a levar uma mulher para a cama?

Ele me olhou sorrindo, mas estava todo tímido também. Eu achei isso uma gracinha nele.

-- Pra falar a verdade, quando morávamos na mesma cidade, sempre.

-- Que dupla de canalhas que vocês são!

Dei um tapa no ombro dele fingindo indignação. Ele me abraçou por trás e beijou meu pescoço me causando arrepios.

-- Mas nunca quis dormir junto e acordar no dia seguinte para encarar a mulher com quem eu saí.

Entendi o que ele quis dizer, pois com os dois homens com quem eu saí depois de meu marido, eu mesma acionei o meu celular naquela função de troca de toque e disse que tinha uma chamada de emergência no hospital para ir para casa ainda de madrugada, pois não queria ver a cara dos indivíduos. Não me sentia confortável com eles e não queria começar nenhum relacionamento com eles.

O Cacá me cobriu de carinhos e gentilezas o resto do dia. Eu até estranhava. Estava desacostumada com isso. O único homem de minha vida que tinha feito mais ou menos isso tinha sido meu marido e mesmo assim ele não era muito cavalheiro. Foi até carinhoso no início de nosso casamento, mas depois que tivemos filhos isso esfriou, eu esfriei também, para falar a verdade. Não posso culpar só o Zé Mauro.

Vimos o resto das palestras e por fim, a Paula entrou e deu uma palestra de fechamento magnífica. Admirei-a mais. Realmente a Aghata tinha deixado a sorte escorrer pelos seus dedos.

-- E aí? Como fui?

-- Ótima! Tem duvidas ainda?

-- Não. Era só para massagear meu ego.

Todos nós rimos, porque ela não falava de uma forma arrogante, falava para sacanear mesmo.

-- O que vamos fazer?

Eu perguntei.

-- Vamos jantar e depois vocês podem fazer o que quiserem, porque eu estou morta e quero ir para casa dormir.

-- Qual é Paula? Vai deixar a gente na pista?

-- Vou. Vamos logo procurar um lugar para comer.

Ela sabia dar corte. Nem deixou margem para eu e o Cacá protestarmos.

-- Amanhã eu saio com vocês, tá bom assim?

-- Não. Mas sei que você é cabeça dura mesmo!

Ela estava de carro e nos levou para jantar num restaurante muito bom que ficava perto de um lago. Depois nos deixou no hotel e foi embora. Lá pelas tantas eu e o Cacá já estávamos esgotados da nossa maratona sexual e íamos dormir. Bateram em minha porta, coloquei um robe e o Cacá disse que ia abrir junto comigo já que era muito tarde e não tinha sentido ninguém batendo a minha porta em um hotel àquela hora. Eu concordei, pois achei muito esquisito mesmo. Quando abri a porta, levei um susto.

-- Aghata!

-- Aghata?!

-- Cacá?!

Precisava desfazer aquela confusão, principalmente com o Cacá. Não esperava que a Aghata fosse chegar àquela hora e muito menos bater em minha porta. Tinha me afeiçoado ao Cacá, que merda! Me afeiçoado, não, estava começando a gostar muito dele, e não queria que ele pensasse que eu o usei.









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Capitulo 14

[29/08/12]



Capítulo XIV – Porque eu tinha que perder...

4 anos depois -- Aghata

Depois que eu me dei conta que deixei o grande amor da minha vida escapar, eu abandonei tudo. Briguei com o André, me inscrevi em um programa de auxilio para levar a medicina a povos carentes e sem esperança de vida. Uma das coisas que mais me entristecia era o fato do André ser uma das pessoas responsáveis por eu ter conseguido muita coisa na vida e ao mesmo tempo ele ter colaborado para eu perder o que mais foi precioso para mim. Só colaborado, pois eu sabia que grande parte da responsabilidade era minha. Fui eu quem se deixou levar por ele. Não justifica, mas eu confiava nele em tudo. Uma das poucas pessoas que eu ainda mantinha contato e considerava era a Ana. Essa sim! Ajudou-me e me apoiou em tudo que decidi fazer depois daquele dia fatídico. Auxiliou-me a tirar um pouco da sombra que se fez dentro de mim depois que perdi a Paula. Dela eu tinha saudades e resolvi me encontrar com ela em uma cidade de interseção em nossos caminhos. Chegaria dali a dois dias e tinha reserva no mesmo hotel que ela. Passaríamos quase quinze dias juntas. Eu estava realmente precisando disso, estava ansiosa para vê-la.

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Cheguei ao hotel e fiz meu check in. Perguntei sobre o nº do quarto da Ana Maria Fragoso, pois ela estava me esperando e o rapaz da recepção a muito custo acabou me falando. Havia chegado de madrugada, mas queria fazer uma surpresa para ela. Provavelmente ela iria me esculachar por acordá-la àquela hora e eu já ria de antecipação. Bati a sua porta e fiquei esperando ela levantar. Escutei uma conversa dentro do quarto e fiquei imaginando se eu não estaria sendo intrometida. E se ela encontrou alguém para aquecer sua cama? Já ia me retirar quando a porta abriu e... Fiquei branca! Pasma! Estarrecida!

-- Aghata!

-- Aghata?!

-- Cacá?!

Eu olhei para a porta do quarto e quase enfartei! Meu coração batia forte e meu sangue pulsava em minhas têmporas. O que o Cacá estava fazendo ali no quarto da Ana Maria e com aqueles trajes?

-- Aghata, vai para seu quarto que eu te explico depois. Cacá, entra que eu preciso conversar com você.

-- Ah não! Você não vai me deixar do lado de fora sem entender o que está acontecendo!

Impedi que ela fechasse a porta e entrei e o Cacá me olhava igual a uma assombração. Não era para menos, se eu fosse ele me olhava com uma raiva de fazer gosto. Quando eu entrei a Ana passou do desespero para a calma em um segundo falando para que nos sentássemos. O Cacá ia falar alguma coisa e ela disse para ele escutar que ela explicaria tudo, mas se não a interrompêssemos. Assim ela conseguiu nossa atenção e nosso silêncio.

-- Muito bem. O que acontece é o seguinte Cacá. A Aghata é minha amiga desde a faculdade e há mais ou menos quatro anos não a vejo por acontecimentos que permearam a história dela e da Paula.

-- E a minha também!

-- Calma e não me interrompa!

O Cacá engoliu a fala. A Ana Maria quando queria saiba se impor com uma aura de autoridade que até eu calava minha boca. Ela suspirou para retomar a calma e a sua linha de raciocínio.

-- Ela caiu no mundo depois daquilo, deixou tudo e a todos. Quando eu soube que vinha para cá por conta de umas pesquisas em genoma humano, entrei em contato por email com ela e pedi para me encontrar aqui. Vim para cá, visitei o laboratório e por pura coincidência, li o anuncio do congresso. Bem, eu reconheci o nome da Paula e como nunca a conheci eu resolvi me inscrever para ver quem era a mulher pela qual minha amiga se apaixonara...

-- Apaixonara? Ela acabou com a vida da Paula naquela época!

O Cacá falava furioso defendendo a Paula e vocês querem saber de uma coisa? Eu gostei. Gostei de saber que a Paula não passou por tudo sozinha, gostei de saber que ela tinha um bom e fiel amigo.

-- Fica quieto, Cacá! Deixe-me terminar e aí você poderá tirar as suas conclusões.

Ela falou novamente com aquela aura de autoridade e ele se calou.

-- Bom, como eu disse, eu queria ver quem era a mulher pela qual minha amiga se apaixonara, acabamos nos conhecendo e eu realmente vi que a Paula e você eram pessoas que não mereciam ter passado por tudo que passaram sem saber a verdadeira história.

-- Então você armou pra gente? Você armou para mim?

-- E você é onisciente? Anda lendo pensamentos e tem certeza plena dos sentimentos de uma pessoa? O que aconteceu depois entre eu e você aconteceu por eu estar atraída por você e pelas suas reações você também estava atraído por mim! Não fiz nada sozinha.

Nunca pensei ouvir isso da boca de uma mulher. Esse tipo de frase de efeito eu sempre ouvi de homens. Quase gargalhei. Minha amiga era demais mesmo.

-- Não pretendia aparecer com a Aghata. Iria falar com você primeiro, mas esse ser! -- Ela apontou para mim. -- Cisma em estar nos lugares errados e na hora errada. Cacá me diz com sinceridade. Você acha que se ela estivesse de acordo com tudo que se passou naquela época, ela desistiria da secretaria e de tudo no mesmo dia? Ela foi passada para trás pelo André também! Brigou com ele logo após aquela entrevista que ele armou as pressas e depois ela rasgou os papeis de sua admissão na secretaria. Ela não compactuava com aquilo. Nem sabia o que ele estava aprontando! Foi procurar a Paula e você mesmo a escorraçou, a Paula sumiu e ela caiu numa depressão de fazer gosto que só eu vi!

Eu estava de cabeça baixa e ele me olhou mais ameno.

-- Depois daquilo tudo, apesar dos esforços da Aghata tentar falar com a Paula e com você sem sucesso, ela se inscreveu em um programa de auxilio a povos carentes e vive de um lugar para o outro sem rumo. Essa é hoje a vida da Aghata.

Cacá estava abalado também. Baixou a cabeça, mas ainda estava com raiva.

-- Então você se aproximou de nós para resolver os problemas da Aghata com a Paula?

Ele perguntou quase num sussurro. A Ana suspirou novamente e sentou ao lado dele.

-- Confesso que me aproximei por isso, mas não fiquei com você por conta disto.

Ela quis afagar o seu cabelo e ele levantou bruscamente.

-- Vou me vestir.

Ele estava de robe. Pegou as suas roupas em cima de uma poltrona e se encaminhou para o banheiro. Mais uma confusão tinha se formado por minha causa. Para mim as coisas tinham ficado um pouco pior. Estava achando que em qualquer lugar que eu fosse eu disseminava dor. Eu e Ana não nos falamos, mas quando o Cacá saiu eu abri minha boca pela primeira vez.

-- Então ela está aqui?

-- Está Aghata, mas não a procure. Eu mesmo tenho que pensar em tudo isso direito.

Ele saiu sem olhar para nós, nem falou com a Ana.

-- Desculpa, eu estrago tudo mesmo!

-- Você não estraga nada, Aghata. Eu mesma errei me aproximando dos dois sem falar quem eu era. Mas por outro lado, pelo menos ele ouviu o seu lado das coisas.

-- É. Mas você estava se divertindo e eu atrapalhei. Ele é bom mesmo, ou você estava só se divertindo? Ele arrotava que era bom horrores naquela época que eu conheci.

-- Minha amiga! Acho que eu virei papa-anjo! Me apaixonei!

-- Hahahaha, então o cara é bom mesmo?!

-- Uma delicia! A “passa morta” que eu tinha lá em casa não chega nem aos pés!

Rimos muito, nos abraçamos, mas fomos dormir, pois estávamos exaustas. Ela por conta do Cacá e eu pela viagem. Combinamos de tomar café juntas.

Acordei quase na hora do almoço. Estava muito cansada da viagem e depois do meu encontro com o Cacá, acho que minha adrenalina não me deixou dormir muito rápido. Liguei para a Ana e ela tinha acabado de tomar banho também. Marcamos no restaurante do próprio hotel.

-- Você acha que o Cacá vai ligar?

-- Não sei Aghata, agora está por conta dele.

Seus olhos estavam pesados.

-- Você estava gostando dele?

-- Estava começando a gostar... Muito...

-- Eu sinto muito!

-- Não sinta tanto. Apesar de ter sido só dois dias, eu me enrolei também. Quando comecei a me envolver, eu devia ter contado.

-- Você não tinha como saber a reação dele.

-- Mas eu sabia que ia dar craca de um jeito ou de outro, e a honestidade é o melhor jeito sempre.

-- Que belo par nós estamos formando, einh?

Ela sorriu para mim e começamos a contar como nossas vidas correram durante esse tempo.



Paula

No dia seguinte do congresso esperei o Cacá aparecer e ele nada. Sei que ele é homem e que estava com a Ana, mas poxa! Custava avisar que não viria nem para o almoço? Acho que estava ficando velha, porque nas minhas áureas épocas com ele eu nem me importava. Quando saia com mulher ele só chegava à segunda feira no trabalho. Sorri nostálgica já terminando o almoço. Escutei a tranca da porta e me voltei sabendo que era o Cacá que entraria. Minha casa era toda aberta na parte de baixo com uma grande varanda que dava para o jardim e uma cozinha americana. De fechado só tinha o lavabo fechado. A sala de jantar e o living room eram apenas separados por desnível. Ele entrou e quando eu ia sacanear reparei seus olhos tristes e seus ombros baixos. Quando andava dava para ver que estava bêbado. Tampei a panela e baixei o fogo para ir de encontro a ele e ampará-lo.

-- Ei Cara! Na época que a gente andava junto você só ficava bêbado quando não pegava mulher! O que houve?

Ele me olhou e começou a chorar falando coisas sem nexo. Assustei-me, pois nunca tinha visto o Cacá tão arrasado quanto agora. Só o vi assim quando aconteceu aquilo com nosso projeto. Ele me abraçou e chorou mais.

-- Eu sou um idiota mesmo. Tanta mulher e fui me meter logo com ela. O pior é que eu gostei dela, Paula! Por que ela fez isso?

Não sabia do que ele estava falando, mas me pareceu que ele levou um toco daqueles. Ele sempre saia com mulher e nunca se interessava, acho que agora se interessou e ela não. Só podia ser isso.

-- Vamos. Vou te levar para o quarto e você vai tomar um banho, comer alguma coisa e dormir.

Ele me acompanhou sem resistência. O deixei no banheiro de seu quarto e desci para fazer um prato para ele. Tinha feito espaguete à bolonhesa que era sempre o que comíamos quando estávamos juntos e ele chegava tarde. Subi e ele estava já de banho tomado e deitado.

-- O que houve Cacá?

-- Eu tô ruim agora, Paulinha. Deixa eu comer e dormir e depois a gente conversa.

Deixei-o sozinho e fui almoçar, ele parecia que estava mal mesmo.

Quando chegou a noite, eu estava lendo um livro, sentada na varanda e ele desceu as escadas já refeito. Ele sentou em uma poltrona chaise a minha frente sem me encarar.

-- Paulinha! Quando você se apaixonou pela Aghata, você achava que ela era uma pessoa integra, não foi?

Apesar do assunto me incomodar, eu sabia que ele estava me perguntando por alguma coisa que tinha acontecido com ele.

-- Foi Cacá. Eu acreditei nela.

-- E por que você acreditou? Quero dizer. Alguma coisa ela tinha que você sabia que era bom...

-- Eu me enganei Cacá. Só isso.

-- Eu não acredito, você sempre conseguiu perceber se as pessoas prestavam ou não. E você gostou também da Ana.

-- O que tem a Ana? O que aconteceu para você chegar daquele jeito?

-- Não muda de assunto. O que você achou da Ana?

-- Como o que eu achei?

-- Você achou ela legal?

-- Achei, mas isso não tem nada a ver com eu achar legal e realmente ela ser legal. Como você mesmo lembrou, eu achei a Aghata legal também.

-- Como eu te disse antes, não estou certo se fizemos o julgamento correto a respeito da Aghata. Soube que ela largou tudo e foi clinicar em países pobres. Entrou para um programa comunitário.

-- O que está havendo com você agora, Cacá? Você viu o que ela fez...

-- Não. Eu vi uma entrevista e o André falando junto com o Gustavo. Ela não se pronunciou nenhum minuto.

-- Mas estava lá e consentiu que isso acontecesse.

-- E se ela não sabia como todos da cidade comentaram depois? Ela não assumiu a secretaria e brigou com ele! Talvez você esteja se martirizando durante anos por não ter conversado com ela!

-- CHEGA CACÁ!

Descontrolei-me. Não queria mais ouvir uma coisa que já me machucava há anos e que sinceramente, não acreditava.

-- Essa conversa já deu!

-- Cara, você continua a mesma teimosa! Vê se pensa um pouco e talvez você pare de sofrer!

Eu levantei e fui subindo as escadas.

-- Não tô afim.

-- Eu vou sair.

-- Boa noite!

-- Teimosa!

-- Irritante!

Cacá bateu a porta e eu não estava entendendo porque que ele estava com aquela conversa. Se ele queria mexer dentro de mim ele conseguiu. Não parava de pensar na possibilidade de ter jogado fora minha felicidade se realmente tivesse sido um grande mal entendido. Pela primeira vez me permiti pensar em como e onde estaria Aghata. Mas esses pensamentos doíam também, pois tudo que eu senti naquele dia e tudo que eu passei dali para frente retornaram tão vivos quanto estar respirando naquele momento.

Tranquei-me no quarto e deitei para que o sono viesse, mas simplesmente não conseguia. Virava-me de um lado para outro e as lembranças das coisas boas que passei com Aghata e da sua traição povoavam minha mente como fantasmas. Levantei com a impossibilidade de dormir e fui à cozinha para fazer um chá. O que Cacá disse começava a fazer cosquinhas na minha consciência. Seria possível que eu estivesse tão enganada com o que aconteceu naquela época? Eu não queria admitir, mas estava começando a amolecer com a mínima esperança de Aghata não ter sido tão canalha comigo. A verdade é que eu gostaria muito que ela não tivesse sido tão canalha e pensar que eu poderia ter errado em meu julgamento chegava a ser um conforto, mesmo que isso tenha me afastado tanto. Mas eu não poderia me dar a esse luxo, pois o tempo não retornaria e eu me machucaria mais ainda.

Ana Maria

Chegamos de uma visita ao parque municipal, já era noite. Quando fui pegar as chaves do meu quarto, o recepcionista avisou que tinha um senhor chamado Carlos Eduardo me esperando no bar do hotel. Meu coração deu um salto e minhas esperanças retornaram. Não estou falando em relação a Aghata, estou falando em relação a mim mesma. A Aghata se eu pudesse ajudar eu ajudaria depois. Desculpem-me, tá! Mas pelo menos naquela hora eu gostaria de ser um pouquinho egoísta, queria pensar em mim primeiro, por que o garoto mexeu comigo mesmo! A Aghata também era uma pessoa muito perceptiva e sorriu para mim me dando força. Disse que iria para o quarto e para que eu avisasse se não precisasse esperar para jantar. Ela deu um beijo em meu rosto e eu fui ao encontro do homem que estava fazendo meu coração bater mais forte.

Eu o vi sentado em uma mesa com a cabeça baixa. Aproximei-me e acariciei seu cabelo. Fiquei feliz que ele não tenha me repudiado. Rodeei a mesa e sentei a sua frente.

-- Ei!

--Oi!

-- Presumo que você não esteja muito bem, principalmente por ter que lidar comigo e com a Paula.

-- Ela é minha amiga e eu sinto que a estou traindo!

-- Então conte para ela.

-- Contar o que? Que eu estou gostando da amiga da mulher que a sacaneou?

-- Então... Você gosta de mim?

Seu olhar era de pura confusão. Parecia estar avaliando seus próprios sentimentos. Estava deixando uma carga muito grande em cima dele. Resolvi aliviar a sua barra e ao mesmo tempo ajudar nessa situação.

-- Vamos fazer o seguinte. Vamos falar juntos com a Paula.

-- Vamos contar toda a verdade? E se ela achar que você foi desonesta, se achar que não deve te escutar?

-- Calma Cacá! Não estou superestimando a minha habilidade de convencimento, mas eu posso dizer que sou uma pessoa bastante persuasiva.

Olhei para ele e sorri. E ele abriu um largo sorriso para mim.

-- Então você é muito persuasiva, né?!

Ele segurou a minha nuca e me puxou para um de seus beijos maravilhosos que eu já estava sentindo falta. Fiquei quase sem folego!

-- Acho que você também tem um poder de convencimento ótimo!

Meu coração estava feliz. Achei que nunca mais ia encontrar um cara legal e inteligente com o qual eu pudesse me relacionar. Estava quase resignada quando o Cacá apareceu e fiquei apreensiva pela sua diferença de idade com relação a mim, mas só nas primeiras horas, é bem verdade. Nunca fui uma mulher preconceituosa com relação aos outros então por que seria com relação a mim? E depois a diferença de idade não era tanta assim, era?

-- Vamos jantar?

-- Eu gostaria de chamar a Aghata, se não, ela vai acabar jantando sozinha. E depois, acho que você tem muito para saber o que aconteceu verdadeiramente naquela época pelo lado dela e o que ela passou depois. Assim você poderá tirar as sua próprias conclusões.

-- Está bem.









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Capitulo 15

[01/09/12]



Capítulo XV -- O que eu faço?

Aghata

Já tinha tomado meu banho e estava muito ansiosa por saber que a Paula estava na mesma cidade que eu. Eu já imaginava minha vida só e estava resignada. Mas agora isso, a Paula perto acelerava o meu coração. O destino tratou de me por próximo a ela e meus sentimentos retornaram com toda a força. Continuava a amando intensamente e só a possibilidade de me esbarrar em qualquer esquina com ela me deixava atordoada sem saber o que fazer. Escutei alguém bater em minha porta e fui atender. A Ana estava junto com o Cacá me chamando para jantar. Eu fiquei feliz, afinal eu teria a possibilidade de me explicar para um cara que na época confiou em mim...

-- Vamos sim. Onde vocês querem ir?

-- Vamos comer aqui no restaurante do hotel mesmo. Acho que ficaremos mais confortáveis.

A Ana comunicou.

-- Está bem. Vamos descer.

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-- Então ele estava em contato com o Gustavo e não falou nada para você?

-- Eu não sei muito bem a história da parte dele, mas pelo que eu pude perceber em nossa discussão, o Gustavo o procurou depois de o Roberto visitar a secretaria a primeira vez junto com ele.

-- Ele deu ouvidos ao Gustavo?

-- Olha Cacá, a única coisa que eu soube através do André é que ele achava o Gustavo mais articulado e um melhor representante para o projeto e ele disse que sabia que eu não admitiria passar o projeto para ele antes de assumir. Ele disse que queria que eu pensasse melhor a respeito da renúncia. A questão é que por tudo que eu vivi com o André e tudo que ele me ensinou, para mim foi uma pedrada na testa. Eu nunca imaginaria que ele se venderia, muito menos por tão pouco. Ele nunca havia se mostrado desonesto para comigo. Mas depois que eu renunciei, soube de inúmeras coisas que ele fez por baixo dos panos e nunca me disse. Isso realmente acabou comigo.

-- Que droga de destino! A Paula amargou, eu amarguei e você amargou por conta disso! Mas a Paula ficou muito mal e está muito receosa e altamente precavida. Todas as suas atitudes são pensadas e ela não confia em mais ninguém. Ela não consegue ser rude, mas é cética com relação às pessoas. Nem voltar mais para ver os pais ela voltou.

Eu fiquei triste por saber que aquela garota meiga, cheia de vida e alegria tinha se fechado em parte por minha causa, afinal, eu a coloquei em contato com aquele sonho.

-- Cacá, eu só gostaria que ela soubesse o que se passou verdadeiramente. Eu não tenho mais esperanças que ela volte a gostar de mim, mas saber que ela acha que eu compactuei com aquilo, me faz muito mal.

-- Com toda a sinceridade, Aghata, eu acho que ela nunca deixou de te amar. Mas acho que ela ficou muito machucada também. Hoje antes de sair, eu conversei com ela e ela quase me mandou calar a boca.

-- Aghata. – Ana falava pela primeira vez. – Eu e o Cacá queremos conversar com ela.

-- Não.

-- Não!!

Os dois falaram ao mesmo tempo.

-- Não, eu não quero estragar o relacionamento de vocês. Já basta nós duas sofrermos. Não diga que é minha amiga, Ana. Pelo menos por enquanto.

-- O que pretende fazer?

-- Eu não sei ainda, mas quero encontra-la sem vocês se meterem. Qual o horário que ela vai para a universidade Cacá?

-- Todo dia de manhã de 08:00 as 13:00hs. Mas eu não quero mentir para ela Aghata!

-- Você não vai mentir. Só me dê até quarta-feira. Dê-me dois dias apenas, se eu não conseguir me aproximar dela para falar, aí então você fala.

-- Eu não vou dar mais do que isso, Aghata. Gosto muito da Paula para ela ficar sem querer falar comigo.

-- Eu concordo com o Cacá Aghata. A Paula está reticente demais. Não acho que se você aparecer sem mais ela lhe dará ouvidos.

-- Cacá, você poderia falar com ela que me viu na cidade, em uma loja... não sei... Apenas para ela saber que eu estou por perto.

-- Eu não sei não, Aghata...

O Cacá passou a mão pelo rosto demostrando apreensão e desgosto por enganar sua amiga.

-- Cacá pense que estamos apenas tentando acertar quatro anos de nossas vidas.

-- Está bem, falarei com ela hoje ou amanhã de manhã, mas não darei mais do que até quarta-feira. Também quero voltar a ver minha amiga feliz sem essa aura de tristeza que nunca mais saiu de seus olhos, mas não quero enganá-la.

Eu sorri. O Cacá era um cara especial e fiquei feliz por minha amiga tê-lo encontrado.

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Paula

Não conseguia dormir e já eram mais de duas horas da manhã. Seitei para terminar de ler meu livro na varando quando eu vi o Cacá entrar. Algumas coisas estavam rondando a minha cabeça e eu queria saber por que ele chegou daquele jeito na hora do almoço e por que me disse aquelas coisas no fim da tarde.

-- Cacá, você poderia vir aqui?

Ele chegou meio cabreiro e estava um pouco perturbado.

-- Senta aqui, vamos conversar.

-- Paula eu...

-- Cacá só me fala o que aconteceu. Por que você está desse jeito? Eu fiz alguma coisa?

-- Paula.

-- A Ana fez alguma coisa para você?



-- PAULA! Eu vi a Aghata aqui na cidade!

Uma grande granada havia caído em minha cabeça e eu desejei não ter pressionado o Cacá para me falar o que eu ouvi. Fiquei abobalhada, atônita e completamente fora do mundo. “Aghata aqui”? Meus pensamentos faziam tanto sentido como uma sopa de letrinhas.

-- Eu vi a Aghata em uma loja de conveniência.

-- E daí?

Eu falei, mas a realidade era outra. Na minha cabeça o “e daí” era “e agora”? Passei tanto tempo achando que eu estava protegida e... e... Eu não sei mais nem o que pensar.

-- Paula, você não acha que é hora de enfrentar tudo isso? Você não acha que é hora de saber tudo que aconteceu que ainda está encoberto? De saber o que houve realmente e seguir a sua vida com mais tranquilidade?

-- Enfrentar o que? E depois talvez eu nem a encontre...

-- AHH! Dá um tempo! Você é muito teimosa! Eu vou dormir que é o melhor que eu faço...

-- Cacá fica. (¨¨) Eu tô com medo...

Ele voltou e me abraçou. Eu não estava só com medo, eu estava apavorada. Depois de anos tentando me convencer que eu era uma fortaleza e que enfrentaria qualquer coisa em minha vida, o meu pequeno castelo ruiu. A verdade é que eu enfrentaria qualquer coisa, nunca mais ninguém me faria sofrer, mas a Aghata eu esperava nunca mais ver em minha vida. Ela eu não conseguiria enfrentar nunca!

-- Vamos subir. Eu fico com você para você dormir.

Fomos para meu quarto e ele deixou que eu ficasse encolhida em seu colo.

Não sei que horas o Cacá saiu de meu quarto. Eu estava tão exausta das emoções que nem o vi sair. Levantei-me e fui tomar um banho e me arrumar para ir à universidade. Quando eu desci o Cacá tinha feito um belo café da manhã para tomarmos. Eu já estava melhor e tomei a decisão de que nada do que pudesse acontecer me abalaria. Afinal de contas eu era uma mulher ou uma ratazana?

-- Bom dia! Eu acho que vou fazer a linha indefesa e carente mais vezes. Isso aqui tá muito bom!

O Cacá sorriu alegre por me ver de bom humor.

-- Não acostuma. Eu só tive um pequeno acesso de piedade.

-- E quando for um grande acesso de piedade? Você vai me pagar um jantar com champagne?

Ele me jogou o pano de prato e nos sentamos rindo para comer.

-- Vou à universidade, mas às duas horas eu estou de volta. Você vai almoçar comigo?

-- Não sei Paula. Eu marquei com a Ana para a gente andar por aí hoje de manhã, talvez eu não volte na hora do almoço.

Gostei de saber que o Cacá estava se interessando por alguém por mais de dois dias. A Ana devia ser uma mulher legal.

-- Tudo bem, mas me dá uma ligada porque se você não vier eu devo dar uma passada em um grupo de leitura que eu estou frequentando.

-- Onde é esse grupo, é lá na universidade mesmo?

-- Não, é numa livraria no centro chamada “Arte, Espadas e Conquistas”. É de literatura medieval, por que? Você quer frequentar?

-- Huumm, não. Muito papo cabeça para mim. Gosto de coisas lógicas e isso é piegas demais para a minha humilde cabecinha absorver.

Ele continuava debochado e eu atirei um pedaço de pão de forma nele.

-- Ei! Agressão com comida é pecado!

-- Preferia que fosse a xícara?

-- Você tá muito violenta. Já pensou em fazer tratamento psiquiátrico?

-- Não. Desisti no dia em que vi meu melhor amigo dormindo de cara no vaso. Percebi que eu era muito normal.

-- Dormir de cara no vaso depois de uma noitada é perfeitamente normal.

-- No seu mundo com toda certeza é.

Levantei e peguei a minha bolsa e uns papeis do mestrado.

-- Você é perversa, pois joga com meu lado frágil.

-- Isso não é fragilidade é sem vergonhice.

Sai rindo dele.

Aghata

O Cacá foi ao hotel de manhã e disse que a Paula estaria na faculdade e depois iria para um circulo de leituras em uma livraria. Sai e dei um passeio pela cidade a esmo, só para conhecer, almocei e já passavam de três horas de tarde. Quantas horas um circulo de leituras poderia levar? Fui para a livraria para me encontrar “casualmente” com ela. Rondei pelas prateleiras e me interessei por um romance de uma guerreira grega. Peguei o livro e fui até o balcão para pagar e obter informações.

-- Você tem algum lugar em que eu possa ler aqui mesmo e tomar um café?

-- Sim, temos essa pequena cafeteria aqui ao lado do balcão.

Ele apontou.

-- Disseram-me que vocês tinham salas para leitura?

Joguei para saber de onde ela sairia.

-- Ãh... Não. Nós não temos salas para leitura individuais. Temos círculos de leitura que funcionam diariamente ali.

Ele apontou uma porta no outro lado do balcão.

-- Mas hoje já começou, se quiser participar começam todos os dias as 14:00hs.

-- Ok! Obrigada, por hoje eu me contentarei com as poltronas na cafeteria.

-- Fique a vontade.

-- Obrigada.

Despedi-me do rapaz simpático e fui me sentar em uma poltrona que dava livre acesso a visão da porta das salas.

Fiquei lendo a tarde toda, já tinha tomado uns três cappuccinos e um expresso. Passavam das seis e meia da tarde e apesar de até ter me interessado pelo livro, ele já estava molhado de suor das minhas mãos, tamanho o grau de minha ansiedade. Vi a porta se abrir e as pessoas saírem de dentro do reservado. O que quer que eu tenha pensado anteriormente se perdeu por completo na minha mente perante a visão da mulher que povoava meus sonhos e esperanças, minhas tristezas e alegrias durante anos. Só encontrava alento nos sorrisos de homens, mulheres e crianças esquecidos por toda a humanidade, que necessitavam de minha ajuda e meus conhecimentos médicos. Mas a simples visão da mulher mais bela e brilhante que eu conheci em toda a minha vida enchia meu coração de calor.

Fechei o livro de súbito quando a vi se despedir de todos e se encaminhar para as fileiras de prateleiras da livraria. A livraria estava vazia, pois estava praticamente fechando. Andei entre as prateleiras observando fascinada a graça e suavidade de seus gestos, seu sorriso ao ver um livro do qual a interessava. Ela caminhava para o final do corredor em que estava e eu a acompanhava do outro lado da prateleira, quando ela virou a esquina do corredor nos encaramos. Seu olhar era de assombro e deixou que seu livro caísse no chão. Meu medo era que ela corresse, mas estava estática, talvez pelo imprevisto de nosso encontro. Abaixei devagar e peguei o livro que havia caído para entregar-lhe. Que grata surpresa quando o entreguei, o titulo era o mesmo do livro o qual eu lia.

-- Intrigante personagem, ela é forte, mas entrega seu coração rapidamente a fragilidade dos amantes.

Ela deixou o livro em minhas mãos e precipitou a retornar pelo corredor sem dizer qualquer coisa. Segurei seu braço e a trouxe para perto de meu corpo, eu queria abraça-la, beija-la. Deixei o livro cair, passei um de meus braços por sua cintura e com a outra mão segurei sua nuca trazendo sua boca para perto da minha. Sussurrei entre seus lábios.

-- Corri o mundo atrás de sua lembrança, só quero que você saiba que nunca te traí, nunca quis te magoar e ainda hoje, amo-a com todas as minhas forças.

Beijei-a e seu corpo tremia em meus braços. Nossas bocas se uniram em um beijo sôfrego e cheio de promessas. Mas ela se desvencilhou de repente me deixando órfã de seu acalanto e correu para fora da livraria. Não a segui. Apesar da forma aparentemente segura com que agi, eu estava muito nervosa, minhas pernas estavam bambas e minha mente estava embotada pelos sentidos que o beijo despertou em mim. Como eu podia amá-la ainda mais? Era tão forte o que eu sentia que parecia que ela estava dentro de minha alma. Ao mesmo tempo em que era maravilhosa a sensação, eu sentia medo pela falta dela. Voltei para o hotel, mas antes liguei para o celular de Ana pedindo que me encontrasse lá. Quando cheguei o recepcionista disse que Ana e o Cacá estavam me esperando no restaurante.

-- Boa noite.

-- Você a encontrou?

O Cacá perguntou agitado.

-- Sim. -- Eu sorri.

-- E como foi? Fala logo!

A Ana sempre impaciente.

-- A abordei na livraria e a beijei.

-- VOCÊ O QUEEE?

Os dois falaram ao mesmo tempo quase gritando chamando a atenção de todo o restaurante.

-- Vocês querem falar baixo.

Senti-me como se estivesse nas nuvens e contei toda a história.

-- Aghata, não leva a mal não, mas você está brincando com os sentimentos dela. Ela está muito mexida desde ontem e você aparece do nada e ainda dá um beijo nela para ela pirar mais ainda!

-- Cacá eu não quero que ela fique mal, mas quero que ela pense no que se passou conosco com outros olhos. Tá certo! A parte do beijo eu confesso que posso ter exagerado, mas...

-- Mas?

-- Eu não resisti. Ela está mais maravilhosa do que antes e eu a amo muito!

Acho que o Cacá estava rindo da expressão de imbecil que eu tinha no rosto, mas não me importava em absoluto.

-- Amanhã eu tenho uma entrevista com ela na universidade.

-- O QUE?????

Os dois gritaram novamente.

-- Shiiiiii, vocês querem falar baixo! Estão me matando de vergonha.

-- Você tá maluca? Ela não vai te receber.

-- Vai sim, pois eu marquei diretamente com o reitor dela. Disse que era médica sanitarista, o que não é mentira, hoje em dia eu sou médica sanitarista e disse que era biomecânica também. Disse que havia assistido a uma palestra dela há um ano, isso também não é mentira, eu realmente assisti, mas ela nunca soube. E que me interessei em um método de aprendizagem motora que ela havia descrito. Falei que fazia trabalhos comunitários e que era muito importante para eu falar com ela, mas só teria amanhã, pois iria embora depois de amanhã. Ele se convenceu e mandou a secretária marcar na agenda dela a entrevista.

-- E o que você pretende falar? “Oi Paula! Quanto tempo! Você sabe que errou na opinião a meu respeito e eu vim aqui para esclarecer!”

-- Não sei Cacá, mas não vou desperdiçar essa oportunidade, se ela não me ouvir, se ela achar ainda que sou uma cafajeste, eu tiro meu time de campo e vou embora, mas não quero viver com a sombra de que eu poderia ter esclarecido tudo e não o fiz.

-- Gente, eu não sei quem é mais cabeça dura, você ou ela.

-- Só queria pedir para você ir hoje para casa, pois realmente não sei como ela ficou.

-- Nem precisa pedir, já estava pensando nisso.









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Capitulo 16

[03/09/12]



Capítulo XVI -- Feridas abertas, o que fazer?



Paula

Cheguei em casa no automático. Desde ontem pensava o que eu faria se a visse na rua ou em qualquer outro local publico, nunca pensei que pudesse esbarrar com ela em local tão reservado. Apesar de pensar no que Cacá me falou a respeito dela, estava com muito medo. Medo de fraquejar e aceitar conversar com ela, medo dela me convencer que nada fez e principalmente medo de mim. Medo de ceder aos sentimentos que estavam trancados dentro de mim e afloravam fortes como uma tormenta. Ela me beijou e eu me senti nas nuvens como há muito tempo não me sentia. “Meu Deus! Eu ainda a amo e não consigo tirar isso de mim”! E se eu acreditar nela e ela me machucar novamente? Não! Eu não posso permitir!

Sentei na varanda procurando um sentido em tudo. Levei meus dedos aos meus lábios sentindo ainda o gosto da boca de Aghata. Por que ela tinha que ter um beijo tão maravilhoso? Que droga! Ela não podia ter mau hálito? Ela não podia ter aquele beijo baboso horrível que deixa o nosso rosto todo melado? Mas nãaao! Tinha que se encaixar perfeitamente a minha boca e fazer do jeitinho que eu gosto! Que droga! Que droga! Que droga! Recostei na chaise e rememorei alguns momentos de nossas vidas. Cada coisa que eu pensava me deixava mais indecisa sobre que rumo tomar na minha vida. Estava em um lugar que eu gostava de trabalhar e era reconhecida pelo meu trabalho. Não podia simplesmente deixar tudo para trás novamente por conta de um passado mal assombrado. Escutei a chave na porta da frente e vi o Cacá entrando.

-- Oi!

-- Oi!

-- Como foi seu dia?

-- Ótimo. -- Ele falou -- E o seu?

-- Péssimo. Quer dizer, até às seis horas da tarde foi ótimo, mas depois...

-- E o que houve depois das seis?

Eu suspirei.

-- Eu encontrei a Aghata.

-- Antes do que você imaginava, umh? Aqui entre nós, esta cidade não é tão grande assim.

-- É. Mas sinceramente eu não achava que seria tão cedo.

-- E o que houve?

-- Ela me abordou falando que não me traiu e não me esqueceu.

-- E?

-- E o que?

-- Só isso? Ela não falou mais nada, você também não disse nada, simplesmente ela falou isso e foi embora?

Suspirei novamente.

-- Ela me segurou e me beijou.

Cacá ficou em silêncio como que esperando que eu concluísse. Na realidade não sabia se eu queria concluir.

-- O que foi?

-- Eu estou esperando. Preciso perguntar? Tá bom eu pergunto. Ela te beijou e você não fez nada? Ela te beijou e você a agrediu? Ela te beijou e você saiu correndo? Ela te beijou e você gostou e retribuiu? Ela te beijou e o que?

-- Cacá você sabe ser irritante! Tá legal, ela me beijou e eu adorei, só depois saí correndo!

-- Hahahahahaha! Pelo menos aproveitou. Hahahahahaha!

Comecei a rir também. O Cacá fazia piada até da desgraça.

-- Ai Cacá! Eu, tô tão confusa... Eu não quero mais mudar de cidade, eu não quero mais mudar de vida, mas eu não sei se tenho estrutura para enfrentar. Eu não a quero de volta na minha vida, pois nunca vou ter a segurança de que ela está falando a verdade. Ela disse que não fez, mas e daí? Eu vi com meus olhos, ela estava lá! Ela não disse nada contra e permitiu que o nosso projeto se fosse!

O Cacá suspirou.

-- Paulinha, o fato é que você não vai andar se você não encarar. Nem que seja para ver que realmente é isso que você quer. Você nem volta mais para sua cidade para ver seus pais que você tanto ama!

Suspirei e o Cacá percebeu que eu não queria mais comentar nada. Conversamos sobre outras coisas até que o Cacá foi dormir e eu fui obrigada a me deitar, pois na manhã seguinte teria uma visita de uma médica que meu reitor marcou. Nem sabia do que se tratava. Ele marcou depois que saí da universidade e me ligou, mas se ele marcou julgou importante. Tomei um banho e me deitei. A conversa com o Cacá me relaxou mais, no entanto ainda sentia o calor do corpo de Aghata no meu.

-- Que praga de mulher! -- Esbravejei.

Levantei novamente e fui para a varanda de meu quarto fumar. Não fumava mais como antigamente e nem fumava em meu quarto, aliás nunca gostei de fumar em meu quarto, pois apesar de achar que o cigarro era relaxante, não gostava do cheiro que ficava em minhas roupas e em meu quarto. A noite estava fria como sempre e aspirei o cheiro da noite. Toquei meus lábios novamente me lembrando do beijo perturbador e gostoso que Aghata havia me dado.

Quanto mais eu pensava e tentava colocar alguma razão em tudo que aconteceu, menos eu conseguia. Fui ferida, fiquei destroçada e foi só ela surgir em minha frente falando meia dúzia de coisas que poderiam perfeitamente ser ditas da boca para fora que eu balancei. Sacodi a cabeça tentando esquecer aquele assunto, eu só queria dormir. Tomei um remédio relaxante e fui dormir. Lá pelas altas horas comecei a sonhar com Aghata. Estávamos em sua casa e ela fez um jantar para mim, dizia que aprendeu a cozinhar só para me fazer uma surpresa. Segurou-me em seus braços e iniciou um beijo muito melhor, muito mais arrebatador, muito mais ardente que qualquer outro que eu já tivesse compartilhado com ela ou com qualquer outra pessoa. Depois começamos a nos despir e ela falou com aquela voz rouca e sensual. “Vamos fazer um amor gostoso e depois você irá embora, pois seu projeto é o que me interessa”!

-- NÃAAAAOOOO!

Despertei gritando e suada daquele sonho louco e desesperador. O Cacá entrou correndo no quarto e me amparou.

-- Calma! Eu tô aqui. O que houve?

-- Sonhei...

Suspirei para voltar com a minha respiração, me abracei ao Cacá. Comecei a chorar soluçando desesperadamente. Novamente eu me sentia idiota, enganada e perdida. Não podemos dar importância aos sonhos, só representa nossos medos, isso é o que muitos de vocês estrão dizendo agora, mas vai sonhar e sentir como se fosse verdade!

-- Não foi nada. Só tive um pesadelo.

-- Fica calma, eu tô aqui com você. O sonho foi alguma coisa relacionada a Aghata?

O que eu poderia dizer ao Cacá? Ele me acharia uma completa imbecil. Ia dizer que eu estava sonhando só porque a aparição da Aghata foi repentina e me pegou de surpresa. Forcei a minha calma para parar de chorar, quando meu pranto estava quase controlado, repeti que tinha sido só um pesadelo e que já estava bem.

-- Pode ir dormir Cacá, estou bem realmente. Obrigada!

O Cacá se levantou um quanto desconfiado de minha atitude, mas se resignou e saiu do quarto. Voltei a me deitar, mas não voltei mais a dormir até o amanhecer. Na hora de ir para a universidade me levantei e me preparei, agradeci a Deus pelo Cacá estar tão cansado que não conseguiu levantar para o nosso café matinal. Não queria conversar, meu humor estava péssimo e eu estava a ponto de desabar.

Cheguei à universidade cedo e a secretária da pós-graduação já estava lá. Eu nunca consegui chegar antes dela, nunca entendi, parecia que ela nunca saía daquela mesa.

-- Bom dia Ingrid!

-- Bom dia Srta. Atanar, sua visita já se encontra na sala. Acho que ela não quis se atrasar e acabou chegando cedo.

-- Não tem problema. Melhor atendê-la cedo mesmo, pois hoje tenho três alunos para atender após as dez horas.

-- Quer que eu leve um café para a srta e sua visita?

-- Não precisa Ingrid, não é a sua função.

-- Não tem problema srta, sabe que é um prazer para mim!

Os olhos de Ingrid brilhavam e sua voz era melosa. Ingrid era uma aluna da universidade e trabalhava como secretária da pós-graduação para ter uma bolsa integral e ganhar algum no fim do mês. Sabia como era importante o trabalho para ela, mas às vezes eu me irritava. Já tinha notado inúmeras vezes certo interesse e algumas insinuações, mas definitivamente me envolver com uma aluna era o que eu menos queria. Seria dor de cabeça na certa, além de achar falta de ética. Por vezes poderia até acontecer de alunos e professores se apaixonarem e sentirem amor um pelo outro, mas já vi muitos professores usarem da posição para aproveitar da fragilidade emocional que causam em alunos e depois descarta-los. Os alunos não são ingênuos, não. Não é isso que eu penso, mas são sugestionáveis pela posição, pela admiração e até pelo conhecimento do professor. Nós, os professores, é que temos que dar os limites. Se acontecer uma paixão, um amor inelutável, não sou contra. Mas um relacionamento baseado só na atração é incompatível com a nossa função, até porque é uma relação desigual e de poder. Ignorei como sempre o seu apelo sensual como se eu não percebesse.

-- Obrigada, Ingrid.

Falei polidamente, mas já me encaminhando para minha sala. Abri a porta e entrei fechando a porta atrás de mim. Olhei para dentro e percebi que a visita estava sentada na poltrona à frente de minha mesa. Parecia ser uma mulher alta, pois conseguia ver parte de sua cabeça sobre o espaldar da poltrona.

Como era mesmo o nome da mulher? Deus! Com tudo que aconteceu ontem comigo eu nem perguntei o nome da mulher para meu reitor e nem perguntei para Ingrid.

-- Srta. Desculpe... Meu reitor marcou a entrevista, mas não me falou seu nome.

Ela se levantou e...

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Aghata

Deus! Eu estava sentada há quinze minutos, mas parecia uma eternidade. E se ela me expulsasse de lá? E se ela chamasse os seguranças? E se ela berrasse e não quisesse nem me ouvir? Minha ansiedade e insegurança cresciam nas mesmas proporções em que o tempo passava. Sabia que ela não era totalmente imune a mim, tanto quanto eu a ela, principalmente depois do beijo de ontem, mas sabia que a dor e a decepção ainda assolavam seu coração. Um coração integro, da mais pura beleza inundada pela inocência. Ninguém deveria nunca em sua vida magoa-la, e eu o fiz. Eu estava tão absorta em meus pensamentos que não a ouvi chegar. Atinei-me só quando ela falou comigo atrás de mim.

-- Srta. Desculpe... Meu reitor marcou a entrevista, mas não me falou seu nome.

Levantei-me e... Deus! Ela está desmaiando! Corri ao seu encontro para ampara-la antes que caísse. Se não fosse pelo momento, ficaria olhando-a em meus braços na sua mais sublime e magnífica beleza. Carreguei-a até um sofá no canto da sala e depositei-a delicadamente. A secretária chegou com uma bandeja com um bule de café, xicaras, adoçante e açúcar. Ela quase derrubou tudo, depositou rapidamente a bandeja na mesa e se aproximou ajoelhando e fazendo carinho no rosto da Paula. “Mas que inferno é isso que ela está fazendo?” Fiquei olhando sem entender e atônita.

-- Srta Atanar?! Paula?! Acorde! O que houve?!

Ela parecia tão desesperada quanto eu e isso me incomodou terrivelmente. “Será que...? Nãoo... Não pode ser! Paula nunca se exporia a isso dentro da universidade. Será?!” Paula começou a acordar.

-- Ingrid?! O que...?

-- Entrei para trazer o café e a Srta. estava desmaiada aqui no sofá... Com a Srta. Munhoz a amparando...

Ela olhou para mim como quem dissesse; “O que você fazia com ela em seus braços”?

Paula me olhou meio atordoada e eu gelei com a possibilidade dela me por para fora, afinal, eu estava em seus domínios.

-- Está tudo bem, Ingrid. Só tive uma indisposição.

-- Quer que eu faça alguma coisa? Quer que eu remarque sua entrevista para outro dia?

A secretária me olhou como se dissesse: “Se você fez algo a ela eu te mato”!

-- Não Ingrid, está tudo bem mesmo. Foi só uma indisposição, pois eu não dormi muito bem a noite, mas já estou melhor e talvez o café me faça bem. Pode sair que eu estou bem e certamente o reitor marcou essa entrevista por achar o assunto sério.

Dessa vez foi o olhar de Paula que dizia que se eu estivesse ali com qualquer assunto fora do interesse profissional, ela me matava. A secretária se retirou a contra gosto.

Olhamo-nos no olho e eu me perdia nos verdes vivos de sua alma. Eu entrava por eles. Ela ainda estava deitada e ameaçou levantar.

-- Você está bem para levantar.

-- Eu não estou bem em lugar nenhum em que você esteja, assim que, não adianta perguntar isso. É um tanto quanto redundante.

Levantou-se de súbito e se eu não a segurasse ela se asilaria atrás de sua mesa se tornando inacessível a mim. Não queria amedronta-la ou intimidá-la, mas se não a detivesse, talvez perdesse minha chance de me colocar perante tudo que passamos. Ela olhou para minha mão em seu braço e voltou a olhar meus olhos segura.

-- Por favor, você poderia largar o meu braço. Vou chamar a segurança se você não se comportar condignamente em minha sala.

-- Só quero conversar com você sem reservas. Você não vai me ouvir se você se colocar em sua proteção, se levantar suas defesas.

-- Você acha que só por estar próxima a você conseguirá me convencer de algo e mudará minha opinião? Não esqueça que eu vivi tudo aquilo, eu te vi e vi tudo que você consentiu. Vi meu projeto sendo dado a outro e algo que eu ajudei a elaborar em papel. Você o elaborou ao meu lado para descrevê-lo, mas a execução técnica e os méritos foram dados a outro na sua frente e você não fez nada!

-- E você não sabe o quanto me arrependo e me culpo por isso?! Hoje eu sei que eu falhei. Fui também enganada, mas não me absolvo dos meus erros. Só que naquela época não imaginava que alguém que me ajudou tanto, pudesse me fazer o que fez. Eu fui pega de surpresa!

Ela colocou as mãos em seu rosto e falou com a voz embargada.

-- Aghata, você está me fazendo mal aparecendo agora. Minha vida estava tão certa. Por que isso?

A porta se abriu e a secretária entrou novamente.

-- Srta. Atanar, houve alguma coisa?!

A Paula inspirou fundo tirando a mão do rosto e percebi certo ar de impaciência em seus gestos.

-- Ingrid, por favor. Eu estou em uma conversa muito séria e eu gostaria que nesse momento você só entrasse se eu a solicitar, ok?!

Paula falou em um tom muito contrariado, o que não era de seu feitio. Havia alguma coisa ali e isso me intrigou. Mas adorei a sua ordem, assim ninguém mais nos interromperia. Quando a secretária saiu com o rosto sério e contrariado eu me aproximei da Paula e me prostrei a poucos centímetros diante dela.

-- Paula, eu só quero que você saiba de toda a verdade.

-- Que verdade? A sua ou a minha? -- Ela quase gritou comigo. -- Eu sei que se tornou uma médica sem fronteiras ajudando a todos em seu caminho, sei que não aceitou a secretaria, que bom para você! Mas para mim, quem tira o que eu sinto aqui até hoje?!

Ela tocou o seu peito.

-- Como você quer que eu acredite que você não sabia de nada e não só me usou para o seu propósito? Se depois você arrependeu-se eu não sei, mas você era subsecretária, você escreveu o projeto comigo, e o André era seu amigo pessoal de muitos anos! Você mesma me disse isso naquela época. Disse-me que tudo que você sabia foi ele quem te ensinou!

Sua fala era embargada e exasperada. Ela tinha muitas razões para não acreditar em mim, se fosse eu, talvez não acreditasse, mas eu falava a verdade e eu continuava a amando. Uma raiva subiu ao topo de minha cabeça. “Que droga”! O André foi minha redenção e minha amargura na vida. Eu não queria perde-la, mas estava vendo que essa batalha eu não conseguiria ganhar. Mas não sairia dali sem tocá-la, sem senti-la, nem que fosse a ultima vez...

Segurei-a e apertei-a contra meu corpo e a beijei com desespero. Ela se debateu e depois deixou seu corpo se acomodar ao meu. Peguei fogo! Ela pegou fogo! Deixei que meus lábios fizessem o caminho que me dessem prazer, que dessem prazer a ela, pois cada vez que ela gemia mais eu investia com beijos e sucções em sua boca em seu pescoço, em seus seios. Estava enlouquecida. Abria os botões de sua blusa para me apropriar do que um dia fora tudo meu. Sua respiração arfante me sinalizava que ela queria, que ainda sentia algo por mim, que não era só desprezo.

Fui conduzindo-a até a borda da mesa para que ela se amparasse. Estava beijando seu colo e seus seios quando a ouvi falar arrastado.

-- Para, Aghata. Eu não quero...

-- Não? -- Interrompi rapidamente minha seção de beijos. -- Não é o que parece... -- Voltei a beija-la.

Ela me empurrou pelos ombros como que acordada pelas minhas palavras me olhando nos olhos. Eu a encarei e sentia indignação. “Como ela não queria? Ela estava correspondendo muito bem e não era minha imaginação! Ela poderia até não querer sentir, mas sentia e isso eu sabia”.

-- Ah Não?! Você não quer?! E o que é isso?

Desabotoei sua calça tão rápido que até eu me surpreendi. Coloquei minha mão por dentro da calça chegando a sua vulva. Estava tão molhada que eu soltei um gemido de prazer.

-- Ummhhh! Pode me dizer que não quer, mas não pode me dizer que não sente...

Ela jogou sua cabeça para trás gemendo e eu suguei seu pescoço introduzindo meu dedo todo dentro dela. Queria que ela escorresse seu gozo em minha mão. Como era lindo vê-la gozar para mim! Colei-me bem ao seu corpo. Sentia uma dor prazerosa em meu sexo. Introduzi mais um dedo e movimentava na abertura quente e gostosa que apertava em cada movimento que eu fazia. Ela gemia mais alto e eu a calei com a minha boca quando percebi seu ápice. Suguei sua língua e traguei seus gemidos. Ela escorreu seu líquido delicioso em minha mão. Foi acalmando seu corpo e eu a tinha só para mim. Sabia que a tinha conduzido para esse desfecho sem a sua aquiescência, mas agora ela me dava à certeza de que ainda sentia algo por mim. Não era só desprezo, ela se emocionava com meus beijos, com minhas carícias, com meu amor.

-- Você pode não acreditar, mas eu ainda te amo muito!

Sussurrei com meu rosto apoiado em sua cabeça aspirando seu perfume. Retirei meus dedos lentamente sentindo um tremor em seu corpo e abracei-a

-- E eu sei que sente algo por mim também.

Ela começou a chorar soluçando muito forte com a cabeça apoiada em meu peito e seu pranto apertou meu coração.

-- Não chora meu amor... Não quero ver você chorando.

Ela se afastou de mim limpando seu rosto das lágrimas e recompondo sua roupa. Ficou de costas para mim e apoiou sua testa na parede.

-- Vá embora Aghata, por favor. Se você realmente me ama, vá embora e me deixe só. Você não sabe o quanto tudo isso afetou a minha vida e o quanto me afeta até hoje. Eu não sei mais como viver em paz e eu quero tranquilidade...

Aquela reação eu não esperava. Era como se ela estivesse derrotada, como se assumisse seus sentimentos por mim, mas não os quisesse dentro de si. Ela queria me esquecer e estava me avisando de uma maneira silente. Era como se o que ela sentisse a fizesse muito mal. Isso me arrasou. Eu a desejava muito, eu queria amá-la, eu queria que ela sentisse alegria ao meu lado e não essa dor profunda! Saí em silêncio arrasada e disposta a deixa-la viver em paz. Se ela não pudesse estar feliz ao meu lado então eu a deixaria viver para encontrar sua felicidade sem mim. Fui caminhando no automático até a saída da universidade, nem olhei para a secretária da Paula. Quando cheguei à rua, as lágrimas represadas até então rolaram soltas pelo meu rosto.

Fui embora disposta a nunca mais voltar...









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Capitulo 17

[05/09/12]



Capítulo XVII – Que destino!

Ana Maria

- Cacá, você sabe o que aconteceu? A Aghata está fazendo as malas e disse que ia embora. Disse que queria esquecer tudo e iria voltar para onde precisam dela.

-- Claro que não sei Ana, eu estava com você se lembra? Não tive ainda com a Paula, mas possivelmente elas discutiram. A Paula hoje a noite sonhou com alguma coisa e acordou suando e chorando. Ela não quis me contar, mas aposto que tem a ver com Aghata, ela estava muito empolgada na época e estava amando muito a Aghata. Você sabe o que é ver a pessoa que você ama ao lado do cara que roubou suas ideias, suas esperanças e seus sonhos e nada fazer para mudar isso? Aghata concordou silenciosamente com tudo! Conhecendo a verdade agora, sei que não foi por mal, sei que eles a enganaram também, mas durante muito tempo eu senti raiva da Aghata, por mim e pelo que ela fez com a Paula. Como desfazer essa confusão de anos em apenas dois dias? Eu sei que a Paula é teimosa, mas eu sei que ela ainda ama a Aghata e sei que ela só vai ser feliz algum dia se elas se acertarem. Se a Aghata na menor dificuldade fugir, elas vão padecer e nunca vão encontrar a felicidade.

Eu sorri para ele. Nunca vi um homem hetero tão sensível, pelo menos um que tivesse uma pegada tão boa! Ri de meus próprios pensamentos.

-- O que foi?

-- Nada, só estava pensando em como eu tenho sorte. Adorei ter me inscrito naquele congresso que não tinha nada a ver comigo. Eu acho que vou agradecer muito a Aghata, sem desmerecer o sofrimento dela...

Ele sorriu para mim e me pegou pela nuca me dando um daqueles beijos gostosos que só ele sabia dar.

-- Ana, eu vou voltar. Não quero deixar a Paula sozinha agora, quero saber como ela está.

-- Acho que você tem que ir mesmo, pelo que você me conta, a Paula é uma garota muito sensível e certamente ela deve estar mal também. Eu vou subir e conversar com a Aghata. Tentarei fazer com que ela desista dessa ideia de ir embora, mas a conhecendo como eu a conheço, não vai ser muito fácil. Você diz que a Paula é teimosa, mas a Aghata quando põe uma coisa na cabeça é uma mula.

-- Seria bom se ela ficasse. Eu sei que com o tempo a Paula se renderia e ai elas poderiam conversar mais tranquilas sobre tudo e se acertar de vez.

-- Mesmo que a Aghata não me dê ouvidos agora, vou deixar uma sementinha na sua cabeça dura.

-- Está bem.

Ele me beijou outra vez e se foi. Subi para ver como estava a Aghata. Apesar de sua aparente fortaleza, sabia que ela estava ruída por dentro.

Paula

Tudo aconteceu tão rápido que nem tempo de pensar eu tive. Falei o que vinha na cabeça, o que vinha da minha alma. “Meu Deus! Como meu corpo reage aos carinhos dela! Eu vou ficar louca”! Não queria deixar meus alunos sem orientação, mas estava atordoada e abalada com o que aconteceu. Saí de minha sala mais ou menos uns dez minutos depois que Aghata.

-- Ingrid, por favor, desmarque os alunos que eu tenho essa manhã. Terei que fazer umas coisas e não sei se voltarei mais a universidade.

-- Sim, Srta. Atanar. A Srta. está bem?

-- Estou sim Ingrid, foi só uma indisposição. Eu ando muito cansada, mas já passou. Não se preocupe...

Fui caminhando para o corredor, mas ainda deu tempo de escutar a Ingrid falar.

-- Eu sempre me preocupo com a Srta.

Não estava certo ela continuar alimentando esse sentimento por mim. Sabia que uma hora eu teria que falar com ela, mas não tinha a menor disposição para isso naquele momento. Fui para casa. Iria fazer minha mala e me refugiar no único lugar que talvez trouxesse alguma paz para mim naquele momento. A minha cabana de veraneio perto do parque florestal.

Cheguei em casa e Cacá não estava, provavelmente estava curtindo a cidade com a Ana. Estava feliz por ele, pois sabia que o Cacá não ficava mais do que dois dias com uma mulher se ele realmente não gostasse. Ela devia ser especial e o Cacá era um cara que merecia. Embora eu sempre falasse para ele que ele era um canalha, que sempre deixava um monte de meninas na pista, eu achava que ele era meio perdido por sempre estar procurando alguém e nunca encontrar. Dessa vez acredito que o cupido acertou em cheio. O Cacá falava dela com carinho, nunca a desmerecendo e enaltecendo suas qualidades. Ele nunca falou comigo das outras meninas desmerecendo, mas nunca falou de nenhuma depois de ter saído com elas, assim que, suponho que a Ana esteja sendo diferente e que ele está curtindo esse estado enamorado. Tinha que arrumar minhas coisas rápido, pois a hora que o Cacá voltasse ele iria me infernizar e não conseguiria arrumar minha mala. Quando puxei minha mala do closet para arruma-la, o destino quis novamente mexer bem fundo na minha ferida. Uma caixa cheia de fotografias da minha família, minhas, de meus antigos amigos, caiu aberta esparramando tudo pelo chão. E qual não foi a minha surpresa, se não uma foto minha e de Aghata na noite em que ficamos juntas pela primeira vez na festa do André! Ela havia me dado essa foto alguns dias depois que começamos a namorar, pois um fotógrafo da mídia havia tirado e ela resolveu me fazer uma surpresa. Peguei a foto no chão e admirei a forma como ela me olhava. Ainda estava no inicio da festa, ela estava ao meu lado olhando eu falar com os empresários, mas seu sorriso parecia ser direcionado só para mim. Essa foto sempre me encheu de emoção, pois ali parecia que ela estava me admirando. Balancei minha cabeça, coloquei tudo de volta na caixa e recoloquei a caixa no closet. De fato eu nunca mais havia visto esta foto, mas também não conseguia me desfazer dela. Esse breve pensamento me incomodou. Será que eu não me esqueceria dela nunca? Será que eu estava fadada a amá-la para sempre? Como isso podia ser?

Quando eu já estava terminando de arrumar as minhas coisas, escutei um barulho no andar de baixo. Ele começou a subir as escadas e bateu na porta do meu quarto.

-- Paulinha, você está aí?!

-- Tô aqui dentro Cacá. Pode entrar.

Ele abriu a porta e encarou com certo espanto a mala.

-- Onde você pensa que vai?

-- Cacá, por favor. Não torne as coisas mais difíceis. Eu preciso me afastar por uns dias. Pedi licença por uns dias na universidade. Aleguei problemas pessoais.

-- Por que você está fazendo isso? Tem a ver com a Aghata?

-- Ela foi à universidade hoje. Era ela a minha visita. Cacá eu gostaria que você entendesse, eu preciso pensar em tudo que está acontecendo... Eu não estou me entendendo, apesar de toda a mágoa e dor que eu tenho aqui dentro, ela mexe comigo até hoje! Eu estou enlouquecendo com isso. Como eu posso acreditar que ela não me fará mais nada? Que eu não vou sofrer de novo acreditando nela?

-- Ela não irá mais procurar você Paula.

-- Como você pode ter tanta certeza?

-- Por que eu a vi. Eu... Eu estive com ela hoje e... Ela está hospedada no mesmo hotel que a Ana.

-- Você falou com ela?

-- Sim, ela disse que iria embora. Estava com os olhos vermelhos, parecia que tinha chorado, mas não falou mais do que isso.

-- Cacá, você está escondendo alguma coisa!

-- Estou.

-- Então fala logo! -- Falei exasperada.

-- Olha, Paula... Eu não quero que você fique chateada comigo, você é minha melhor amiga!

Eu vi que ele estava desesperado por ter me escondido algo tão importante, mas eu não tinha mais forças para brigar com ninguém, muito menos com ele. Eu queria saber o que estava acontecendo, eu queria organizar as coisas dentro de mim.

-- Vamos Cacá, conta logo!

-- Jura que você não vai brigar comigo?

-- Juro. Agora fala... Ou melhor, não juro não, por que se você aprontou para mim eu...

-- Eu não aprontei nada para você, Paula! Eu só deixei de te contar.

-- DEIXOU DE ME CONTAR O QUE?

Eu estava gritando com ele.

-- Aquele dia que eu cheguei bêbado foi porque eu a havia visto.

-- Isso você me falou.

-- Mas não falei da maneira certa. Eu a tinha encontrado no hotel da Ana, porque a Aghata é a amiga que a Ana estava esperando...

-- O que? A Ana conhece a Aghata?

-- Conhece. Elas são amigas desde a faculdade.

-- E porque você não falou?

-- Por que eu tinha medo de você ficar com raiva da Ana e ela é uma mulher muito legal. Eu tô gostando realmente da Ana, Paula. Mas eu não suportaria que você se afastasse de mim por eu estar namorando a amiga da Aghata!

Eu coloquei a mão na cabeça e desabei na cama. As coisas estavam saindo muito do controle.

-- Cacá, eu não sei se você é ingênuo, tapado ou cretino! Você acha que eu me interporia entre você e uma pessoa que você gosta?

-- Não se fosse qualquer outra pessoa, mas uma amiga da Aghata? Olha só Paula. Eu tive medo esta bem! Só por isso eu não te contei esse detalhe, mas eu te adverti que a Aghata estava aqui.

-- É apenas um detalhe, é? E como ela soube que EU ESTAVA AQUI!

Aumentei tanto o meu tom de voz que eu mesma me assustei. O Cacá se encolheu todo. Respirei fundo e contei até dez.

-- Cacá senta aqui.

O puxei para a cama e falei com mais calma.

-- Me conta como você encontrou ela e o que vocês conversaram

-- No primeiro dia que eu dormi com a Ana, a Aghata chegou de viagem de madrugada e bateu no nosso quarto. Parece que ela chegaria no dia seguinte, mas acabou vindo mais sedo. Quando a Ana abriu a porta, eu fiquei pasmo, paralisado, eu juro!

-- Tá, tá Cacá, termina.

-- Bem, foi quando ela perguntou para a Ana o que eu estava fazendo ali que eu percebi que ela também tinha ficado surpresa. Aí a Ana contou que elas eram amigas desde a faculdade e que depois que aconteceu aquilo tudo naquela época a Aghata tinha caído no mundo e elas não se viram mais. Quando a Ana soube que viria para cá para visitar o laboratório da universidade ela viu a oportunidade de encontrar a Aghata de novo e mandou um email para elas se encontrarem aqui. A Aghata perguntou se você estava aqui também e eu acabei falando que sim. Olha Paula, foi muito de supetão. Por isso eu falei que você estava.

-- Tá Cacá, continua. O que ela disse para você?

Eu queria saber de tudo. Vi-me na expectativa de querer saber o que tinha acontecido. De saber a versão dela. Meu coração batia tão forte que parecia que sairia do meu peito e correria pela rua a fora.

-- Ela contou a versão dela do que aconteceu ué!

-- Então me conta logo e não enrola!

Quase gritei de novo com ele, e ele não perdeu a oportunidade de me sacanear é claro.

-- Tá tão ansiosa assim é?

-- Cacá, eu estou quase cometendo um amigocídio no meu quarto, assim que não abusa da minha paciência!

Que raiva. Ele ainda riu de mim!

Cacá contou tudo que a Aghata e a Ana falaram para ele daquela época e eu já estava começando a pensar no quanto o destino tinha sido cruel comigo e com ela. Que saco! Sou uma idiota mesmo! Depois de tanto tempo e de tudo que eu passei, já estava imaginando as coisas que nós fizemos e a possibilidade de fazer de novo. E essa manhã?! O que foi aquilo?! Eu sou tão idiota... Tão idiota, que é só ela se aproximar que meu corpo fica mole e ela faz o que quer comigo, e ainda acho que estou no paraíso! Que raiva! Mas... Mas e se... E se ela realmente foi passada para trás? E se realmente o André fez essa canalhice com ela? Coitadinha... Sacodi minha cabeça com força.

-- Coitadinha que nada!

-- O que?

-- Nada Cacá. Só pensei alto.

-- Pensou alto o que?

Eu suspirei. Minha mente estava começando a relaxar e estava começando a querer que essa história fosse realmente verdadeira.

-- Cacá se isso for verdade...

-- O que é que tem se for verdade?

-- O que é que tem? Tem que ela também comeu o pão que o diabo amassou! Que merda!

Coloquei minhas mãos na cabeça desesperada.

-- Se você está pensando em falar com ela, acho melhor você se apressar, porque ela disse que iria embora hoje mesmo. Disse que iria voltar para o lugar onde realmente precisam dela. Ela já estava arrumando as malas quando eu saí do hotel.

-- DROGA! DROGA! DROGA!

Mais desesperada ainda eu fiquei. Por que as coisas eram tão complicadas na minha vida?! Não podia ter uma coisinha fácil para variar? Meu coração já estava pulsando no cérebro. Acho que eu nunca tomei uma decisão tão importante, no entanto, tão rápido na minha vida. Costumava ponderar tudo, mas nunca consegui fazer isso com ela. Ela já me deixou louca, já me deixou com raiva, já me deixou triste, mas já me deu uma alegria e uma vontade de viver que ninguém mais fez. Passei a mão na minha bolsa e puxei o Cacá pela mão.

-- Me leva lá.

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Ana Maria

Eu não sabia se eu sentia raiva ou pesar. Por que a vida era às vezes é tão cruel com algumas pessoas? Estávamos, o Cacá e eu abraçados, no meio de um aeroporto enorme vendo o desespero da amiga dele procurar alguém que estava tão perdido quanto ela. Eu havia dito o voo e a cidade para qual a Aghata iria, mas o avião já havia partido. Os olhos de Paula não desgrudavam do telão que passava os voos ininterruptamente. Em seus olhos verdes brotavam lágrimas silenciosas e eu sabia que passaria muito tempo até que elas pudessem voltar a se falar. Algum dia eu tenho certeza que elas voltariam, mas também sabia que do jeito que a Aghata saiu, ela se refugiaria em algum local inóspito e quase inacessível. A primeira vez que ela partiu, eu fiquei quase dois anos sem falar com ela porque ela não me mandou notícias e também porque não conseguia mandar, não tinha nenhum recurso que pudesse conectá-la a humanidade tecnológica. Em outras palavras, ou ela estava no meio do mato, ou no meio do nada e não tinha nada a sua disposição para se comunicar.

Só não digo, que desperdício, porque o trabalho que ela fazia quase ninguém queria bancar. A verdade é que a gente fala dessas pessoas miseráveis que vivem em locais miseráveis e acha uma pena que isso exista, mas são poucos que conseguem encarar. São poucos que vão à linha de frente confrontar e a verdade é que a Aghata tinha abraçado isso na vida para dar algum sentido a tudo que a cercava. Eu não podia culpa-la assim como não culpava essa jovem por tudo que passou e sofreu. Eu não era sua amiga, mas pelo pouco que vi era uma mulher de fibra e honra. Pessoas como Aghata e a Paula me fazem ter orgulho de ser mulher.

Apertei o braço do Cacá e o olhei. Ele entendeu meu recado e foi falar com a Paula. Ele se aproximou dela e falou baixo para não assustá-la, para despertá-la.

-- Vamos Paula.

Ele segurou seu braço delicadamente a trazendo para um abraço. Ela se encolheu em seu regaço e chorou feito criança. Fiquei observando os dois e reparei no rosto dele. Estava sofrido com o sofrimento de sua amiga.

“Meu Deus! Como estou gostando desse homem!” Me espantei com meus pensamentos, pois não pensava em voltar a amar alguém, pelo menos não tão cedo. Decidi que queria mantê-lo perto de mim, queria retornar para nossa cidade junto com ele. Só me restaria saber se ele queria isso também. Eu era mais velha que ele e dizer que isso não faz diferença, é hipocrisia. Todo mundo olharia para mim e diria que eu estaria dando alguma vantagem para ele, seja lá qual vantagem ela fosse. Não que na minha cabeça isso fosse verdade, mas será que ele aguentaria essa pressão? As pessoas podem dizer que se ele não aguentasse seria porque ele não me ama, mas eu sei que isso também não é assim. Tem um velho ditado que minha mãe dizia que é muito certo; “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. Quanto precisaria para que furasse a integridade de Cacá? Sinceramente eu não sei, mas nesse momento, eu não queria nem saber mesmo. Eu não iria por em risco uma possível relação feliz, mesmo que tivesse o perigo de ruir depois. Eu não sei o que o destino me reservaria, mas também não queria acabar amargurada por não ter feito. Aproximei-me dos dois e puxei-os para a saída.

-- Ana.

Pela primeira vez depois de recomposta a Paula falou comigo.

-- Oi. Diga.

-- Você me dá o email da Aghata?

-- Claro Paula!

-- Você acha que ela me responderia?

Notei seu tom apreensivo e não me sentia bem em escamotear a verdade.

-- Se ela conseguir acessar, com certeza ela te responde.

-- Como assim, se ela conseguir acessar?

-- Paula...

Eu suspirei. Não queria dizer o que eu sabia de uma forma tão dura, mas não queria que ela tivesse esperanças de conseguir falar com a Aghata tão brevemente. Contei a história, que eu sabia, de como Aghata vivia. E o que a Paula falou?!

-- Não me importa quanto tempo levará, só me importa saber que ela vai ler...

Sorri. Essa menina tinha garra!

Oito dias depois, eu e o Cacá estávamos retornando e nada de notícias de Aghata. Tinha encerrado minha conta no hotel e passei esses oito dias na casa da Paula com o Cacá. Nesse tempo eu percebi porque a minha amiga tinha se apaixonado irremediavelmente por essa mulher. Aghata tinha razão. Tinha que amá-la mesmo. Se eu não fosse hetero, seria com uma mulher como ela que eu gostaria de passar minha vida.

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Capitulo 18

[08/09/12]



Capítulo XVIII – O destino tira e o que pegamos de volta?

1 ano depois -- Férias de verão

Paula

Eu estava apreensiva e nervosa. O telefone tocava sem que alguém atendesse do outro lado. “Droga! Será que ninguém entende que telefone à uma hora dessas é importante”?

-- Alô!

A voz do outro lado era abafada e sonolenta.

-- Cacá?

-- Paula?

-- A Ana está aí?

-- O que houve?

-- Preciso falar com ela! Chama ela para mim.

-- Ao que me consta, sou eu que sou seu amigo. O que houve?

-- Para Cacá! É sério. Chame-a para mim, por favor.

Acho que me voz transmitia tanto desespero que ele nem titubeou.

-- Alô, Paula! O que houve?

-- A Aghata não entrou realmente em contato com você, Ana?

-- Paula, se ela entrasse em contato, sabe que eu te diria... O que houve?

-- As tropas de paz de lá foram bombardeadas...

Minha voz sumiu.

-- Calma, Paula. Não sabemos se realmente ela está lá. Quando você soube?

-- Agora mesmo passou na televisão daqui. Estão anunciando toda a hora, pois é um ato de guerra declarada. Não sabem até agora quantos feridos e quem estava nesse acampamento, mas era um dos acampamentos de auxílio médico.

Do outro lado da ligação estava mudo.

-- Ana?

-- Eu estou aqui, estou pensando, mas realmente não sei o que fazer...

-- Eu vou pegar um avião e vou para lá.

-- Paula, calma! Não acho que seja uma boa ideia. Se bombardearam as forças de paz, o país deve estar em conflito forte!

-- Não me importa mais nada, Ana. O fato é que já não tenho a minha própria paz há muitos anos. Eu não vou suportar estar aqui no meu conforto, sem saber o que realmente está acontecendo com a Aghata. Diga ao Cacá para falar com meus pais onde fui se por acaso eu não entrar em contato durante quinze dias. Beijos.

Desliguei de súbito. Não queria dar tempo de Ana retrucar. Arrumei minhas coisas, entrei na internet e comprei uma passagem para dali a duas horas e meia. Ainda não tinham suspendido os voos, mas se a coisa ficasse muito ruim, em breve o fariam e eu não queria ficar aqui angustiada. O voo demorou sete horas para chegar ao seu destino e eu estava um pouco apreensiva. Não tinha planejado nada e quando eu desembarquei no aeroporto havia muitos soldados do exercito circulando pelas dependências. Resolvi entrar na internet para fazer reserva em algum hotel, depois eu entraria em contato com a embaixada do meu pais. Fiz minha reserva em um hotel de enviados, (imprensa, funcionários de embaixada etc), seria mais seguro e eu teria a possibilidade de saber o que estava acontecendo com mais facilidade. Perguntei no setor de informações do aeroporto sobre uma forma segura de me deslocar. Eles tinham uma agencia de táxi cadastrado e eu a contratei para me levar ao hotel. Não queria correr riscos desnecessários, pois eu ainda não sabia qual era a real situação.

Cheguei ao hotel e fiquei sabendo que o governo já havia cogitado a possibilidade de fechar as fronteiras. Eu tinha algum dinheiro guardado que me garantiria durante algum tempo e assim que eu me instalei perguntei onde era a embaixada de meu país, para minha grata surpresa era a menos de uma quadra do hotel. Na realidade a maioria das embaixadas era nas cercanias desse e de mais três hotéis. Por isso uma quantidade grande de enviados se hospedava por ali. Resolvi comer algo. Já passava de uma hora da tarde e eu não havia comido nada a não ser aquela comida de avião. Depois do almoço fui direto para a embaixada. Estava uma confusão dos diabos. Parece que muitas pessoas tiveram a mesma ideia que eu e procuravam por parentes e amigos que se encontravam nas forças de paz. Um funcionário que parecia estar desesperado, chegou no meio do saguão e pediu silêncio a todos.

-- Senhores! Atenção por favor! Gostaria de dar uma informação geral e peço silêncio para poder falar!

No saguão se fez silêncio para o funcionário falar.

-- Nós ainda não temos notícias exatas de qual acampamento foi atacado.

Um murmúrio começou.

-- Por favor! Silêncio! Vamos distribuir um formulário a todos os presentes para que preencham com seus nomes, onde estão hospedados, meios de contato e o nome do parente ou amigo que se encontra em algum acampamento de paz. Assim quando tivermos mais detalhes, contataremos com os senhores para darmos notícias específicas de cada amigo ou parente individualmente.

-- Como saberemos se vocês irão entrar em contato mesmo?

Alguém gritou e um burburinho se formou novamente.

-- Senhores! SENHORES, POR FAVOR! Nós estamos do mesmo lado, se lembram? Não temos porque esconder nada. Só queremos organizar melhor para que a informação chegue a todos!

E assim os funcionários da embaixada distribuíram os formulários e eu comecei a preencher o meu. Filas se formaram em frente ao balcão para entregarmos os formulários. Minha angustia só aumentava porque eu sabia que sairia dali sem saber de absolutamente nada. Voltei para o hotel para descansar. Quando cheguei ao meu quarto abria as malas para arrumar minhas roupas no armário. A primeira coisa que vi foi a única fotografia que eu tinha dela. Peguei para olha-la mais uma vez. Havia escaneado a foto e posto como plano de fundo do meu laptop. Depois que ela se foi, era a única coisa dela que eu tinha. Não me cansava de olhar. Ficava me condenando por ter sumido naquela época sem procura-la. Mas como eu saberia? Como depois do que eu vi eu poderia imaginar que ela tinha sido outra vítima? Eu não devia mais pensar no passado, não podia mais pensar no passado se não eu não daria mais um passo em minha vida e eu tinha que encontra-la. No meu coração, sabia que ela estava viva. Não podia ter acontecido nada com ela! O destino não seria tão injusto, nem que eu levasse o resto da minha vida a procurando eu a encontraria!

Acordei no dia seguinte e fui tomar café. O salão de café estava cheio, parece que o governo daria uma coletiva sobre a ação dos guerrilheiros e os repórteres estavam alvoroçados. Não tinha mais nenhuma mesa disponível. Uma mulher alta, (se bem que qualquer um consegue ser mais alto do que eu), simpática de cabelos castanhos claros e olhos cor de mel, ofereceu a sua mesa para eu sentar. Agradeci e me alojei na cadeira oposta a que ela estava sentada.

-- Obrigada.

Eu disse.

-- Não agradeça, o salão fica tão cheio nessas ocasiões que eu já até estou acostumada. De vez em quando eu preciso de uma mesa para o café da manhã também.

Está aqui pela coletiva?

Eu perguntei.

-- Estou aqui desde que fui enviada pelo meu jornal há quase um ano. Esses conflitos com a guerrilha e com os países fronteiriços são mais antigos que Adão e Eva.

-- Então é comum ter esse tipo de ação da guerrilha contra as forças de paz?

-- Não. Isso é o que o governo diz e quer que todos acreditem, mas na realidade os guerrilheiros junto com a população são quem mais se beneficia com as força de paz.

-- E por que o governo quer que acreditemos nisso então.

-- Porque a população sofre com um governo ditatorial que vende as riquezas naturais do país enquanto a população passa fome e toda sorte de dificuldades. Eles querem que pensem que foram os guerrilheiros. Mas se você falar que eu falei isso para alguém eu nego.

Ela falava baixo e eu achei graça, pois eu podia ser qualquer pessoa, inclusive do governo.

-- E se eu for do governo? Você poderia estar encrencada, viu?! -- Ela esbugalhou os olhos e eu sorri. -- Calma, eu não sou do governo. Cheguei ontem aqui.

-- E você veio por quê?

Eu baixei meus olhos parando de comer. A simples lembrança de que Aghata pudesse estar entre os atingidos pelo ataque me angustiava.

-- Tem uma pessoa que eu amo muito e que serve nos médicos sem fronteiras. Ela está aqui.

-- Então você veio quando soube do ataque.

-- É.

-- Sabe que pode levar meses até você saber de algo, né?

-- Meses?!

Eu fiquei chocada e ao mesmo tempo a minha ficha caiu. É claro! É um país ditatorial, é um país que não tem a menor vergonha de explorar a miséria do seu próprio povo! O que eu esperava?!

-- Desculpe. Eu não fui muito sensível a você quando me falou que era alguém que amava. Talvez eu esteja ficando paranoica e louca nesse lugar.

-- Não, não... Você está certa. Eu que não havia me atinado direito para a situação, mas agradeço.

Olhei para ela e me dei conta que estava falando com uma completa desconhecida, nem sabia seu nome.

-- Desculpe, não me apresentei. Meu nome é Paula.

Estendi a mão para ela.

-- O meu é Astrid.

Ela estendeu a sua mão para mim sorrindo.

-- Você é enviada de que jornal?

-- The Last Minute. E você? Onde trabalha?

-- Sou professora e pesquisadora da Universidade Wise.

-- E qual o nome da mulher que tem seu coração?

Sua pergunta foi direta e ela sorria.

-- Aghata. Mas por que você achou que era uma mulher?

Eu me considerava uma mulher feminina e também não achei que Astrid fosse lésbica a ponto de perceber algo em mim.

-- Você falou pessoa... e... usou o pronome no feminino. Assim fiz minha conexão, não esqueça que sou repórter. -- Ela sorriu novamente.

-- Isso te incomoda?

-- De forma nenhuma. Depois de viver algum tempo nesse lugar, quem tem algum tipo de opinião formada sobre as convenções do mundo tem que reciclar sua forma de pensar! Mas eu nunca tive realmente esse tipo de preconceito. Tive muitas amigas e amigos gays, mas hoje não tenho muito contato. Minha vida aqui é escrever e enviar notícias.

-- Então você não é gay.

-- Não, mas eu acho que hoje eu sou é assexuada mesmo! Hahahaha. Estou há tanto tempo na seca que se uma cobra me cantar é capaz de dizer sim... hahahaha.

Ri junto com ela, mas meu humor não estava muito para piadas.

-- Astrid, se você souber de algo importante nessa coletiva você me fala?

-- Minha amiga, minha vida é dar notícias, mas não ache que eles falarão algo interessante, verdadeiro ou que traga esclarecimentos a respeito do que aconteceu. Vou às coletivas porque tenho que manter informado o meu jornal, mas aprendi que eles passam para nós só o que convém a eles falar. Algumas vezes, quando a gente pressiona, eles até deixam escapar algo. É isso que normalmente corremos atrás, mas eles têm assessores muito bons, nem sempre conseguimos. Mas pode deixar que se eu conseguir alguma informação a respeito eu te digo. Você vai ficar hospedada aqui o tempo todo?

-- Por enquanto vou. Acho que é um lugar estratégico para captar informações.

-- Você está certa. A maioria dos enviados se hospeda aqui. É um lugar mais seguro e próximo a tudo.

-- Bom, acho que vou ao QG das forças de paz e depois à embaixada novamente.

-- Já esteve lá?

-- Já estive sim, mas tinham tantas pessoas procurando informações que eles fizeram um cadastro nosso para nos contatar. Sei que é balela, foi só para desopilar o saguão da embaixada.

-- Bem, eu tenho que me adiantar também. A coletiva começa daqui à uma hora. Você vai estar aqui na hora do jantar?

-- Devo estar sim.

-- Meu quarto é o 415. Liga para lá que eu janto com você e te digo o que aconteceu na coletiva.

-- Ligo sim.

Despedimo-nos e eu fui para o edifício das forças de paz. Estava uma algazarra na frente. Todos queriam alguma informação. Distanciei-me e comecei a observar a frente do prédio do outro lado da rua. Eu era uma pesquisadora, não era? Então vamos ver se eu consigo observar algo que seja útil! – pensei.

Fiquei horas ali vendo quem passava pelo bloqueio da multidão e quem não tinha autorização, até que consegui divisar algumas pessoas que faziam uma pequena fila no beco ao lado do prédio. Aproximei-me e fiquei naquela fila. Algumas pessoas conversavam e pude entender que aquela fila era para quem quisesse se alistar e participar do programa de auxílio. Não pensei duas vezes. Eu me alistaria.

-- Qual o seu nome?

-- Paula Nogueira Atanar.

Respondi uma ficha com uma enorme lista com perguntas do tipo; de onde eu vinha, o que eu sabia fazer, o que eu pretendia, onde eu morava, enfim, eles me contatariam se minha ficha fosse aprovada. Eu estava ansiosa para isso. Seria a única forma de ter notícias realmente concretas de Aghata. Voltei para o hotel e me encontrei com Astrid. Mais tarde eu veria que a única ação que realmente me enviaria para alguma notícia concreta a respeito de Aghata, foi me alistar nas forças de paz.









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Capitulo 19

[10/09/12]



Capítulo XIX -- Amor e desespero

Pouco mais de um mês depois

Ana Maria

-- Que foi amor?

Eu não precisava nem perguntar, pois depois de um ano vivendo com o Cacá, eu percebia quase como um ato contíguo ao meu o que ele estava sentindo. Isso era uma das coisas que eu mais amava nele, a sua transparência.

-- Houve mais um ataque. Por que a Paula se meteu nisso?

-- Por que eu te amo? Por que você me ama?

Abracei-o sentado enquanto ele olhava as notícias pela internet. Ele era mesmo o irmão de alma daquela baixinha, assim como eu me considerava irmã de alma da Aghata. Entendia seus sentimentos de apreensão, sentia o mesmo pela Aghata, mas aprendi a lidar com isso mais cedo do que ele.

-- Eu sei... Mas será que ela sabia no que estava se metendo?

-- Meu amor, ela sabia uma única coisa; que ela só conseguiria continuar caminhando se ela encarasse. Isso foi o que a motivou.

-- Droga! Não podia ser mais fácil?!

-- Talvez sim, talvez não... -- Ele estava desesperado. -- Relaxa um pouco, me deixa ver meu email.

Ele afastou sua cadeira para que eu sentasse na outra e tomasse o teclado e o mouse para ver minha conta. Assim que abri, ele quase pulou.

-- É Aghata?

-- É.

Mais que depressa abri a mensagem.

“Querida amiga, estou me recuperando de um atentado ocorrido há quase um mês e meio atrás. Acredito que as notícias já correram por aí. Não se preocupe. Estou sendo bem cuidada e apesar de todos os ferimentos, eu estou inteira. Não me encontrava em um lugar em que pudesse ter contato, mas agora estou na capital. O governo nos manteve em um local seguro, mas isolado, para que as notícias não vazassem. Sabe como são esses lugares, nós prestamos serviços caridosos, com tanto que não nos intrometamos... Então, estou te contatando para que você não se preocupe. Sei que está roendo as unhas, mas ainda não é a hora para eu largar do seu pé. rsrsrs. Espero que esteja tudo bem com você. Mande-me mensagens, pois agora vou ficar um tempo de molho e, por favor, me esclareça os e-mails antigos, pois não entendi nada. Da sua irreverente e turrona amiga, Aghata”.

-- Meu Deus! A Paula está na linha de frente e nem passa pela sua ideia que a Aghata está sã e salva!

Que merda! Agora tudo acontecia o contrario! A Aghata estava bem, a Paula estava na linha de frente tentando achar a Aghata e sem comunicação, o Cacá estava angustiado e eu aliviada com o aparecimento da Aghata! Clickei em responder mensagem.

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Aghata

Eu estava deitada em minha cama de hospital, se é que poderia chamar essa joça de hospital. O que mais me revoltava era que esses infelizes lucravam com essa disputa infinda entre as fronteiras e os guerrilheiros. Lucravam até com a mídia falando para o mundo todo, a respeito do que supostamente acontecia em lugares como esse.

Tinha uma perna fraturada já recuperada, mas o que me deixou de molho mesmo, foi um tiro na coxa que infeccionou depois de ficar três dias sem água, sem comida e achando que era meu fim. Quando chegou a ajuda, eu nem acreditei. Nunca achei que viveria para sempre, mas custava a acreditar que era meu fim. Naqueles dias lembrei tudo que foi bom em minha vida e tudo que foi minha ruina. Na minha cabeça só via uma imagem: A dela. Era a minha redenção, minha esperança e meu desterro. Tudo que fiz por aquelas crianças maltratadas, aquelas mulheres mal trapilhas e desnutridas, aqueles homens sofridos e descrentes era uma benção e acalanto para o meu coração. Não faria nada diferente, a não ser lutar mais pelo amor que tinha dentro de mim e que não tinha jeito de apagar. Foi à única coisa em que pensei e que me deu forças para ficar viva naquele inferno. Eu precisava vê-la novamente.

Já caminhava com facilidade pelo hospital e não sabia por que não me davam alta. Fiz amizade com uma enfermeira e ela me permitiu ver meus e-mails no computador da enfermaria. Era lento como ele só. Não me importava, esperaria o quanto fosse. Sabia que Ana era um das poucas pessoas desse mundo que estaria esperando por notícias minhas e se preocupava muito comigo. Olhei rapidamente meus e-mails e mandei um para a Ana Maria. Tinha uns dez ou doze e-mails da Universidade de Wise, provavelmente por conta da ficha que preenchi para a entrevista com a Paula. Isso era praxe de toda a instituição. À única coisa que me importava naquela hora, era deixar claro para Ana que ainda estava viva. Um dia depois, pedi a enfermeira Iffat para ver meus e-mails novamente. Choquei-me!

-- Por Deus! Não é possível que ela tenha vindo para cá!

Ao mesmo tempo em que meu cérebro computou e se alegrou com a notícia que Ana me dava de que a Paula tinha vindo me procurar, meu coração se encheu de angustia por saber que ela estava incomunicável em algum acampamento das forças de paz. Abri todos os e-mails da Universidade de Wise e me deparei com declarações de Paula contando o que ocorreu depois da minha partida e por último um email desesperado por saber do ataque.

“O que eu fiz”! Pensei. “Ela está aqui por minha culpa! Ela não tem a menor ideia no que se meteu”!

Consegui convencer um dos médicos do hospital que eu queria voltar para o meu país e que não precisariam se preocupar comigo. Ele me deu alta temeroso, mas ao mesmo tempo era um dos médicos que eu julgava ser um dos mais éticos do hospital. Um daqueles que faziam o “serviço” do governo a contra gosto.

A verdade era que eu não sabia o que fazer. Se retornasse para as forças de paz, eles não me dariam informações e me mandariam para qualquer acampamento. Tinham uma política muito forte de; não se meter e de não falar nada, para continuarem atuando no país. Se eu não entrasse em contato com meus amigos, aí é que eu não saberia de nada mesmo. Fui para um hotel na capital e assim que me assentasse eu pensaria em como agiria.

Tomei num banho decente. Há muito tempo que eu não sabia o que era ficar embaixo de um chuveiro. No acampamento quando podia e não havia perigo de invasão, fugia furtivamente, sem que meus companheiros de acampamento soubessem, ia para um açude que tinha na encosta da montanha me banhar. Quando me pegavam, levava uma bronca terrível por me afastar sem proteção alguma. No hospital era ainda pior, tinha que tomar banho de caneca, pois não tinha água suficiente. Deixei o meu corpo relaxar e comecei a pensar em como iria fazer para encontrar a Paula.

Desci para o jantar e percebi que não tinha mais nenhuma mesa disponível. Hoje em dia não tinha mais pudores. A maioria dessa gente, não sabia o que era passar fome, sede, comer com a mão por necessidade e também porque não se sabia comer de outra forma. Conheci muita gente que não sabia nem o significado da palavra garfo. Nunca tinha visto um ou escutado falar esta palavra em sua vida. Cheguei próximo a uma mesa em que tinha só uma mulher sentada e perguntei se poderia sentar ali.

-- Claro! Fique a vontade.

Não queria falar com ninguém, mas também não podia ser mal educada com a pessoa que me permitiu sentar em sua mesa. Estendi minha mão e me apresentei.

-- Prazer, meu nome é Aghata.

Ela parou de mastigar olhando com espanto para mim e estendeu sua mão ainda engolindo sua comida.

-- O meu é Astrid. Aghata não é um nome muito comum...

Estranhei sua reação, mas fiz como se não tivesse percebido.

-- É. Pelo que sei, minha mãe gostava de histórias da Grécia antiga. Meu nome vem do adjetivo agathos, que significa "Deus", mas ela quis colocar a sua derivação que significa “a bondosa”, ou “boa” apesar de não ser muito religiosa, achava pretensão uma comparação. Minha mãe era de natureza humilde e ao mesmo tempo encantada com histórias do velho mundo. Paradoxal...

A reação dela continuava estranha a mim.

-- É realmente não é muito comum.

Fiquei calada e ela me olhava de soslaio. Comecei a me incomodar.

-- Há algum problema? – falei expressando meu desagrado.

-- Não! Não... só que...

-- Só que?

-- Éééé... Você acaso faz parte das forças de paz?

A pergunta me deixou desconfortável, “Será que estavam me vigiando”? Acho que deixei transparecer meu desconforto e ela se apressou a explicar.

-- Desculpe, eu comecei a fazer um monte de perguntas e possivelmente você não está entendendo a minha reação. Deixe-me explicar. Sou repórter e estou hospedada nesse hotel a pouco mais de um ano. Há cerca de um mês ou um mês e meio, quando houve um atentado a um acampamento das forças de paz, conheci uma mulher que veio para cá procurar alguém que supostamente estaria em um acampamento desses. A mulher desaparecida tinha o nome de Aghata pelo que ela falou, então...

Meu coração disparou!

-- O nome dessa mulher era...

-- Paula.

-- A Paula está onde agora? Você sabe? – fiquei agitada e esperançosa.

-- Então você é a Aghata?

-- Sou. Por favor, me fale o que você sabe!

Ela olhou para os lados e falou baixo.

-- Falo, mas não aqui. Termine de comer e vamos para o seu quarto. Eu estou hospedada aqui há muito tempo para arriscar no meu.

Ela baixou o olhar e continuou comendo. Minha vontade era sacudi-la e perguntar qual o problema, onde a Paula estava, enfim, mas seu semblante estava tão tenso que eu achei melhor ficar calada. Terminamos de comer, e isso foi modo de dizer, pois eu quase não consegui engolir a minha comida. Subimos para o meu quarto. Quando fechei a porta atrás de mim me virei ansiosa e já a bombardeava com perguntas.

-- O que está acontecendo? Onde a Paula está? Porque todo esse mistério?

-- Calma! Uma coisa de cada vez. Primeiro; a Paula está em um acampamento das forças de paz relativamente seguro. É mais para o interior, longe das fronteiras. Ela foi para lá, pois conseguiu convencer os gestores que distribuem as pessoas pelos acampamentos, que pela sua inexperiência, seria melhor. Só que ela fez isso, por ter uma notícia dada pelo governo, de que as pessoas resgatadas no acampamento bombardeado, foram distribuídas por esses acampamentos mais remotos e mais seguros.

-- Mentira! Nós estávamos sendo tratados em um hospital itinerante, mas depois eles nos trouxeram para a capital.

-- Tudo bem. Mas isso que eu falei, foi à notícia que chegou até nós. Segunda e terceira pergunta; Antes de partir, a Paula trabalhou uma semana no prédio das forças de paz, pois tinha que se inteirar de seu trabalho. Nessa época, sem querer ela ouviu uma ligação em que o diretor das forças de paz daqui falava com o chefe de estado.

A Astrid suspirou desanimada e eu gelei.

-- O que foi? Fala!

-- Ela escutou o diretor e o chefe de estado combinar o remanejamento dos acampamentos, pois o seu acampamento foi bombardeado pelo próprio governo que queria afastar ele da área em que o governo utiliza para contrabandear diamantes e armas. Pelo que parece, existe uma jazida de diamantes perto da fronteira e o governo explora com mão de obra escrava. Essa mão de obra é constituída de supostos presos de guerra e supostos traidores nacionais. Pelo que Paula falou, o diretor das forças de paz daqui é comprado pelo governo. Mas ela também ouviu certo desagrado por parte do chefe de estado, pois o ataque não era para ser exatamente como aconteceu, era para apenas assustar e não fazer vítimas. Parece que alguém teve uma atitude impensada com relação ao ataque.

Eu estava estarrecida. Mais uma vez eu havia inserido a Paula em uma imundice, sem querer eu sei, mas havia feito.

-- Por que você como enviada não denunciou?

-- Você está louca?

Sacudi a cabeça, meu desespero era tanto que eu nem pensava no que estava falando. Eu fiquei em silêncio um tempo pensando o que eu iria fazer.

-- Aghata eu estou com um pouco de medo, pois a Paula na última semana conseguiu entrar em contato comigo através do sistema de comunicação do acampamento. Eles não deixam os voluntários utilizar alegando pouca energia para manter o sistema em funcionamento. Dizem que precisam poupar ao máximo para uma emergência e para entrar em contato com os comboios de transporte de comida. Mas ela se arriscou e me ligou.

-- Onde é o acampamento?

-- No centro-oeste, próximo as savanas. Ela disse que nunca viu tanta miséria e também tantas pessoas caridosas auxiliando, mas...

-- Mas?

-- Ela falou que depois que ouviu o telefonema do diretor, começou a observar as pessoas que trabalham nas forças de paz. Disse que confia na maioria, a maioria está lá para trabalhar e ajudar, mas não confia no líder do acampamento e nem em alguns de seus amigos mais próximos. Falou que ouviu esse líder se comunicar por rádio com um comboio das forças de paz e que ele combinava uma entrega. A principio pensou que fossem medicamentos e comida para o acampamento, mas essa entrega nunca chegou. Parece que esse cara sai constantemente em um caminhão e muitas vezes só retorna de madrugada ou no dia seguinte. Ela disse que ele é meio ditador, não aceita muito a opinião dos voluntários, já discutiu com um médico e quase bateu no cara.

Dei-me conta na mesma hora que a Paula tinha percebido que estavam usando as forças de paz para contrabando.

-- Que inferno! Eu vou atrás dela. Eu conheço esse acampamento, já estive lá. O cara que ela está falando é Fingal, quase bati de frente com ele e acabei pedindo para ir para outro acampamento, não estava ali para criar confusão.

No dia seguinte bem cedo fui direto para o prédio das forças de paz e me apresentei para retornar ao trabalho voluntário. Normalmente eles que escolhiam nossos destinos de acordo com a necessidade de cada acampamento, no entanto, eu me considero uma pessoa relativamente articulada e não foi difícil convencê-los a me mandar para o acampamento de Fingal. Meus argumentos eram bons. Disse que gostaria de continuar com o trabalho voluntário, mas depois do ataque fiquei um pouco temerosa, assim que seria mais fácil retornar aos poucos se me alocassem em um acampamento mais seguro e não tão invasivo, um acampamento em que eu já conhecesse o trabalho e as pessoas. Concordaram e dois dias depois já estava viajando com um comboio para as savanas. Minha bagagem dessa vez era um pouco maior do que eu costumava carregar e minha ansiedade também.

-- Ora, ora, ora, se não é a médica mais dedicada de toda a força de paz!

-- Como vai Fingal?

Não preciso dizer que minha cordialidade era puramente política, não queria começar já com o pé esquerdo e colocar a minha segurança e a da Paula em jogo.

-- Parece que um tiro bem dado dobrou você, não?

Seu sorriso era de puro sarcasmo.

-- Vejo que está bem informado, Fingal! Mas é isso mesmo, eu só quero fazer meu trabalho e nada mais.

Falei com calma e aparentando certa humildade.

-- Ok! Mas vai ter que montar sua própria cabana, não temos espaço para mais ninguém.

-- Você pode ficar na cabana em que eu estou e dormir no meu catre junto comigo até fazer a sua cabana. Se não se importar é claro.

Aquela voz atrás de mim era o som mais maravilhoso que eu escutei em um ano! Virei-me devagar e vi dois olhos verdes brilhantes a me espreitar. Embora seu semblante fosse sério, seus olhos me transmitiam alegria e contentamento.

-- Agradeço e não me importo.

Estendi a mão para ela de forma a cumprimenta-la fazendo parecer que não a conhecia. Como sempre aconteceu entre nós, uma corrente elétrica percorreu todo o meu corpo quando a toquei. Isso sempre me impressionava e sempre aumentava a chama que tinha dentro do meu coração.

-- Meu nome é Aghata.

-- O meu é Paula, prazer.

-- Bem, parece que as duas sapatas do acampamento já entraram em conexão. Hahahahaha! VAMOS LOGO COM ISSO, MOVAM-SE! ISSO AQUI NÃO É NENHUMA FESTA COLEGIAL!

Olhando para a Paula, juro que dessa vez eu nem me importei com as palavras e o tom agressivo do imbecil.

-- Quer me mostrar onde posso deixar as minhas coisas?

Ela não conseguiu segurar a emoção e abriu um grande sorriso para mim.

-- Vamos. Eu ainda tenho algumas coisas a fazer e você pode descansar ali se quiser.

Eu comecei a caminhar ao seu lado e quando nos afastamos eu sussurrei para que ninguém nos ouvíssemos.

-- Conheci sua amiga Astrid, ela me disse onde você estava e eu não poderia deixar você sozinha nisso.

-- Então você já sabe.

-- Sim. Eu quero que você peça dispensa e retorne. Eu não posso fazer isso agora, se não vai levantar suspeita.

-- Eu não vou deixar você sozinha de novo. Nem pense nisso! -- Nós sussurrávamos, mas ela falava com irritação. -- E depois, essa gente aqui, não merece que a gente caia fora sem fazer nada.

-- Eu não pensei em não fazer nada, mas eu não quero que você corra riscos. Eu já estou nesse inferno há muitos anos, sei como lidar com esse cara. Já estive nesse acampamento antes. Sei que essa gente não merece essa miséria, por isso vou ficar um tempo, mas você não precisa se arriscar.

Ela parou de súbito e me olhou antes de entrar na cabana. Agora seu tom era normal, mas enérgico.

-- Eu já estou envolvida, eu preciso ficar sim e isso por que eu quero. Quando eu cheguei, queria apenas te encontrar, mas depois... depois de saber o que você fazia por essa gente... Eles falam de você até hoje, acho que é por isso que esse cretino quando soube que você viria, quase pirou!

-- Você sabia que eu viria?

-- Sim. -- Ela sorriu. -- Você não sabe como eu fiquei feliz, mas fiquei preocupada também. Ele esbravejou pelo acampamento dizendo que só faltava essa para enlouquecê-lo. Nesse dia ele brigou com dois médicos e uma enfermeira, saiu com o caminhão e só voltou de madrugada bêbado. Pelas regras é proibido beber, trazer bebida alcóolica, mas parece que ele pode tudo! Todos do serviço já estão falando e desconfiando de algo. É disso que eu tenho medo. Todos ajudam pelo trabalho humanitário, mas parece que muitos do alto escalão, não.

-- Vamos entrar.

Eu estava preocupada, mas estava morrendo de vontade de abraça-la. Quando entramos e eu vi que não tinha ninguém na cabana eu a abracei por trás e colei nossos corpos. Senti o abandono de seu corpo em meus braços. Para mim era como estar no céu. Era a suprema felicidade. Ela se virou de frente e me abraçou mais apertado. Senti algo molhar a minha camisa e levantei seu rosto para olha-la. Lágrimas escorriam de seus olhos e ela sorriu para mim.

-- Não chora amor! Nós estamos bem, eu estou bem!

-- Meu choro é de felicidade, eu pensei que nunca mais te veria.

-- Não podemos ficar muito tempo aqui. Vou até Fingal pedir permissão para ir até a mata cortar madeira para uma nova cabana.

-- Vou com você.

-- Não. Não devemos levantar suspeitas, depois da cabana pronta, poderemos conversar com mais tranquilidade. Volte para seus afazeres como se nada tivesse acontecido.

-- Tome cuidado, esse cara é louco!

-- Eu sei lidar com ele, é só massagear seu ego e demostrar um pouco de submissão.

-- E você consegue fazer isso?!

Ela falou com uma expressão risonha em seu rosto. Elevei uma de minhas sobrancelhas em um gesto de falsa contrariedade.

-- Deixa isso tudo acabar que eu vou te mostrar o quanto eu sou submissa...

Abri um sorriso brincalhão e os olhos de Paula pegaram fogo!

-- Agora eu fiquei ansiosa para isso tudo acabar.

Peguei o seu rosto e desci meus lábios ate os seus, ela abandonava novamente seu corpo junto ao meu. Nossas bocas se moldavam e eu me deliciava no calor de sua língua a muito ansiada. Deixei que em meu beijo transparecesse todo o amor represado por tanto tempo dentro de mim.

Um barulho do lado de fora, nos fez desvencilhar do abraço.

-- Paula! Está ai?









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Capitulo 20

[12/09/12]



Capítulo XX -- Estranhas atitudes

Paula

Durante essas semanas eu cheguei a pensar que nunca mais veria a Aghata. Eu não podia ficar perguntando, pois o líder do acampamento, pelo que eu soube, tinha verdadeiro horror dela. Soube por comentários que ela já havia estado nesse acampamento e que houve uma discursão feia entre ela e o Fingal, nosso líder. Quando entrei para o programa, pelas perguntas que fizeram, eu sabia que não podia expor à verdadeira intensão de estar ali. Tomei cuidado para não me expor e fiquei observando mais do que falando. Na realidade, não conseguia falar com muita gente mesmo, apesar de saber três línguas, definitivamente nenhuma que eu sabia se parecia com a língua nativa. Minha sorte era que com os trabalhadores das forças de paz eu conseguia me comunicar. Já começava e me acostumar com o ritmo das palavras e alguns nativos também já haviam aprendido uma ou outra língua dos enviados. O que eu achei mais graça e me encheu de alegria é que os nativos lembravam com muito carinho de uma médica chamada Gata. Isso mesmo, eles só a chamavam de Gata, foi quando eu descobri através de uma auxiliar que eles só pronunciavam o nome da Aghata assim. Eu fiquei contente, pois era uma feliz analogia em minha língua natal do nome da mulher que eu mais amei em minha vida.

Comecei a desconfiar de algumas atitudes do líder do acampamento e um dia, quando ele saiu eu entrei na cabana dele e contatei a Astrid. Falei minhas desconfianças e apesar das preocupações dela eu disse que ficaria, pois começava a me envolver com o trabalho. Mais alguns dias e minha vida se encheria de felicidade novamente. O Fingal recebeu um recado que chegariam mantimentos e também uma médica. Ele enlouqueceu e eu quase morri de tanta alegria; a médica era a Aghata. Continuei na minha, não ia me expor e por tudo a perder, até porque eu achava que ele estava metido em muita coisa errada.

Quando o comboio chegou e todos foram atrás eu permaneci afastada. Meu coração batia tão rápido que se eu corresse era capaz de cair fulminada com um enfarto. Ela desceu do caminhão e eu não conseguia respirar direito. Ela estava linda, se eu não estivesse tão certa de que o Fingal era um cara do mal, era capaz de cair em seus braços e beija-la até o fim da minha vida. O Fingal a recebeu e a provocou até não poder mais, ele era irritante, mas ela se manteve sem responder as suas provocações. Se eu não tivesse visto e se alguém tivesse me contado, eu diria até que não era ela. Ela costumava ser arrogante nestas situações e normalmente não levava desaforo para casa. Quando ele falou que ela não teria lugar para dormir, mais do que depressa, ofereci a minha própria cama para que ela dormisse junto ao meu corpo. Mal sabia Fingal, o favor que ele me fez.

Conversamos sobre o que estava acontecendo até entrarmos na cabana. Quando ela me abraçou, eu não podia pensar em lugar melhor no mundo para estar. Eu finalmente estava em seus braços. Chorei, sorri e me convenci finalmente que a minha vida era estar junto dela. Quando ela me beijou eu não pensava em mais nada, só sentia o meu amor transbordar através de minha boca.

Alguém me chamou lá fora e nos separamos. Fora de seus braços eu me sentia pela metade. “Deus! Como a amo”!

-- Entre Garnet.

-- Então já conheceu a Aghata!

Aghata o abraçou sorrindo.

-- Vocês já se conheciam?

-- Paula, todos que tem mais de três anos no acampamento conhecem a Aghata. Essa aqui foi a única que se atreveu a dar umas porradas bem dadas no Fingal! Hahahaha!

Eu olhei para Aghata sem compreender e ela baixou os olhos, meio envergonhada.

-- Ele chegou ao acampamento bêbado um dia e quando eu vi, ele estava praticamente forçando uma das enfermeiras. Eu não precisei pensar muito para decidir o que eu faria.

-- Ela bateu tanto nele que ele ficou de molho uns três dias, mas depois disso ela pediu para sair.

-- Eu não poderia mais ficar. Não concordo com ele na direção do acampamento, mas parece que ele tem boas relações nas forças de paz.

-- E o que a fez voltar, Aghata?

-- Bem eu... O fato é que depois do ataque, fiquei um pouco insegura. Pensei que retornando para um acampamento mais distante das linhas de frente, me devolveria à confiança.

-- Seja bem vinda minha amiga, mas fique longe de Fingal, ele vai querer tirar à forra. Até hoje todo mundo olha meio torto para ele e acho que ele pensa que é por sua causa.

-- Será que ele não se toca do que ele fez?

-- Paula, a única coisa que ele se toca é o que está embaixo do seu umbigo.

-- E por que ninguém faz nada?

-- Já tentamos. Já enviamos reclamações, algumas pessoas foram transferidas por conta disso. Paramos de reclamar, pois estamos aqui para ajudar e cada vez que alguém é transferido, nossa equipe fica desfalcada.

-- Paula é melhor voltarmos aos nossos afazeres. Mais tarde quando pararmos para jantar poderemos conversar melhor.

A Aghata segurou gentilmente o meu braço como uma forma de me acalmar e me chamar atenção para eu parar de falar sobre o assunto.

-- Ok! Eu tenho que voltar para a enfermaria. Estão precisando de ajuda com algumas crianças que chegaram hoje muito desidratadas e desnutridas.

-- Eu também vou para lá. Seja bem vinda, Aghata! Quando eu puder, te ajudarei na construção da cabana. Precisamos ampliar mesmo o espaço, algumas pessoas estão dormindo juntas no mesmo catre.

-- Ok! Eu vou falar com o Fingal.

Ela foi para a cabana de Fingal e eu voltei para a enfermaria. Depois a vi sair, pegar algumas ferramentas e ir em direção à mata. Cada vez que a olhava eu sorria como uma boba e ficava me perguntando se algum dia estaríamos bem sem nenhuma confusão nos envolvendo. Durante o resto do dia, enquanto eu ajudava na enfermaria, fiquei relembrando tudo que aconteceu em minha vida desde que conheci Aghata. Parecia que já tinha se passado mais de vinte anos de tantas coisas que aconteceram, de tudo que eu senti e como eu cresci. E eu que era uma garota alegre e risonha, me transformei em uma mulher cheia de responsabilidades e meio triste. Triste por viver algo que era uma grande confusão provocada por um destino torto, mas que me fez crescer como pessoa. E eu que lá no início achava que minha vida não tinha nada demais! E as flores que eu tanto amava? Fiquei triste em saber que muita gente como essas pessoas aqui, só conheciam algumas flores que davam nas savanas em época de chuva. Essas épocas eram escassas, mas havia chovido alguns dias antes e pude ver a mais linda flor que algum dia eu sonharia em ver; a flor do baobá. Era uma arvore que florescia entre os meses de maio a agosto, mas quando a florescência ocorria era uma verdadeira festa, pois ela permanecia aberta somente por uma noite. Eu fiquei feliz em poder participar disto com essa gente sofrida. Mas agora eu tinha que me concentrar, pois essas pessoas dependiam muito de nós.

À noitinha eu ajudava o pessoal da alimentação para fazer o jantar coletivo dos trabalhadores e vi a Aghata se aproximar com o semblante cansado. Cumprimentou alguns de seus amigos antigos e se sentou em volta da fogueira que fazíamos para afastar alguns animais indesejados. Apesar do acampamento ter cercas de madeira, às vezes ocorria algum incidente. Terminei meus afazeres e quando as pessoas estavam se servindo me aproximei de Aghata e sentei ao seu lado.

-- Então foi assim que você viveu durante esses anos?

Ela olhava fixo para o fogo e sorriu.

-- Apesar de sentir uma angustia incessante pelo que nos aconteceu era aqui que eu me sentia útil e encontrei certa paz...

Olhei seu rosto de perfil. Um rosto de expressões fortes, de olhos vivos e de azul intenso. Um rosto que transmitia segurança e energia. Um rosto que eu amei desde o primeiro dia que eu vi. Um rosto que me mostrava sua alma.

-- Eu sinto tanto ter sido tão irascível...

-- Eu sinto tanto ter sido omissa e fraca...

-- Nós duas erramos, não foi?

-- Foi... (***) Mas nós duas vivemos muito e aprendemos muito também...

Minha vontade era abraça-la e deixar transbordar todo o meu amor, mas naquele momento eu não podia. Suspirei fundo e me levantei dizendo que traria comida para ela. Quando me levantei vi que Fingal estava nos observando. Afastei-me fingindo despreocupação. Quando fui colocar comida nas tigelas de madeira vi Fingal se aproximar de Aghata. Ele sentou calmamente. Os dois conversavam tão tranquilamente que até estranhei. Deixei que conversassem durante um tempo e depois me aproximei com as tigelas na mão.

-- Boa noite, Fingal!

-- Boa noite, bela do acampamento!

Ele tinha um sorriso irônico que me irritou.

-- Vou deixar as pombinhas a sós para conversarem. Hahahaha. Vejo que já se arrumou, Aghata! Estou gostando da sua nova fase.

Sentei-me ao lado de Aghata que permanecia imparcial. Era como se ele nada tivesse falado.

-- Esse cara é um escroto!

-- Ele não me afeta mais, Paula.

-- É. Vi que conversavam amenamente...

-- Eu preciso conversar com ele amenamente.

Confesso a vocês que um hirto de desconfiança permeou meu rosto. Não gostei do que senti.

-- O que há Aghata? Você não é tão passiva assim!

Comecei a ficar nervosa quando ela me olhou de forma dura.

-- Você ainda não confia em mim, não é?

-- Aghata, não é isso...

-- Tudo bem, tudo bem... Só quero descansar agora.

Ela se levantou e se encaminhou para a cabana. Tá certo que eu achei estranho essa forma dela se portar, mas só queria saber o que estava acontecendo, o que eles tinham conversado. Definitivamente não entendi nada! Quando cheguei à cabana ela estava deitada virada para a parede. Acomodei-me ao seu lado, afinal o catre era meu. Ele era pequeno e tive que colar meu corpo ao seu. Eu gostei disso, até porque eu não sabia por que ela estava tão irritada comigo, só queria saber o que estava acontecendo! Era meio engraçado eu fazer “a conchinha” com uma mulher tão grande. Ri de meus próprios pensamentos. Ela se virou para mim querendo saber de que eu estava rindo e percebeu o descompasso de nossos corpos. Começou a rir também.

-- Tá legal vem para o lado de dentro, desse jeito aí você não vai dormir direito. Eu não consigo ficar irritada com você muito tempo mesmo...

Eu troquei de posição com ela e ela apoiou seu corpo no meu. Era bem melhor! Suspirei com o contato e ela me abraçou.

-- E por que você ficou irritada comigo? Eu não entendi.

-- Por que você questionou a minha reação com o Fingal?

Falávamos baixo, pois algumas pessoas já entravam na cabana para dormirem.

-- Porque você nunca foi passiva. Pelo que eu me lembro, com caras como esse, você não costumava falar tão brandamente, nem baixar a cabeça para provocações...

-- A não ser quando eu deixei o André conduzir aquela entrevista, né?!

-- Não foi isso que eu quis dizer, o que eu quis dizer é que você é uma pessoa de atitude. Não combina com você deixar que falem besteiras a seu respeito.

Falei com indignação. Para mim o passado estava morto. Não queria relembrar essa passagem de nossas vidas, se não, nunca mais teríamos paz.

-- Paula, não posso bater de frente com ele. Na realidade, quero que ele confie em mim...

-- O que você está tramando, Aghata? Não quero que você se coloque em riscos. Não suportaria te perder novamente.

-- Não estou tramando nada, só quero sair com você daqui tranquilamente, sem que pensem que somos um perigo para o esquema deles. Por tudo que eu já passei e já vivi, tenho certeza que tem algo muito podre aqui. Se eles intuírem que nós percebemos alguma coisa, nós estamos fritas.

-- Você acha que seriam capazes de nos matar?

-- Pelo que Astrid me falou, você ouviu que o próprio governo atacou nosso outro acampamento. Nós duas somos nada perto disso tudo.

Eu estava tão feliz de ter Aghata novamente comigo, que confesso que me esqueci de tudo que eu ouvi e tudo que percebi de errado nas forças de paz. Encolhi-me nos braços de Aghata e ela me aconchegou mais. Meu catre era realmente pequeno, assim que a forma que dormimos não soava muito estranha aos olhos dos outro. Aliás, parece que há muito tempo essas coisas aconteciam. Ajeitávamo-nos como podíamos, pois cada vez mais perdíamos espaço para a população que só aumentava nos acampamentos.

-- Está acordada ainda, mas está muito quieta...

-- Estava pensando... Essa gente não merece isso...

-- É... Não merece... Dorme que amanhã mais descansadas a gente conversa.









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Capitulo 21

[15/09/12]



Capítulo XXI -- Segredos

Aghata

Não queria envolver a Paula naquela sujeira toda, mas que droga! Ela tinha que vir atrás de mim? Ela tinha que parar justo naquele acampamento? Eu precisava de mais tempo, coisa que eu sabia ser impossível agora.

No dia seguinte quando acordamos fomos fazer o café comunitário e falei para Paula continuar com as suas tarefas, pois eu queria me empenhar na construção da nova cabana para termina-la rápido. Fui até Fingal e disse que continuaria cortando madeira para a nova cabana, pois poderia fazer um espaço maior para alojar mais gente. Ele apenas assentiu. Estava em uma conversa com o comando central e não me deu muita atenção. Mas quando saía ele me chamou de volta.

-- Sim.

-- Daqui a quatro dias teremos que interceptar um comboio. Espero que sua vontade de trepar com essa garota não estrague os nossos planos. Pelo que eu sei, você veio me ajudar.

-- Sim, eu vim te ajudar, mas você está certo; eu quero “trepar com essa garota” e se você não atrapalhar vamos ter o que queremos com o contrabando e eu vou ter o que eu quero sem qualquer problema. Basta você não se meter entre mim e o que eu quero!

Saí da cabana sem dar mais explicações voltando à tarefa da construção da cabana. Ele era irritante mesmo e se ele continuasse com essa implicância eu iria ter que dar um jeito na Paula. Droga! Mil vezes droga! Ela tinha que parar justo naquele acampamento! Eu não queria que ela se ferisse ou descobrisse nada. Isso atrapalharia tudo. Eu tinha que achar um jeito de fazê-la voltar até eu sair dessa!

Eu já estava me afastando do acampamento para cortar mais madeira quando vi Paula vindo ao meu encontro.

-- O que está fazendo aqui, Paula?

-- Pensei que gostaria de ajuda. Terminei meus afazeres na enfermaria e vim te ajudar com a cabana.

-- Paula, temos que ser discretas. O Fingal já está desconfiado de alguma coisa. Hoje ele insinuou novamente um envolvimento entre nós e isso não é legal.

-- Aghata, não há regras contrárias a nos envolvermos. Eu “tô” pouco me lixando para o que o Fingal pensa!

Eu não podia ser grosseira com ela e ao mesmo tempo eu não podia expô-la.

-- Não são as regras, Paula. Eu só não quero chamar a atenção para nós. O fato é que ele sempre pegou no meu pé. Se você pedisse dispensa, eu ficaria só mais um tempo e pediria a minha também alegando que não tinha mais condições psicológicas para trabalhar. Aí nós poderíamos nos livrar disso e com salvo conduto para sair do país.

-- Nem pensar Aghata! Não quero viver mais sem você e depois como ficaria essa gente exposta a pessoas como ele?

-- E você tá pensando o que? Em denunciar? O governo é que está por trás disso, Paula! A gente está com os pés e mãos atadas! E sua vida na universidade, como fica!

-- Eu pedi licença não remunerara.

-- Mas até para isso tem limite.

Os olhos de Paula marejaram, eu estava me desesperando e ela estava começando a achar que eu estava a evitando. No fundo era isso mesmo. Não queria envolve-la nisso, não queria que ela descobrisse a sujeira. Ela poderia sair ferida e mais uma vez seria por minha causa.

-- Olha, vamos fazer o seguinte, hoje você me ajuda, mas a partir de amanhã, eu quero que você siga com as suas funções de sempre. Esse cara é louco e é esperto também. Para ele achar de se meter com você por estar muito próxima a mim, não vai custar. A gente se fala nas horas de folga e a noite está bem?

Eu cheguei perto dela e toquei o seu rosto. Ela era muito linda, seus olhos sempre me atraíram e sempre me comoveram, mas eu precisava me afastar e manter o foco.

-- Está bem assim? – Falei suavemente enquanto afagava o seu rosto.

-- Está bem.

Levei-a para a mata, mas estava cada vez mais difícil de afastá-la. Não poderia partir seu coração novamente, isso acabaria com ela e comigo.

Terminamos o nosso trabalho de cortar as madeiras para a cabana, já passavam das quatro horas de tarde e ela não sabia o que havia me feito para eu estar tão na minha e quieta. O problema era esse, ela não havia feito absolutamente nada. Eu é que tinha que resguardá-la de mim mesma! Como eu iria fazer?

Voltamos para o acampamento levando tudo. Eu estava calada e ela nada perguntava. Estava a magoando novamente e não sabia o que fazer. Juntamo-nos a todos em uma conversa amena no inicio da noite antes do jantar. Quase na hora de dormir ela me perguntou o que havia feito. O que eu responderia? Ela não havia feito nada! Ela só estava no momento, no lugar e na hora errada.

-- Você não fez nada. Absolutamente nada. Eu só estou com medo por você.

-- Mas por quê?

-- Olha!

Segurei seu rosto e falei olhando em seus olhos. Se eu tinha que mentir, queria olhar para ela para me lembrar bem do “porque” eu estava mentindo.

-- Já te falei sobre isso mais cedo. Esse cara é perigoso e eu tenho medo de te perder tá bom! Hoje ele me requisitou para daqui a quatro dias escoltar um comboio para outro acampamento. Disse que eram ordens do comando que eu fizesse parte da organização do acampamento. No fundo eu acho que ele me quer próximo a ele para poder me vigiar. Não gostaria de você metida nisso.

-- Escoltar por que? Eles sempre enviam escolta!

“Droga! A danada era inteligente”! Eu sorri, pois eu adorava isso nela. Por sinal eu estava com uma vontade louca de tê-la e isso fazia o nível de minha excitação subir ao topo da minha cabeça. Ela era linda, gostosa, inteligente e amorosa.

-- Paula, eu não sei por que eles precisam escoltar. O Fingal não me falou, mas eu não recusei, pois quero faze-lo achar que não me incomoda estar sob o seu comando. Daqui a quatro dias saberemos por que, mas até lá quero que ele não implique com você tá bom?

Ela baixou o rosto e a minha vontade era de abraça-la, de beijá-la, mas eu não podia fazer isso ali. Apesar de estarmos afastadas e quase chegando na cabana, não queria chamar a atenção para a gente.

-- Vamos entrar, não deve ter ninguém à essa hora e a gente fica mais a vontade.

Ela sorriu e caminhou na frente. Quando entrei e percebi que estávamos sozinhas a puxei para mim e me deliciei com sua boca saborosa. Ela tirava toda a minha razão. Eu não conseguia me segurar estando sozinha com ela. Sabia que não podia, mas não tinha forças. Aquele corpo gostoso, curvilíneo e ao mesmo tempo vigoroso sempre me deixou louca. Ela começava a apertar seu corpo mais forte contra o meu e mesmo por cima das roupas sentia a temperatura aumentar em seu corpo... em meu corpo... Escutamos um barulho vindo de fora e nos desvencilhamos arfantes. Era Garnet. “Droga! Ele sempre chega na hora!” Pensei. Depois agradeci silenciosamente, pois seria capaz de nos perdermos ali e isso não seria bom para nenhuma das duas.

-- Desculpe se atrapalhei algo...

Garnet lançou um olhar sínico com um sorriso nos lábios.

-- Atrapalhar o que? Claro que não Garnet!

-- Nós já íamos nos aprontar para dormir.

Paula falou já se encaminhando para o catre onde estávamos dormindo. Ajeitei-me junto ao seu corpo como na noite anterior, mas hoje parecia tortura. Custei a dormir e acho que a Paula também.

No dia seguinte, Fingal pediu para que voluntários me ajudassem a construir a cabana, já que serviria também para outras pessoas que estavam dividindo camas poderem se arrumar melhor no acampamento. Como eu iniciei a tarefa de construção, eu poderia ter um quarto menor e dividi-lo no máximo com mais uma pessoa. Eram regras feitas por nós mesmos, para incentivar essas construções quando estávamos muito comprimidos nos acampamentos. Devido às tarefas de auxílio e as constantes construções ou reformas de galpões para enfermaria e alojamentos para os desabrigados pobres, sempre deixávamos essas construções para abrigar o nosso pessoal meio de lado. A cabana foi feita em dois dias apenas, pois várias pessoas vieram ajudar se revezando entre as tarefas do acampamento. A construção tinha um quarto menor que seria o meu e de mais alguém que eu escolhesse, um quarto de banho com uma tina e um quarto maior que abrigaria mais oito pessoas. Para a nossa felicidade, nós teríamos banho de verdade naquele dia, não só pouca água para nos lavarmos como nos dias anteriores. Havia chovido dias antes de eu chegar e os caminhões pipa que se revezavam entre os acampamentos para abastecê-los puderam pegar água nas ribeiras e encher as grandes caixas de água do acampamento.

Tomávamos banhos em pares para não gastar muita água. Eu e Paula deixamos para tomar banho por último para podermos ter um pouco mais de privacidade. A última dupla já havia saído e já havia também esvaziado a tina. Fizemos um pequeno mutirão, entre mim e ela, para encher a tina com água limpa e fresca. Quando acabamos pegamos roupas limpas entre nossos pertences e nos fechamos no quarto de banho. Enquanto eu tirava a roupa descaradamente no meio do quarto para me atirar naquela água maravilhosa e tirar toda a sujeira do meu corpo, ela se despia de costas quase que envergonhada como se eu nunca a tivesse visto nua. Entrei na tina já me esfregando e olhando ela se despir.

“Deus! Como ela pode ser tão linda, tão maravilhosa?!”

Meus olhos percorriam seu corpo em cada curva, admirava cada gesto e pensava que toda a lembrança que eu tinha de seu corpo, não era mais que uma lembrança difusa. Para falar a verdade, as minhas lembranças eram bem claras e eu as guardara comigo durante todos esses anos, mas seu corpo adquirira contornos mais firmes, seios mais volumosos e curvas mais sensuais, como se fosse possível acrescentar mais beleza ao que para mim parecia já perfeito.

Meu trabalho de me esfregar já havia sido posto de lado, por mim mesma e me atinha na tarefa de admirá-la com a boca completamente aberta e o coração aos pulos. Ela me olhou e sorriu caminhando tranquilamente em minha direção para entrar na tina. Eu ainda olhava-a estarrecida e ela deu uma risada gostosa tirando a esponja da minha mão.

-- Vamos lá sujinha! Vire de costas que eu vou te ajudar a se banhar, tá bom!

Ela abriu novamente um sorriso. O que eu podia fazer? Virei-me e atendi prazerosamente a sua ordem. Banhamo-nos calmamente, mas ao final nos acariciávamos mais do que nos banhávamos. Quis amá-la calmamente, pois sabia que dali a dois dias talvez não a visse tão cedo, ou melhor, dependendo de como as coisas corressem, talvez não a visse mais. Só esperava que ela ficasse segura e que algum dia, os céu se compadecessem de mim e fizessem que ela me perdoasse mais uma vez. Sabia também que esse perdão não poderia ser pedido por minha boca. Eu não tinha mais esse direito...

Paula

Depois dela fazer amor comigo tão delicadamente, transbordando tanto amor, eu não tive mais dúvidas a respeito do que havia acontecido a anos atrás. Impossível ser mentira o seu amor. Ela havia com toda certeza sido enganada também. Vestimo-nos e fomos jantar com o grupo. Quase não consegui disfarçar minha felicidade. Jantamos e demos boa noite para todos. Como não podia deixar de ser, o Fingal fez uma de suas piadinhas sem graça.

-- Isso aí! Agora que as pombinhas tem um quarto só para elas tem que aproveitar mesmo! Aghata, eu sou seu fã. Pegou a mais gata do acampamento!

Aghata deu uma pequena parada no passo, mas sem se virar para o grupo. Depois balançou a cabeça e continuou caminhando. Garnet se levantou na hora, meio para que cortar o clima desagradável e disse que se recolheria também. Garnet se mudara para a cabana nova junto conosco.

-- Não liguem para esse babaca. Ele só está com dor de corno, pois só consegue pegar gripe e nada mais.

-- Ele já não me afeta mais Garnet.

Falou Aghata.

-- Pois a mim me afeta. Qualquer hora dessas eu quebro a cara dele!

Falei irritada. Aghata parou e me olhou com aquela sobrancelha levantada tão típica de sua ironia.

-- E não fale algo que implique a minha altura que eu vou ficar brava com você também.

-- Hahahahaha.

Os dois riram de mim. Acabei rindo junto, pois apesar de todo o meu treinamento em Judô, Kung Fu e minha disciplina matinal com o Thai Chi Chuan, sabia que era quase impossível eu quebrar a cara dele. Vocês se lembram que eu odeio dor, não se lembram?

Demos boa noite também para o Garnet e entramos no nosso quarto. Pois é, tínhamos um quarto só para nós duas.

Quando Aghata entrou, a única coisa em que eu pensava era; vou te devorar. Era isso mesmo que eu queria fazer naquele momento. Depois de tantos anos a amando e a odiando, eu estava mais apaixonada e eu queria tudo dela. Eu a olhei com fome e vi em seus olhos fogo, desejo, tesão.

Empurrei-a para que se sentasse no catre e comecei a despi-la sem proferir uma palavra.

-- Paula...

-- Shiiiiiii! Agora não é hora de conversar. Fale só para me pedir. Fale só para me ter. Diga só o que deseja...

Beijei seus lábios com fome de anos. Despi suas roupas com fúria e tirei as minha sem o menor pudor. Empurrei seu corpo para que deitasse e deitei por cima dela. Esfreguei-me em seu corpo como que tomada por um furor enlouquecido e capturei seu pescoço para deleitar com o sabor de sua pele. Fui descendo e lambendo sua pele aveludada. Era tão suave e ao mesmo tempo forte... Tão deliciosa... Seus gemidos chegaram aos meus ouvidos me atiçando.

-- Shiiiii. Ou você assume que estamos fazendo amor ou você vai ter que gemer mais baixo.

-- Aaaaahhhh Paula! Como eu posso gemer mais baixo?!! Aaaahhhh!

Sua voz era rouca e embargada. Eu sorri sobre a sua pele causando arrepios por onde a tocava com minha boca. Beijei um mamilo enrijecido, suguei-o, chupei com força.

-- Issssssss! Aaaaaahhhh! Mais forte!

Dei o que ela pediu e meu líquido já escorria entre minhas pernas. Era gostoso demais! Há quantos anos eu não tinha essa sensação?! Voltei a beijar seus lábios e falei entre as nossas bocas.

-- Vira pra mim, vira?

Ela se virou e eu puxei seu quadril a deixando de quatro. Olhei seus glúteos bem formados e sua umidade descortinava para mim. Passei a beijar seus glúteos com beijos aguados e lambi toda a extensão de sua fenda.

-- Aaaahhh! Paula... Issssss Gostoso... Aaaahhhh!

Posicionei-me deitada com a minha cabeça entre suas pernas, ela ainda de quatro com minha boca na direção da sua vulva. Que visão extraordinária!

-- Trás ela para minha boca, mexe gostoso na minha boca. – pedi quase sussurrando.

-- Paul... aaahhh!

Ela encaixou perfeitamente em minha boca e eu lambi com a língua plana toda a sua abertura.

-- Ai Amor! Delícia... Isssss! Me chupa!

Sua respiração estava em ofegos, entrecortada e eu mesma estava me descontrolando. Suguei como ela me pediu e comecei a me tocar simultaneamente, não estava aguentando de tanto tesão. Brinquei com a pontinha da língua em seu clitóris e voltei a chupar.

-- Não vou aguentar, Paula! Lambe, me suga! AAAAHHHH! Me suga, “tô” escorrendo. AAAAHHHHHH! Mais!

Passei a língua em torno de seu clitóris e voltei a suga-lo. Enfiei minha língua bem fundo na sua vagina e retornei a brincar com seu bulbo. Ela movia forte na minha boca e eu cada vez me tocava mais intensamente.

-- Vou gozar, Paula! Me suga... me bebe...UUUUHHHH!

Eu gozei junto com ela, meu corpo sacodindo e me deleitando com seu líquido gostoso escorrendo em minha boca. Eu estava deitada, mas percebi que as pernas dela começaram a bambear. Ajudei-a a deitar e a acolhi em meus braços. Eu a amava. Acariciava o seu rosto forte de traços marcantes e semblante belo. Ela chorou. “A Aghata chorando? Ela é forte! Decidida”!

-- Que foi amor? -- Eu estava assustada.

-- Me perdoa! Me perdoa!

-- Pelo que, amor? Você não fez nada!

Eu acariciava seu rosto e seus cabelos em meu colo. Ela foi acalmando e parando de soluçar. Enxugou as lágrimas que escorriam de seus olhos e me olhou com aqueles olhos azuis intensos. Seus longos cabelos negros estavam grudados em sua face pelo suor e pelas lágrimas. Retirei para que desse a visão completa desse rosto tão amado por mim.

-- Eu preciso te contar algo e gostaria que me escutasse até o fim. Eu não consigo mais esconder isso e não posso correr risco com você...

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Juro que tudo que ela me contou me deixou abismada e temerosa, mas eu a amava. Eu não poderia mais viver sem ela.









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Capitulo 22

[17/09/12]



Capitulo XXII – Destino... Ele novamente

Aghata

Tive muito medo dela largar tudo depois que eu falei. Mas não poderia deixar ela sem saber de nada e correr risco por conta de minhas atitudes e decisões. Conversamos muito a respeito do que fazer e decidimos que eu seguiria com o que já estava planejado. Sinceramente eu me surpreendi com a sua força e determinação. Eu tinha achado mesmo a minha cara metade, alma gêmea, ou fosse lá o que fosse. Ela era tudo para mim e eu queria me livrar de tudo que estivesse nos atrapalhando. Lógico que não queria nenhuma baixa, até por que essas pessoas eram tão inocentes, tão sofridas e tão carentes que não mereciam passar por mais alguma coisa. Contraditório o que estou contando a vocês nesse momento depois de tudo que sucedeu antes? Não é, e vocês vão entender por que.

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Na noite anterior ao encontro com o comboio aconteceu um fato em que o acampamento todo ficou perplexo. O Fingal saiu por algumas horas e retornou bêbado. Ele começou a dançar em volta da fogueira que às vezes o pessoal fazia a noite. Começou a afrontar todo mundo e a mexer com as mulheres. Paula me olhou contrafeita e Garnet se posicionou ao nosso lado. Estávamos sentados em “cadeiras” improvisadas de pedra e eu mexia com um galho no solo de cabeça baixa pedindo mentalmente para ele não se aproximar. Não queria me confrontar com ele, não era prudente na nossa situação. Não adiantou muito meus pedidos aos céus, ele veio direto em nossa direção e puxou Paula pelo braço.

-- Qual é loirinha? O que ela te dá eu posso fazer muito melhor.

O cheiro de bebida rescendeu no ar.

-- Me larga Fingal!

Paula se livrou de seu agarro e se colocou em uma posição de defesa. “A Paula sabia lutar”? Eu não sabia. Aliás, não sabia muita coisa dessa pessoa tão amada por mim. Garnet levantou e se posicionou ao lado da Paula. Eu apenas levantei a cabeça e olhei bem dentro dos olhos de Fingal. Ele queria me desestabilizar, queria me afrontar. Não gostou de que eu estivesse trabalhando junto com ele e isso o estava enlouquecendo. Bom, não era problema meu, que se danasse se ele não estava gostando, eu que não iria por tudo a perder a essa hora do campeonato.

-- Fingal, amanhã temos que sair cedo.

Me levantei e virei de costa me encaminhando para a cabana. Olhei novamente para trás e o fitei.

-- Não acha melhor irmos dormir?

Voltei-me novamente andando para a cabana. Escutei um urro de cólera e dei meia parada. Se esse cara perdesse a cabeça, eu cortaria os bagos dele sem a mínima pena. Logo percebi que Paula me acompanhava e Garnet também.

-- Ele não gostou muito de sua atitude.

-- Estou pouco me lixando para o que ele pensa.

-- Vamos todos dormir que é melhor. – Falou Garnet.

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-- Estou pronta Fingal! Podemos ir.

Ele saiu da sua cabana com cara de poucos amigos e umas olheiras de fazer gosto. Bem feito, quem mandou ser criança e encher a cara com uma bebida de fundo de quintal? Ria por dentro, pois provavelmente seus reflexos deveriam estar péssimos.

-- Vamos, já está na hora.

Foi a única coisa que disse durante o trajeto inteiro. Andávamos já há mais ou menos uma hora em uma estrada de barro esburacada e Fingal não estava suportando de tanta dor de cabeça.

-- Será que não dá para acertar menos buracos?

Ele perguntou a Greg, o motorista. Greg deu uma olhada de rabo de olho e soltou uma gargalhada. Tinha um charuto fedorento no canto da boca e continuou sorrindo. Olhou pelo retrovisor em minha direção ainda sorrindo e disse.

-- Sabe Aghata, você deve se perguntar por que o Fingal está com tanta raiva de você.

-- Não me interessa por que ele tem raiva de mim.

-- Hahahahaha! Esse é o problema. Você não dá a mínima para o que ele pensa. O ego dele fica muito machucado sabia? Hahahaha!

Se fosse outra pessoa, o Fingal teria tirado satisfações naquela hora mesmo, mas o Greg era o seu braço direito e um cara truculento, provavelmente já tiveram inúmeras vezes discursões a respeito das atitudes do Fingal.

Chegamos ao ponto marcado e o comboio já havia chegado também.

-- E agora vamos esperar?

-- Disseram para eu deixar a negociação inteira por sua conta, estamos aqui só para escoltar! -- Fingal falou contrafeito.

-- Você já negociou com eles antes? Você já os conhece?

Joguei para massagear seu orgulho e estimular para que ele falasse algo.

-- Claro que sim! Essas armas sempre foram negociadas por mim! Sempre dei os preços e sempre aceitaram. Mas parece não ser o suficiente para Padox e Hasnar. Querem você agora.

Ele falava com raiva dissimulada.

-- Entendo. (***) Olha Fingal, nós dois erramos. Deveríamos ter conversado sobre isso antes. Padox e Hasnar me colocaram dentro por conta de outros contatos, contatos que eu tinha. Não era para eu vir negociar nada hoje. Talvez acompanha-los para saber o funcionamento, mas não negociar. Não tenho nada a ver com seus contatos. Eles só estão querendo ampliar os negócios comigo. Fazer novos contatos.

-- Então não está aqui para negociar com os Barhas?

-- Não! Nem os conheço. Eu fazer isso, talvez venha a ser um grande desastre!

Fingal coçou a cabeça e olhou para Greg. Greg o encarou.

-- Droga! Eles querem o dinheiro, mas falam tudo pela metade! Melhor deixar ela no caminhão, você sabe que os Barhas são desconfiados.

Parecia que eles tinham me esquecido ali e estavam discutindo entre si. Fingal estava em silêncio como que analisando a proposta de Greg.

-- Ok! – Ele se dirigiu a mim. -- Você vai ficar aqui no caminhão, mas se esconda, não apareça, pois eles se melindram por qualquer coisa e não pensam muito bem. Se virem alguém diferente podem querer cancelar tudo.

Anuí com a cabeça. Era tudo que eu precisava. Eles saíram e foram ao encontro do comboio com as armas. Eu estava nervosa e apreensiva. Havia gravado tudo para a polícia internacional. Só precisava que acabasse logo. Vi três caminhões ao longe. Eram os compradores.

Estavam conversando a mais ou menos 10 minutos quando tudo começou. Já havia estado em uma emboscada antes, no acampamento anterior, se lembram? Pois é. É um inferno de balas e granadas voando para tudo que é lado. Vi os coletes da Polícia Internacional e deduzi que eles haviam conseguido pegar Padox e Hasnar. Quando olhei para frente, vi Greg correndo de encontro ao caminhão onde eu estava, mas antes que chegasse, um tiro de fuzil atingiu em cheio a sua cabeça. Tive vertigem, pois apesar de ser médica e neurologista, aquela forma de ver o sangue, o cérebro de alguém explodindo, a vida se esvaindo, nada tinha de heroico ou nobre. Vi Fingal escapar pela savana correndo. Eu o deixaria ir? Pensei que a vida de muita gente dependia de eu intercepta-lo ou não. Lancei-me para fora do caminhão e corri atrás dele. A corrida para alcança-lo foi difícil, mas ele era corpulento e pesado. O alcancei e me joguei em cima dele para derrubá-lo e pará-lo. Meus anos de artes marciais me ajudaram mais uma vez. Ele se desvencilhou e me deu um chute no rosto que só não pegou em cheio por meus reflexos apurados.

-- Sua vagabunda traidora!

-- Traidora?! Eu acho que você está invertendo as coisas Fingal! Quem entrou para as forças de paz e traiu a confiança dessas pessoas necessitadas foi você, não foi?

-- Aaarrrr!

Ele partiu para cima de mim com tudo. Tive tempo só de me esquivar e lançar um chute em seu traseiro. Se eu estivesse em outra situação até riria dele, mas o cara estava com o bicho no corpo e se voltou para mim no mesmo pé em que recebeu o chute. Dessa vez ele me acertou em cheio. Uma nuvem povoou minha mente e eu enlouqueci. Não vi mais nada. Era um defeito meu que eu abominava e me acompanhava desde adolescente. Apanhei tanto na minha juventude nas ruas que aprendi a me defender, só que quando eu começava a apanhar, algo brotava em mim que era quase inconsciente... irracional. Uma raiva destemperada surgia e eu reagia da pior maneira, pois eu não via a hora de parar. Eu simplesmente deixava acontecer. Durante muitos anos fiz terapia para acalmar esses meus demônios e finalmente agregada às artes marciais eu consegui controlar. Mas depois desses anos nessa terra em que muitas vezes só a força fazia você sobreviver, meus demônios retornaram. Meus punhos ardiam de tanto bater e meus olhos não viam nada a não ser um rosto desfigurado em sangue e carne na minha frente. Escutei dois estampidos e nesse momento meu corpo caiu. Eu só senti frio...

Paula

Às vezes é difícil entender porque a gente ama alguém de uma forma tão intensa que não conseguimos raciocinar para onde nossos atos nos levam. Amor, decepção, sofrimento e alegrias incomuns... Depois de cinco anos vivendo no limbo e quatro meses de desespero eu entrava em minha sala na universidade para voltar a atender meus alunos de mestrado.

-- Bom dia Ingrid.

-- Bom dia Srtª Atanar. Quer que leve um café para a Srtª?

-- Não precisa Ingrid, acabei de tomar café na cantina.

-- A Srtª não precisa tomar café lá. Sabe que é um prazer para mim, eu levar o seu café.

Eu inspirei fundo. Tentava ao máximo não constrangê-la ou causar nenhum desconforto entre nós, mas depois de tudo que me aconteceu eu não me encontrava com humor ou disposição para relevar algo que somente cresceria se eu deixasse correr. Parei diante da porta da minha sala e sem me virar pedi que ela me acompanhasse.

Sentei-me e pedi que ela sentasse a minha frente.

-- Ingrid gostaria que você não me levasse a mal, mas...

Inspirei fundo novamente. Percebi seu desconforto e intuía que ela sabia o que eu diria, pois ela baixou seu olhar já marejado por lágrimas.

-- Ingrid, eu não quero que você tenha falsas esperanças, só isso. Meu coração foi, é, e sempre será de uma só pessoa. Fico lisonjeada com a sua atenção, mas eu nunca poderei corresponder. Você me entende?

Ela começou a soluçar e isso quase me matou. Suas mãos estavam postas sobre a mesa e as lágrimas escorriam frouxas de seus olhos. Coloquei minhas mãos sobre as dela.

-- Vamos fazer o seguinte. Você me promete que vai tentar encontrar uma pessoa que te ame de verdade e eu prometo que não vou mais tocar nesse assunto. Assim você se livra de mim e eu ganho uma amiga.

Eu sorri para ela para tentar tirar a seriedade do assunto. Ela sorriu também tentando enxugar as lágrimas.

-- Não seria você a se livrar de mim?

-- Eu não quero me livrar de você, Ingrid. Eu só quero que você possa se livrar desse sentimento que você tem por mim e ter alguém que corresponda o seu amor verdadeiramente. Eu não posso corresponder e isso vai fazer você sofrer muito. Eu não quero isso. Promete que você vai tentar?

Ela se recompôs e só sinalizou que sim com a cabeça.

-- Muito bem, então vamos começar a trabalhar, ok?

Ela sinalizou novamente já se levantando para sair, quando alcançou à porta ela voltou-se e me perguntou.

-- É a senhora Munhoz, não é?

-- Sim. -- Foi a única coisa que eu disse.

Ela se voltou novamente e saiu.









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Capitulo 23

[19/09/12]



Capítulo XXIII -- Bonança

-- Amor! Onde você está?

-- Aqui no ateliê.

Cheguei por trás e a abracei cuidadosamente, pois sua cirurgia ainda estava recente. Olhei para a argila que estava sobre o prato giratório onde se podia ver uma massa arredondada com uma face sendo esculpida.

Aqueles últimos dias foram os mais loucos e mais difíceis de toda a minha vida. A decepção que eu tive quando pensei que Aghata tinha me traído com o projeto, não chegou aos pés da dor de vê-la quase morta em meus braços se esvaindo em sangue de um tiro em seu ventre. Eu e Garnet tentávamos de todas as formas mantê-la consciente e confortável para que ela chegasse a um hospital em que pudesse ser tratada adequadamente.

Vou resumir um pouco o que aconteceu na vida de Aghata depois que ela entrou para o programa de paz para vocês poderem entender como tudo aconteceu.

Na noite em que eu e Aghata fizemos amor na cabana recém construída, ela me contou que já sabia de todo o esquema do diretor das forças de paz e do chefe de estado, contou também que Garnet era um contato da polícia internacional, eu me desesperei. Aghata me contou que tinha intuído as operações ilegais dentro das forças de paz, pouco mais de dois anos atrás. Garnet viu que ela estava percebendo e para que ela não atrapalhasse a operação da polícia internacional, ele pediu uma minuciosa investigação de sua vida e depois se apresentou fazendo uma proposta para que ela o ajudasse a desarmar o esquema e para que conseguissem prender os cabeças; Padox, o diretor das forças de paz no país e Hasnar, o chefe de estado. Quando Aghata entrou em conflito com Fingal, Garnet já tinha muita coisa contra eles para prendê-los e resolveu que seria melhor afastar Aghata, sendo assim ela foi para outro acampamento que foi atacado e quase que dizimado pelos asseclas de Fingal. Ele estava realmente com raiva dela e acabou gerando desconforto para o governo e para o diretor das forças de paz. As ações dele estavam começando a refletir sobre o diretor e o chefe de estado fazendo-os perder a confiança nele. Quando Aghata soube que eu estava no acampamento, procurou os contatos da polícia internacional e pediu que a colocassem de volta no programa. Eles já tinham uma emboscada armada e a intervenção de Aghata poderia ser até bem vinda. Ela procurou Padox com uma proposta de novos contatos dizendo que Fingal era um cara “muito aberto”, por assim dizer, quando estava bêbado e com raiva. Desta forma ela colocou a credibilidade de Fingal em jogo e disse que queria participar do esquema e ao mesmo tempo eliminar para eles “o problema Fingal”. Padox e Hasnar não precisaram pensar muito para ver a vantagem em coloca-la de volta no programa e continuar assim com suas atividades extras com um aumento de seus lucros. Bem, o resto vocês já sabem, a não ser a parte em que a Aghata estava batendo em Fingal a valer e que ele naquele momento alcançou uma pistola que carregava em um coldre em seu tornozelo e atirou em Aghata atingindo o seu ventre. Para o azar dele e sorte de Aghata, Garnet chegava para intercepta-los e vendo a ação de Fingal, atirou matando-o.

Na operação para prender Padox e Hasnar, eles “reagiram” e foram mortos. Até hoje eu não sei se essa história contada pela polícia internacional é realmente verdade, mas ninguém mais além deles, Fingal e Greg sabia da ação de Aghata, como todos eles foram mortos, Garnet falou que nós não precisaríamos nos incomodar com represarias.

Um helicóptero da polícia internacional nos pegou sob o comando de Garnet para levar Aghata para um hospital. Ela passou quase três dias entre a vida e a morte e eu quase fui junto com ela. Se ela morresse eu acho que não conseguiria suportar. O meu coração está tão preso, tão ligado ao dela que se o dela parar, acho que o meu para junto. Podem achar piegas e exagerado, mas é assim que eu sinto mesmo. É uma força tão grande, que eu sinto, tanta alegria em vê-la e tanto aperto quando eu estou longe... Podem sacanear e falar “que dramática”! Eu não ligo. Hoje eu só ligo mesmo é para essa luz que me preenche quando meus olhos se encontram com o intenso azul dos dela e com o sol que irradia de seu sorriso.

Ok! Vamos voltar. Eu cheguei em casa e sabia que ela estava fazendo alguma coisa para se distrair. Ela é uma excelente médica e uma péssima paciente.

-- Amor! Onde você está?

-- Aqui no ateliê.

Como eu disse antes, subi e a abracei por trás. Ela se voltou para mim com aquele lindo sorriso e me beijou. Que beijo gostoso!

-- Comeu alguma coisa?

-- Não, vim direto da universidade. Eu queria almoçar com você.

-- Então vamos ter que pedir comida porque não tem nada para comer. Você sabe que essa não é uma das minhas melhores habilidades, não é?

Eu sorri, pois realmente quando ela tentou fazer alguma coisa para mim, ela sujou um monte de coisas e acabou queimando o assado.

-- Eu já deixei umas coisinhas engatilhadas antes de sair.

-- Que mulher prendada! Hahahaha!

Ela estava me sacaneando e eu bati de leve no seu braço. A minha bobeira por amá-la chegava a tanto que eu até achava engraçadinho...

-- Vamos engraçadinha desastrada. Vou esquentar o nosso almoço.

Virei-me para descer e ela quase me pegou no colo.

-- Desastrada, é? Você vai ver a desastrada.

-- Me coloca no chão Aghata! Você não pode fazer força, sua maluca!

-- E quem disse que eu te pegando no colo estou fazendo força?

Ela esfregou o nariz em meu pescoço já me colocando no chão e eu me arrepiei toda. Estava difícil eu deixa-la se recuperar, viu? Cada vez que ela me segurava e fazia um dengo, eu pegava fogo! Ela não ajudava muito, vivia me provocando. Dava até raiva.

Comemos conversando sobre o nosso futuro. Eu não queria me mudar novamente, tinha minha vida estabelecida e ela disse que era do mundo, então, que não havia lugar melhor para ela começar de novo do que aqui. Pela primeira vez durante anos me deu vontade de visitar minha cidade, minha família e meus antigos amigos. Combinamos de nas minhas férias da universidade visitar Ana, Cacá e meus pais.

Aghata

Já tinha mais de vinte dias que eu havia saído do hospital e estava na casa de Paula. Apesar de meu corpo ainda estar se refazendo, minha alma estava plena. Tudo valeu a pena. Desde a traição do André até as agruras sofridas durante todos esses anos nos acampamentos das savanas. As pessoas que conheci, as vidas que salvei com meus conhecimentos médicos, as falcatruas que ajudei a desmantelar e o meu grande amor de volta a minha vida. Talvez tivesse que ser assim mesmo ou talvez pudesse ter sido diferente, não sei... Não conheço nada dessa coisa de destino, mas posso jurar que o meu e o de Paula já estavam traçados desde sempre. Eu a amo e hoje é o que me importa.

Passava horas no ateliê da casa de Paula, ela tinha uma veia artística muito boa. Além de gostar de leitura havia construído esse pequeno ateliê para suas pinturas. Contou-me que desenvolveu esse hobby depois que veio para cá. Praticava Tai chi chuan todos os dias de amanhã e quando não dava tempo o fazia a noite. Comecei a acompanha-la aos poucos, pois ainda tinha muita dificuldade devido à gravidade do meu ferimento e posteriormente da cirurgia. Não fazia os movimentos mais complexos, porém já conseguia executar os mais simples. Eu tinha um bom conhecimento dos movimentos devido a minha prática do Kung Fu, mas era um verdadeiro exercício da minha paciência, já que eu sempre optei pelas práticas mais agressivas. No ateliê eu trabalhava em argila, uma atividade que fui aprimorando no meu período de andanças pelas savanas. Era o que eu fazia lá para matar o tempo e o material eu conseguia ofertado pela própria natureza.

A Paula chegava todo dia da universidade para almoçar comigo e eu estava doida para fazer amor com ela, porém ela me dizia para esperar até o meu médico-cirurgião me liberar para atividades mais intensas. Isso estava me deixando maluca! Naquela manhã eu havia estado no consultório de meu médico para mais uma avaliação e ele me liberou para várias coisas inclusive... SEXO! Muito bom isso. Um lindo, maravilhoso e gostoso SEXO como minha mulher!

Cheguei a casa àquela manhã e resolvi fazer uma surpresa para a Paula. Encomendei um almoço em um dos restaurantes mais conceituados da cidade e arrumei a mesa primorosamente, tudo regado a um maravilhoso vinho. Enchi a hidromassagem e coloquei uma espuma de banho com um aroma silvestre. Apesar de saber que nos meteríamos na banheira, tomei um bom banho, me perfumei e coloquei um robe de seda e um conjunto de renda negro.

-- Amor! Já cheguei!

Eu a observava pela vidraça da varanda e ela estava divina. Nunca me cansava de olha-la. Serena, segura e de uma leveza que para mim parecia que levitava em torno de tudo.

-- Eu estou aqui! -- Falei.

Ela olhou através da vidraça e sorriu. “Por todas as forças da natureza, que sorriso!” -- Eu pensei. – “Por Deus! Como eu poderia ser mais feliz”!

-- Hey! Você anda querendo me matar, não?

Ela chegou até mim, me abraçando e pousando as mãos delicadas sobre a peça de seda em minha cintura.

-- Você não sabe o quanto eu ando me segurando para que a sua saúde seja completamente reestabelecida? -- Me beijou suave, mas transbordando paixão.

-- O que você não sabe minha pequena, é que hoje você pode melhorar substancialmente a minha saúde! -- Falei entre seus lábios roucamente.

-- Isso quer dizer que você foi ao médico... -- Me beijou novamente. -- E que temos um pouco mais de autonomia? -- Mais um beijo.

-- Um pouco mais de autonomia não. Eu tenho total liberdade para amar minha mulher! -- Falei com propriedade a enlaçando e beijando-a com ardor.

-- Huuummmm! Isso não vai prestar!

-- Huuuummm! Isso vai prestar e muito!

Eu falei já a empurrando para dentro e em direção à escada sem deixar seus lábios órfãos. Não sei exatamente como chegamos ao quarto, mas estava muito bom. Eu me envolvi em seus beijos e ela já estava praticamente sem roupa. Suas mãos passeavam pelo meu corpo e eu só via sua boca e seus seios em minha boca... Maravilha, não? Bom... Maravilha! Mas não exatamente por que eu conduzia... Eu nunca consegui medir forças com ela nesses assuntos. Na realidade eu me sentia a tal, mas ela é quem ditava as regras, mesmo que sutilmente. Ela sabia exatamente como me deixar a sua mercê... E eu? Eu amava tudo nela! Sem tirar nem por. Ficava louca só de ouvi-la pedindo coisas que eu jamais imaginei serem pedidas, ditas e feitas tão naturalmente.

Depois que eu me descobri a amando e depois que tudo aconteceu nos separando, eu cheguei a ter um relacionamento com outra mulher. O fato é que eu até senti tesão, mas durante o relacionamento, eu não sentia a naturalidade, o desejo e a emoção de estar com alguém. Entendi que eu era homossexual, mas entendi também que eu só amava uma mulher: Ela! Deixei para lá as minhas necessidades, pois não valia a pena e agora... Que coisa louca! Ela me tocava e me pedia, me beijava e me instigava e eu? Bem eu dava, beijava, tocava com essa ansiedade insana que deixava todos os meus sentidos torpes. Isso tudo porque era ela!

-- Preciso de um banho.

Ela falou entre meus lábios, mas já me empurrando para que eu parasse.

-- É pra já, senhorita!

Ela riu muito.

-- O que?

Eu a segurava pela cintura com uma expressão intrigada em meu rosto.

-- A primeira vez que eu ouvi você me chamar de senhorita, foi quando você deu aquele esculacho no Roberto lá no laboratório onde eu trabalhava e eu fiquei imaginando que tipo de pessoa ainda chamava alguém assim nos dias de hoje. Na realidade eu achei uma gracinha...

Seu sorriso com aquele narizinho arrebitado era lindo.

-- Isso é um sinal de respeito, sabia?

-- Hahahahaha!

-- Que foi? Não gosta? Então não falo mais assim...

Falei com falsa contrariedade, pois sabia que ela me beijaria para me ver feliz. Não demorou a sentir meus lábios cobertos pelos dela em um beijo para lá de delicioso. Não teve como não desfazer a minha carranca e voltar às carícias.

-- Ei! Ei! Ei! Vamos parar se não, não tomo meu banho e quero estar tão cheirosa quanto você.

Ela me empurrou novamente.

-- Pois eu preparei um banho para você ótimo.

Apontei a hidromassagem.

-- Ok! Então a se-nho-ri-ta vai lá para baixo e me espere.

-- Como assim?!

Falei com certa decepção e ela sorriu maliciosa.

-- Eu quero me aprontar, quero me perfumar, quero estar gostosa e quero te fazer uma surpresa, além de estar com fome e querer comer a entrada antes do “prato principal” e da “sobremesa”.

Confesso que eu me emocionei por ela se lembrar da primeira vez em que nos amamos. Quem não se emocionaria? Ela nunca se esqueceu de mim realmente, nunca esqueceu nosso amor e nossos momentos juntas. Meus olhos enchiam de lágrimas e eu me virei para não deixar que ela visse minha emoção. Ela me segurou pelo braço e me fez encará-la.

-- Ei meu amor! Não quero que você esconda nunca de mim o que você sente, pois eu não quero nunca mais esconder de você o que eu sinto e o que eu sou.

Ela me beijou nos olhos e me abraçou apertado. Essa mulher era parte de mim e isso era um fato. Eu sorri e assenti com a cabeça me virando para ir para a sala. Voltei-me novamente.

-- Quando você descer eu te conto a história do “senhorita”.

Voltei-me novamente e saí.



Paula

Terminei meu banho mais rápido do que o de costume considerando que eu sempre adorei banho de hidro, mas não queria fazer a Aghata esperar muito. Eu não queria esperar muito! Estava ansiosa por ela, pelas mãos dela pela sua boca, pela sua pele e... Pelo seu passado... Que coisa foi aquela de dizer que me contaria a história do senhorita? Bem, eu era uma pesquisadora por profissão e por natureza também. Minha veia investigativa me deixou com a pulga atrás da orelha.

Passei hidratante no corpo, vesti um conjunto de renda preta como o dela, é, eu havia reparado pela transparência de seu robe de seda. Quem em sã consciência não repararia aquela mulher toda gostosa vestida daquele jeito? Porém, optei por um robe atoalhado para não deixar transparecer meu corpo, pois não queria distraí-la. Sentia que Aghata queria mais a minha atenção para sua história do que propriamente nosso momento íntimo. Esse momento viria com certeza, mas ela precisava de mim. Eu sabia disso e aprendi que ela costumava sufocar suas emoções por não querer dividir com ninguém, mas aprendi nesses poucos dias de convivência com ela, que ela estava cada vez mais debelada com seus sentimentos. Desci as escadas e observei seu olhar risonho. Abracei-a e pousei meus lábios sobre os dela em um leve e suave beijo.

-- Vamos comer?

Perguntei passando a mão pela minha barriga quase indicando que era só isso que eu queria naquele momento. Ela elevou sua sobrancelha num gesto tão apreciado por mim.

-- Está com muita fome mesmo! Pelo visto a “entrada” está mais esperada que o “prato principal”!

-- Hahahaha! Deixa de ser boba, eu quero te namorar sem pressa.

Fiz uma cara maliciosa para que ela relaxasse da preocupação.

-- Ok. Ok! Temos aqui um ma-ra-vi-lho-so pato ao molho de poivre.

Ela destapou os pratos e lá estava o nosso prato da “primeira vez”. Eu sorri e meus olhos encheram de água. Ela podia negar com todas as forças, mas era uma romântica irreparável. Estendi a mão para que ela sentasse.

-- Vamos fazer como manda o figurino. Primeiro a entrada. -- sorri.

-- Já entendi.

Começamos a comer e realmente o prato estava maravilhoso. Lembrei-me de cada momento junto a ela naquela noite em que fizemos amor pela primeira vez. Parecia que tudo que tínhamos passado depois disso tinha sido encoberto por uma bruma de passado e tempo. Parecia que não fazia mais parte de nossa história e sim de algum conto de filme de horror.

-- Você disse que ia me contar a história da “senhorita”. Que história é essa?

Ela parou com o garfo na metade do caminho para a boca e depois inspirou pesadamente.

-- Não quero estragar a nossa tarde. Depois falamos disso.

-- Não. Tudo que tem relacionado a você me interessa. Nada estragaria a nossa tarde se eu conhecer mais um pedaço de você. Entenda que eu a amo e se o que você contar é a seu respeito, eu vou querer participar. O sexo eu adoro com você, mas o que me move é meu amor e isso inclui tudo que você é.

Ela inspirou novamente.

-- Está bem. Vamos lá.

Ela inspirou outra vez passando as mãos pelos cabelos.

-- Acho que é um assunto um pouco pesado, mas se você quer...

-- Eu quero.

Falei com firmeza e levantei pegando-a pela mão para que sentássemos no sofá da sala. Acomodei-me em umas almofadas e puxei-a para que ela se acomodasse entre minhas pernas pousando sua cabeça em meu peito. Comecei a acariciar seus cabelos vastos e negros deixando-a a vontade para começar a falar a sua história. Depois de alguns minutos de silêncio ela pareceu relaxar para falar.









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Capitulo 24

[22/09/12]



Capítulo XXIV – A felicidade existe

-- Essa minha história só começa quando meu pai morreu. Eu tinha uns oito anos. Ele era motorista de caminhão e muitas vezes, fazia viagens longas. Minha mão vivia para a casa e sempre foi muito amorosa comigo, meu pai também, mas não era muito presente pela sua profissão. Mas quando ele chegava, sempre trazia algum presente, por menor que fosse para mim e para minha mãe. Vivíamos com certa dificuldade, mas éramos felizes. Um dia meu pai dormiu dirigindo. A notícia de sua morte nos chegou pelos noticiários...

Ela deu uma pausa e minha respiração quase parou. Ela nunca tinha falado de sua família embora tivesse dito que não tinha ninguém.

-- Bem, minha mãe não tinha como nos sustentar, pois nunca tinha trabalhado na vida. Tentou emprego em vários lugares. Empregada doméstica, atendente, faxineira, mais ninguém queria dar emprego a alguém que nunca trabalhou. Um dia ela disse que arrumou um emprego, mas que era à noite. Eu era criança e não me atinei. Depois de um ano minha mãe disse que nos mudaríamos, pois nossa casa era alugada e ela estava namorando outro homem. Meu padrasto era um homem truculento e boçal. Após um ano morando com ele, ele começou a chegar tarde em casa e bêbado. Depois de mais seis meses ele começou a bater em minha mãe. Eu falava para ela larga-lo, mas hoje eu compreendo que ela fez o que fez para me sustentar...

Os olhos de Aghata marejaram e apesar de estar em uma posição em que pouco dava para ver de seu rosto, sabia que as lágrimas estavam banhando aquela face por mim tão amada. Apertei-a em meus braços e nada falei. Ela permaneceu em silêncio alguns minutos, talvez rememorando esses dias de sua vida.

-- Um dia eu cheguei em casa depois da aula... eu estudava em um colégio do governo próximo a nossa casa. Minha mãe me falava que eu deveria estudar para que nunca acontecesse comigo o que aconteceu com ela... Eu era uma boa aluna, mas...

Ela inspirou novamente.

--... Nesse dia ele batia muito em minha mãe. Ela já estava desacordada, eu enlouqueci! Já tinha quase onze anos, mas era grande para minha idade. Ele estava muito bêbado, não percebeu a minha presença, eu o empurrei e ele bateu com a cabeça na quina da pia... Os vizinhos chamaram a ambulância... Ele morreu em decorrência de um edema cerebral devido ao traumatismo craniano. Minha mãe morreu logo depois devido a hemorragia interna pelos traumas sofridos com a agressão. Antes de a levarem para o hospital na ambulância ela me falou quase em um sussurro de voz. “Minha filha, não deixe que ninguém dite sua vida, você é forte e inteligente. Cresça e ganhe o mundo como jamais eu e seu pai pudemos fazer. Seja feliz e faça a felicidade”. Ela me chamava de senhorita quando queria a minha atenção.

Ela fez mais uma pausa e eu já estava chorando silenciosamente.

-- Eu fui mandada para uma instituição para menores órfãos. Odiei os meus primeiros anos lá. Era revoltada e briguenta. Um dia, consegui fugir e fui parar nas ruas. Conseguia dinheiro fazendo biscates, mas minha raiva era cega. No início foi difícil, pois sempre tinha alguém querendo se aproveitar de mim, mas aprendi a brigar e era maior que a maioria dos meninos de rua da minha idade. Estava há quase um ano nas ruas. Sempre conseguia tomar banho, dormir, comer em algum bar em que eu me oferecia para auxiliar na limpeza após o expediente, eu já tinha quinze anos e era corpulenta, já tinha as curvas de mulher feita. Um dia, um homem de um bar quis me violentar, bati tanto nele que até hoje eu não sei o que aconteceu... Fui presa e me levaram novamente para a instituição para menores. Foi nesse tempo que conheci Senhorita Marli...

Ela deu uma pausa e sorriu. Isso aliviou meu coração por perceber que sua juventude não havia sido só tristeza.

-- Ela era dura e ao mesmo tempo cheia de amor. Diferente das outras diretoras que eu tinha conhecido nessas instituições. Ela não dava mole, sabia que muitos de nós tínhamos passado por muitas coisas ruins, mas não nos tratava com hipocrisia, pois a maioria de nós, se deixasse, montava mesmo. Ela conseguia ser severa na medida certa e conseguia ser compreensiva na medida certa também. Ela era como poucos, pois a maioria que trabalhava nesses lugares ou eram condescendente demais por achar todos pobrezinhos, ou eram rudes demais por achar que éramos um bando de delinquentes. Até hoje eu não sei como ela conhecia tão bem a natureza humana, porque ela sabia exatamente quando dava uns apertos maiores ou quando afrouxava o laço.

Aghata sorriu mais uma vez e relaxou seu corpo em meu abraço, fechou seus olhos e se calou. Deixei o tempo que fosse para ela continuar a falar. Vi que era algo muito doloroso para ela se lembrar dessa época, mas intuí que ela queria... queria não, ela precisava se expor. Sentia como uma necessidade latente desde que nós retornamos. Apesar de estar se reestabelecendo, ela estava nostálgica e extremamente calada. Era como se tudo que passamos retornasse a algo que ela era incapaz de expurgar. Após alguns minutos ela voltou a falar.

-- Ela me chamava de “Senhorita” quando queria a minha atenção assim como minha mãe e pedia para eu chama-la de Senhorita Marli. Ela um dia me explicou que ela não era casada, e quando uma mulher não é casada recebia o título de senhorita, depois de casada o título que recebia passava a ser de senhora. Dizia que era sinal de respeito e que eu a chamasse de senhorita só o dia que eu achasse que a respeitava. A partir daquele dia, eu passei a chama-la de Senhorita Marli e não mais de Dona Marli como eu a chamava antes. Ela sempre me chamou de Senhorita Munhoz. Um ano depois ela se casou e eu já não era tão rebelde. Sempre a procurava para minhas dúvidas e inseguranças. Ela me incentivava cada vez mais a estudar e dizia que eu estava destinada a uma vida de conquistas. Falava para eu fazer meu próprio destino. Eu já a chamava de Senhora Marli e não mais de senhorita. Quando completei dezoito anos, me vi perdida, pois sairia da instituição. Ela não tinha filhos, não conseguiu tê-los, não sei se por ela ou pelo marido. Ela me chamou para morar com eles, pois eu havia passado no vestibular para medicina por incentivo dela e ela achava que eu daria uma ótima médica. Seu marido era médico e ele já me conhecia, pois ele sempre ia lá na instituição e sempre foi um exemplo para mim. O nome dele é André.

Suspendi minha respiração momentaneamente. Fiquei chocada! Então essa é a história do André com a Aghata? Minha cabeça estava em um turbilhão e eu fiquei imaginando como a de Aghata ficou todos esses anos depois do que ele fez na secretaria com ela. Ela retomou o relato vendo que eu estava estarrecida.

-- Vivi na casa do André e da Marli durante toda a faculdade. Aprendi muita coisa e sempre conversava com a Marli, ela era uma verdadeira mãe para mim e o André, apesar de sempre manter uma distância, quero dizer, ele sempre colocou que eu era uma pessoa bem quista, mas não exatamente como a Marli. Ela me tratava como uma verdadeira filha, ele me tratava como uma pessoa querida. A gente sente a diferença, mas eu entendia, pois eu já tinha uns dezesseis anos quando ele me conheceu. Ao longo da faculdade, eu me destaquei e comecei a ganhar a credibilidade dos próprios professores, ele era professor também, mas só o peguei quando eu fiz minha residência, aí ele realmente constatou a minha capacidade. Estreitamos mais ainda os laços. Tornei-me uma médica conceituada e resolvi viver por conta própria. Nunca deixei de visitar ou de procurar a “Senhora Marli”.

Ela fez outra pausa e sorriu novamente.

-- Para mim, nesse momento, era só Marli, e eu para ela, era sua filha. Para mim, hoje, ela é minha mãe. Entenda bem, eu não estou negando minha mãe de sangue, ela fez tudo que ela podia por mim e a tenho no meu coração para sempre. O nome da minha mãe verdadeira era Maria e não poderia ser melhor.

Aghata sorriu mais uma vez. Mas era um sorriso triste e nostálgico ao mesmo tempo.

-- Não poderia ser diferente, não?! E para terminar essa história da “Senhorita”, naquele dia na festa do André quando eu e você nos beijamos pela primeira vez, a Marli não estava, pois ela estava em um tratamento de câncer de mama, e estava muito cansada. Apesar de tudo que eu conversei com ela, ela se sentia inadequada para acompanhar o André, pois ela tinha feito uma cirurgia para retirada do tumor e consequentemente da mama, tinha perdido os cabelos pelo tratamento, e ela ainda passaria por outra cirurgia de reconstrução do seio. Depois tudo aconteceu muito rápido na secretaria culminando com o André fazendo aquilo comigo. O fato é que ela não conseguiu aceitar e entender o que o André fez, mas ele não admitiu o erro. O casamento deles já estava deteriorando e aí naquela turbulência toda ainda peguei uma traição do André com uma assistente da secretaria. Não contei para a Marli naquela época, pois queria que ela se recuperasse, mas antes disso, ela pediu a separação. O André não quis aceitar, pois estava em plena campanha e já tinha perdido o meu apoio. Jogou-me na cara e fez chantagem emocional. Disse que eu não era nada sem ele, mas a Marli ficou ao meu lado e ele usou todo seu conhecimento político para não deixar nada para ela. Ele tinha conhecidos no judiciário e realmente ela ficou sem nada na separação.

-- Meu Deus! Que Monstro!

O rosto de Aghata não era de raiva, mas de amargura.

-- E eu um dia ainda achei que ele era meu segundo pai. Fico pensando como eu pude me enganar e manchar a integridade moral do meu verdadeiro pai assim...

Acariciei de leve seus braços. Um afago de força para aquela imensidão de dor. Senti-me tão minúscula imaginando que toda a minha infância difícil, sem dinheiro e humilde que meus pais viviam, mas que eles me deram muito amor e forças para as minhas conquistas. Era uma enorme benção em comparação ao que Aghata viveu.

-- Ela não está sem nada. Eu nunca deixaria isso acontecer! Ela mora em minha casa e ela administra a minha clínica. Nunca fechei minha clínica. Mesmo na época em que estava envolvida na política com o André, eu nunca pensei em desfazer dela. Na realidade, apesar do André sempre me falar que não precisava mais me preocupar com a clínica, ele até me incentivava a vender, eu nunca quis, pois eu adorava clinicar e sempre pensei um dia em voltar. Que ironia, hoje ela prospera alicerçada em meu nome.

Seu sorriso agora era de orgulho.

-- Ela sabe por onde você andou? -- Eu perguntei.

-- Ela é na única que sabe cada passo que eu dei, cada sentimento que eu tive e cada coisa que eu vivi e realizei. A Ana também, mas para Marli eu sempre fiz questão de comunicar tudo. A “Senhorita Marli” sempre me falou para nunca deixar a “Senhorita Paula Atanar” morrer em meu coração... Ela sempre disse que a “Senhorita Paula Atanar” seria a minha paz e minha felicidade um dia... Ela me conhece melhor do que eu mesma me conheço. Quando ficamos a primeira vez, eu conversei com ela. Nem o André sabia. Eu perguntei como eu poderia estar sentindo coisas tão fortes por uma pessoa que eu praticamente não conhecia. Eu sempre fui muito prática, muito racional e isso não fazia sentido para mim. Ela me respondeu que o dia que fizesse muito sentido deixaria de ser sentimento.

Ela sorriu e se voltou para mim. Beijou-me quase que solenemente. Nunca fui beijada com tanto carinho, tanto cuidado e tanto amor. Essa mulher foi tudo que eu mais amei durante anos de minha vida e me sentia decepcionada com atitudes das quais ela não tinha a menor culpa. Pelo menos a culpa dos atos em si. Eu fiquei imaginando se o destino quis que eu amadurecesse e que ela compreendesse a roda da sua própria vida para que nós pudéssemos nos encontrar novamente. Ela me olhou ternamente.

-- Sabe que eu sempre a vi como um anjo?

Ela falou, mas eu não compreendi. Virei levemente minha cabeça de lado e enruguei minha testa com uma expressão de incompreensão.

-- Eu sempre olhei para você e sempre vi tanta ingenuidade perante as cruezas da vida, sempre a olhei com esse sorriso sereno que acalmava meus instintos mais rebeldes, que eu pensava se era possível alguém não ter nenhuma maldade real no coração. Hoje eu sei que é verdade. Você é meu anjo. Você pode ter se magoado, pode sentir tristeza perante as coisas e atitude das pessoas e da vida, mas você nunca gostou da agressão. Você se retirava e sofria sozinha.

Sorri mais uma vez para ela. Ela podia não acreditar em si própria, mas era ela que era meu anjo.

-- Sabe de uma coisa?

Ela me olhou inquisitiva.

-- O que?

-- Seu anjo está doido para te comer todinha!

Ela gargalhou gostoso.

Aghata

Imagina só. Eu contei toda a minha história, me desnudei e ela quer me comer todinha? Que delícia!!!

-- Vem cá, vem!

Ela me puxou para cima dela e abriu meu robe. Foi nessa hora que eu percebi que ela tinha me conduzido para todo esse desfecho.

-- Ei! Como você sabia?

-- Como eu sabia o que? Que você estava amuada, que você estava nostálgica, que você estava introspectiva? Eu não tinha a menor ideia de nada que você contou, mas...

-- Mas?

-- Mas eu a amo. Amo-a pela sua força, por sua vontade, por seu temperamento enérgico. Amo-a pelas suas atitudes, pela sua forma de tomar decisões. Você é imperativa e intempestiva. Não é apática, não é desanimada, não é passiva perante as coisas. O que você estava sentindo estava te embargando, te eclipsando.

Sabe essa história de cara metade, de alma gêmea, de outra metade da laranja? Pois é, naquele momento eu acreditei nisso tudo e continuaria acreditando para o resto de minha vida. Não tive mais o que fazer a não ser pegá-la para um beijo que possivelmente foi mais gostoso para mim do que para ela.

Ela conduziu suas mãos para dentro do meu robe e o abriu completamente. Seus olhos demostravam que ela me queria toda, sem máscaras, sem armaduras. Suas mãos passearam sobre meu abdômen e meu corpo se arrepiou todo. Era um estado de êxtase completo. As suaves carícias me deixavam em fogo, alcancei um de seus seios com minha boca e suguei seu mamilo duro. Ela disse que queria me comer toda? Eu é que estava com fome do seu corpo. Suas coxas estavam entrelaçadas em meu corpo e eu pude alcançar seu sexo por cima da calcinha de renda negra. Ela estava molhada, deliciosa... Não me segurei, nada era romântico, era feroz e guloso. Enfiei minha mão pela lateral da calcinha e penetrei com dois dedos completamente.

-- Aaahhh! Gostosa! Mexe para mim!

Paula movia seu quadril lenta e sensualmente me olhando dentro dos meus olhos. Segurei sua cintura enquanto a preenchia e seus movimentos ficavam cada vez mais fortes.

-- Issssssss!!! Que delícia amor! Mexe aqui, mexe?!

Ela pegou meu polegar e colocou em cima de seu clitóris pra lá de rígido. Ela pousou sua cabeça em meu ombro enquanto cavalgava em meus dedos, encaixada em meu colo. Mordeu suavemente a minha orelha e começou a falar com a voz rouca me pedindo o que queria que fizesse dentro dela, por vezes falava até vulgarmente, mas as suas ações e as palavras me enlouqueciam de tal forma que a essa altura eu tinha uma dor mais que prazerosa entre as minhas pernas.

-- Isso! Forte amor! Mais forte agora! AAHHH! Bota gostoso! Ahhhh! AAAAHHHHH!!

Ela convulsionou apertando meus dedos em seu interior. Jogou a cabeça para trás com os olhos fechados e ofegando. Ela estava linda e meu corpo em fogo. Eu pensei que ela fosse relaxar e quando eu vi, ela me empurrava de costas no sofá e tirava o resto do meu robe. Colocou-se entre as minhas pernas tirando imediatamente a minha calcinha. Quando ela disse que queria me comer toda, ela estava falando sério mesmo! Não me deu a menor chance de raciocinar, recusar ou incentivar. Vi-me gemendo como louca enquanto ela passeava sua língua entre as minhas dobras, no meu bulbo, dentro de mim... Sentia-a em todas as partes de meu sexo, eu só conseguia balbuciar palavras desconexas e gemer. Acariciava meu clitóris tão gostoso com a ponta da sua língua que eu gozei em segundos com um sonoro rugido. Ela tinha me deixado tão louca, tão pronta, que o clímax veio rápido drenando todas as minhas energias. Ela se espremeu para deitar ao meu lado e acariciar meu rosto. Eu não conseguia quase abrir os olhos. A tarde virou noite na nossa vontade de amar. De madrugada já estávamos na cama e ela adormeceu com a cabeça acomodada em meu ombro. Ela parecia mesmo um anjo. O meu anjo...

Paula

-- Vamos Aghata! Estamos atrasadas.

-- Calma Paula! O avião só sai daqui a três horas. Estamos a poucos minutos do aeroporto.

Depois da ansiedade inicial eu acho que relaxei no voo. Na realidade a minha ansiedade era por voltar a minha cidade. Onze horas de voo seria de lascar! Não tinha medo de avião, mas odiava ficar parada sem fazer nada, ainda mais sem poder fumar. Esqueceram que eu fumo? Não fumo desbragadamente, aliás não fumo quase nada, mas convenhamos, ficar sem fazer nada e não poder fumar para quem fuma é dose! Aghata insistiu em comprar na primeira classe. Achei o preço um absurdo e quase discuti com ela, mas ela fez questão, pois há muito tempo que não se dava um conforto maior. Disse que era muito grande para poltronas da classe econômica e ficava toda encolhida. Isso eu tive que concordar com ela, coitada! As poltronas da classe econômica quase não reclinam, são espremidas e todo mundo fica agrupado. Parece até que a bunda que senta na primeira classe é uma bunda maior e melhor que a bunda que senta na classe econômica. Sorri de meus pensamentos anárquicos. Estava viajando de primeira classe pela primeira vez e tive que concordar, a viajem foi muito melhor. Talvez por isso eu tenha ficado mais indignada com o desconforto da classe econômica. Será que não poderiam fazer normas para melhorar um pouquinho aquelas poltronas? Eu estava divagando nesses pensamentos, acredito que para passar a hora. Eu estava verdadeiramente nervosa.

Quando desembarcamos passamos por aqueles trâmites chatos de alfandega, esperamos uma infinidade pelas malas e finalmente saímos no salão de desembarque do aeroporto. Eu sorria e chorava ao mesmo tempo. Aghata me fez uma deliciosa surpresa. Pediu para Cacá trazer meus pais e combinou com eles de ficariam na casa dela. Abracei-os forte. Tinha muitas saudades e nem imaginava quanto. Meu pai; Sr. Abalberto e minha mãe; Sra. Frida choravam junto comigo. Quando nos separamos, vi uma senhora ao lado de Aghata sorrindo para mim. Intui que fosse a “Senhorita Marli”, me aproximei e ela abriu mais o sorriso.

-- Seja bem vinda, minha filha.

Ela abriu seus braços para que eu pudesse abraça-la. Eu sorri de volta e a abracei. Estava conhecendo mais uma parte de Aghata e ela uma parte minha.

Passamos uma semana maravilhosa entre jantares, passeios e conversas entre meus pais, Senhorita Marli, Cacá e Ana. Eu e Aghata ficamos muito felizes ao saber que Marli estava muito bem na administração da clinica de Aghata e bem amparada também. Visitei o laboratório e Roberto. Eu chorei mais uma vez, pois sou uma manteiga mesmo, mas o Roberto chorou também, viu?! Meus antigos colegas de trabalho conversaram comigo matando saudades e percebi certo ar de admiração em todos. Engraçado, tive que me afastar para poder crescer profissionalmente e ser reconhecida pela minha capacidade. Enfim iria ficar mais uma semana e meia e meus pais iriam voltar para sua vidinha pacata na serra no outro dia. Chamei todos os meus amigos para a despedida dos meus pais e fiz questão de preparar um prato que havia aprendido durante esses anos no exterior e que eu gostava muito; carne defumada com molho de maça.

Aghata adorava a minha comida, mas como ela não sabia cozinhar, ela dizia que tudo era bom. Acho que também pelo seu passado e pela sua experiência com pessoas que não tinham nada para comer a não ser o que lhes era oferecido. Na realidade, Aghata não reclamava de nada nesse quesito e quando tínhamos que comer qualquer coisa por eu não estar com saco de cozinhar ela comprava algo para fazer sanduiches ou pedia em algum lugar. Mas eu observava que ela comia com gosto a minha comida, às vezes até repetia e dizia que eu queria engordá-la para ela ficar feia e ninguém olha-la. Eu ria e falava que ela era só minha então ela não precisava se incomodar com isso. Ela só me olhava e falava, “sei, tô entendendo a sua tática”, eu ria mais ainda.

As pessoas começaram a chegar e eu havia preparado uma mesa de frios para entreter a todos. Aghata chegou na cozinha e me abraçou por trás. Deu-me um beijo gostoso no pescoço enquanto eu olhava a textura e a maciez da carne.

-- Você vai ficar metida nessa cozinha o tempo todo?

-- Meu amor, o jantar tem que ficar pronto, não?

Ela me beijou mais uma vez e saiu para a sala. Quando eu vi, ela tinha chamado todos para povoar a cozinha e ficar me fazendo companhia enquanto eu cozinhava.

-- Mas o que está acontecendo?

-- Minha filha, se eu vou embora amanhã, eu quero curtir a minha filha que a um bom tempo não dá as caras para me ver! – Minha mãe falou.

-- Mãe, você também não quis dar as caras, né?

-- Eu sou mais velha e você é que precisa me bajular, e depois, eu não ando naquela gerigonça que voa, não! Imagina se eu vou confiar num negócio que é de ferro e nem bate as asas!

Todos riram inclusive eu.

Rimos, nos divertimos e minha alegria era tanta que eu pensei que fosse um sonho.

Pra terminar, meus pais foram embora e a “Senhorita Marli” estava de “trê lê lê” com um senhor “muito distinto”, palavras dela, que conheceu na clínica. Ele era administrador aposentado de um órgão federal e ela já estava dormindo, de vez em quando, na casa dele. A Aghata queria conhecer o “indivíduo”, como ela mesma disse, cheia de ciúmes e cuidados com a “Senhorita Marli”. Eu ria muito da situação, pois a Aghata parecia a sua filha de verdade e estava para morrer. Falava que se “esse cara” fizesse alguma coisa com a Marli ela quebrava ele todinho.

Na segunda feira estávamos sós! Comemos à beira da piscina e fomos para o quarto.

Liguei a tv para ver o noticiário enquanto Aghata estava arrumando algumas coisas que ela queria levar conosco. Quase morri quando vi a foto no alto da tela ao lado do apresentador do noticiário.

“Foi preso hoje o deputado federal Gustavo Antíoco por desvio de verbas públicas e formação de quadrilha. Será acusado também de improbidade administrativa. Ele estava sendo investigado pela polícia federal depois de uma denúncia feita pelo ex-deputado André Carceiro que perdeu o apoio de seu partido quando o antigo companheiro de chapa, Gustavo Antíoco”...

-- Aghata vem até aqui para ver isso! Vem rápido!

“...André Carceiro, em seu depoimento para a polícia, revelou os contatos na agência de financiamento e incentivo a pesquisa e desenvolvimento em troca de proteção e diminuição de pena. Foram indiciados também os funcionários da Agência que participaram do desvio de verbas e elegiam projetos de empresas privadas fantasmas nas quais Gustavo Antíoco recebia...”

-- Deus! No que o André se transformou... No que ele foi se meter? Ele não precisava disso!

“... Segundo seu advogado, Gustavo Antíoco será solto ainda hoje, pois o deputado é privilegiado com a lei da imunidade parlamentar...”

Baixei a minha cabeça, pois ainda tinha que ouvir que um canalha como esse, se safaria por conta de uma lei absurda que privilegiava inescrupulosos que deveriam defender os interesses do povo e se utilizavam do poder para sair imunes.

Aghata me abraçou.

-- Meu amor, um dia isso vai acabar. Um dia ele não vai mais ter onde se segurar!

-- Mas ainda vão existir milhares de pessoas como eles...

-- E vão existir ainda pessoas como nós também! Como você, eu, Marli, seus pais, Cacá, Ana, Roberto...

Eu olhei para ela e sorri.

-- Você tem razão. O mundo não vai parar... Gente como eles... Gente como nós...

Ela me beijou. Eu estava com o controle da tv na mão e a desliguei largando o controle no chão.

Aghata me carregou para o banheiro e começou a tirar minha roupa. Ela havia enchido a hidro e nós nos acomodamos dentro. Eu pensei em acomodar meu corpo moldando-o ao dela, mas ela começou a me acariciar de uma forma tão terna, tão reverente, que eu esqueci completamente o mundo lá fora. Ela tinha um jeito muito especial de me amar. Quando terminamos o banho, ela me pegou no colo e me levou até a cama. Secou-me e me olhou com admiração, carinho, amor e ardor. Beijou meus lábios como se fosse à primeira vez. Eu pensei:

“É. Realmente existem pessoas como eles, mas existem pessoas como ela”!

FIM









5 comentários:

  1. Olá, não sei se essa mensagem aparecerá duplicada...quero lhe agradecer por manter este e outros blogs atualizados. Sabe o conto III- Quem é essa mulher? Ele está na sua versao integral em:
    http://www.4shared.com/office/teJNkggH/Quem__essa_mulher_-_Cacau.html

    Notei que ele aqui, está incompleto. Espero ter podido ajudar,
    Mais uma vez, obrigada meeesssmo...

    bj

    Julia

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  2. eu amei a estoria e conta um pouco da realidade do nosso País
    meus parabens

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  3. Amei Ah história 😍

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  4. Amei Ah história 😍

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